Acórdão nº 27214/20.4T8LSB-B.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2023

Data de Julgamento18 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão27214/20.4T8LSB-B.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A intentou a presente ação de prestação de contas com processo especial contra B.
Fê-lo por apenso à ação de inventário que corre termos no Juízo Central Cível de Lisboa (Juiz 10), no qual tem a qualidade de interessado, e a requerida a de cabeça-de-casal.
Para tanto alega, em síntese, que:
a) Requerente e requerida são filhos e herdeiros de C ……… e D ……….., falecidos, respetivamente em ... 2009 e ... 2012;
b) A requerida assumiu, de facto, as funções de cabeça-de-casal desde o decesso de cada um dos falecidos;
c) As heranças dos falecidos integram diversos imóveis que, por estarem arrendados, geram rendimentos, recebendo a requerida as respetivas rendas;
d) A requerida nunca lhe prestou contas, embora a tenha interpelado diversas vezes para tal.
Citada a requerida, a mesma contestou a obrigação de prestar contas, invocando os seguintes argumentos:
i- As contas foram prestadas quase mensalmente, e as rendas dos imóveis que integram as heranças foram “distribuídas” entre os interessados;
ii- Só se constitui na obrigação de prestar contas a partir do momento em que, no âmbito do processo de inventário, foi nomeada para exercer as funções de cabeça-de-casal, o que sucedeu em 06-01-2021;
iii- Tal obrigação só se vence 1 ano após a referida data;
iv- O meio próprio para requerer a prestação de contas relativas ao período após 06-01-2022 não é a ação especial de prestação de contas que corre termos por apenso ao processo de inventário.
Notificado da contestação, o requerente respondeu, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e concluindo como no requerimento inicial.
Seguidamente foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, reconheço a existência da obrigação da ré prestar contas ao autor pelo exercício do cargo de cabeça de casal das heranças de C ………. desde ... 2009 e de D …………. desde ... 2012, até à data em que as contas forem prestadas.
Nos termos do artigo 942.º, n.º 5 do CPC, notifique a ré para prestar as contas nos termos determinados, em 20 dias, sob pena de não lhe ser permitido contestar as que o autor apresente.”
Inconformado, o embargante interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões[1]:
1. O processo especial de prestação de contas previsto no Código de Processo Civil, que corre por dependência do inventário, só é aplicável às contas que respeitam ao período de tempo em que o Cabeça de Casal, após a nomeação nesse inventário, administre os bens da herança.
2. Se o cabeça de casal for investido formalmente nesta qualidade no âmbito do processo de inventário, por força do disposto no art. 1019 CPC, só presta contas relativamente ao período de tempo decorrido após a sua investidura judicial, e por apenso ao processo que o nomeou;
3. Pelo que as contas da pessoa que, de facto, antes de haver inventário ou até não o havendo, administrou a herança como Cabeça de Casal, serão prestadas pelo processo geral de prestação de contas dos artigos 1014 e seguintes do mencionado código.
4. A cabeça de casal só tem que prestar contas no âmbito do processo de inventário após a sua investidura judicial, uma vez que só presta contas relativamente ao período de tempo decorrido após a sua investidura judicial, e por apenso ao processo que o nomeou.
5. Qualquer que seja a douta resposta que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa queira dar às questões anteriores, resulta dos autos que entre … 2009 e … 2012 a cabeça de casal de facto e de direito da herança aberta por óbito de C foi o cônjuge sobrevivo a agora já falecida D, pelo que face a este hiato temporal nunca teria de prestar contas a sua filha, aqui recorrente.
6. Nesta matéria de já ter sido prestado de facto contas por parte da requerida e recorrente ao requerente e recorrido da sua gestão da herança não subsistem dúvidas que as mesmas foram prestadas e os saldos sempre distribuídos ao longo dos anos, uma vez que o próprio requerente assim o confessou.
7. A subsistir dúvidas o Digníssimo Tribunal a quo deveria ter ordenado a produção de melhor prova e nunca deveria ter decido de mérito como fez.
8. A julgar de outro modo o Digníssimo Tribunal a quo fez uma má interpretação das regras de Direito que se extraem dos Artigos 941 e segts do CPC, em especial do Artigo 947 e 942, n. 3 do CPC.
Rematou as suas conclusões pugnando pela revogação da decisão recorrida.
O apelado apresentou contra-alegações, que sumariou nas seguintes conclusões:
1. O objecto do recurso ora apresentado pela Recorrente é, apenas e tão só, o seguinte: A) “excepção de erro na forma de processo” com base nas figuras de “cabeça de casal de facto” e “cabeça de casal investido”; e B) Invocação da prestação de contas extrajudicialmente pela Recorrente;
2. Analisando os princípios pelos quais o Processo Civil se pauta, constata-se facilmente que o princípio da economia processual tem e deverá ser respeitado, e dar provimento ao ora argumentado pela Recorrente contraria veementemente este princípio que rege o Processo Civil;
3. Nada obsta a que o processo de prestação de contas seja apensado ao processo de inventário;
4. Optar por um processo autónomo de prestação de contas, quando essas contas se reportam 12 aos mesmos factos que circunscrevem o processo de inventário frustraria por completo um dos princípios basilares do Processo Civil – de economia processual;
5. A distinção entre a forma empregue é meramente enunciativa e não comporta qualquer alteração na forma de processo.
6. A jurisprudência maioritária defende a prevalência do princípio da economia processual e a apensação da prestação de contas no mesmo processo, quer as anteriores ao processo de inventário, quer as que se seguem ao mesmo;
7. Nesse sentido - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.11.2019; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.03.2017; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.11.2007; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.04.2014;
8. Pelo que, faz sentido não desaproveitar o cúmulo processual, uma vez que as contas versam exatamente sobre os bens constantes do inventário, e consequentemente respeita-se o princípio da economia processual;
9. A Recorrente no artigo 4º da contestação nos presentes autos, confessa, ainda que tacitamente, que administra a herança por ter distribuído “as rendas geradas pelos prédios da herança entre as aqui partes.”, desde, pelo menos, o falecimento da sua mãe;
10. A apensação da prestação global das contas, anteriores ou posteriores ao processo de inventário, promove e melhor respeita o princípio da verdade material plasmado no nosso ordenamento jurídico, bem como do princípio da economia processual;
11. Não descurando a legislação vigente e atual, o artigo 2079º do Código Civil (doravante CC) estipula que “a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça de casal”;
12. A própria lei garante que há administração da herança desde o momento em que esta é aberta;
13. O artigo 2080º do CC enuncia quem poderá ser incumbido do cargo de cabeça-de-casal;
14. Portanto, estamos em condições de afirmar que a própria lei salvaguarda o instituto da administração da herança por meio de um cabeça-de-casal;
15. E neste sentido, defende o Tribunal da Relação de Coimbra por um Acórdão de 18.10.2011 “a fonte primeira do cargo de cabeça-de-casal é a lei, (…) pois o inventário judicial é apenas uma das formas que a lei prevê para a efetivação das partilhas, que pode ser efetuada extrajudicialmente (…). Por conseguinte, a designação legal operada pelo art.º 2080º do CC garante determinação do cabeça-de-casal desde o momento em que se inicia a administração da herança.
16. Acrescenta ainda o referido Acórdão “Fala-se, nestes casos, de “cabeça-de-casal de facto” por contraposição ao “cabeça-de-casal investido”, ou seja, aquele que é nomeado no processo de inventário. (…) “Esta distinção não deriva da diversidade de fontes de cargo num e noutro caso.” Mas afirma que “o “administrador de facto” está obrigado a prestar contas (…) seguindo-se o entendimento segundo o qual dos “preceitos legais que estabelecem tal obrigação [obrigação de prestação de contas] extrai-se um princípio geral, já afirmado pelo Prof. Alberto dos Reis, e de que tais preceitos constituem afloramento ou revelação: quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses (…) seja qual for a sua fonte.”
17. A Recorrente confessou ser administradora da herança e, aludindo uma vez mais ao douto Acórdão da Relação de Coimbra “antes de investido judicialmente no cargo de cabeça-de-casal, e mesmo antes de ser nomeado nesse cargo, no inventário, o herdeiro que nele foi substituir, agiu como cabeça-de-casal de facto, estando, por via disso, obrigado a prestar contas quanto aos bens que, nessa qualidade, estiveram sob a sua administração.”;
18. Mais uma vez, o entendimento maioritário da jurisprudência, bem como da doutrina no ordenamento jurídico português, vai no sentido de que que não há lugar a um processo autónomo de prestação de contas, quanto ao período anterior à investidura da Recorrente no atual processo de inventário enquanto cabeça-de-casal, uma vez que proceder a tal, violaria o princípio da economia processual e da verdade material;
19. Nos presentes autos o “cabeça de casal de facto” e o “cabeça de casal investido” são a mesma pessoa jurídica – a Recorrente, que sempre acompanhou, teve e tem acesso a toda a informação e acervo documental do património da herança, e sempre desempenhou a função de cabeça de casal de facto;
20. Vem a Recorrente afirmar no ponto 4 da contestação que “foram prestadas contas quase que mensalmente”, sem que para o efeito tenha apresentado, como era seu dever, qualquer prova;
21. A Recorrente
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