Acórdão nº 2709/22.9T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28-06-2023

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão2709/22.9T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, EE e FF, GG, HH e II, pedindo:
«a) Se declare que o prédio rústico sito em …, na freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, composto de figueiras, oliveiras, eucaliptos, horta, cultura arvense e ruinas de prédio urbano (este com a área de construção de 185 m2, com logradouro, possuído a área total de 1 250 m2), a confrontar do norte, com …; do sul, com …; do nascente, com …, e do poente, com Ribeira, com a área de 4,705 ha, inscrito na matriz cadastral nº … da secção B e na matriz urbana nº …, todas da freguesia da Mexilhoeira Grande, deste concelho e Portimão, e descrito na conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº … livro B-24 ( hoje descrito sob o nº …), se encontra materialmente dividido, por usucapião, em três parcelas, distintas e autónomas, designadas pelas letras A, B e C no levantamento topográfico aqui junto como Doc. Nº 10, com as áreas respectivamente de A =17 823 m2; B = 14 316 m2 e C = 14 911 m2.
b) Se declare que os AA adquiriram por usucapião a parcela designada com a letra C do prédio apontado em a), com a área de 14 911 m2 (catorze mil novecentos e onze metros quadrados), sendo donos e legítimos possuidores da mesma parcela e que esta é distinta e autónoma em relação às demais parcelas, sita em …, na freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, composta de figueiras, oliveiras, eucaliptos, cultura arvense, horta, a confrontar do norte, com …; do sul, com …; do nascente, com … e do poente, com ribeira.
c) Se condene os RR a reconhecerem, quer a divisão por usucapião do dito prédio naquelas três parcelas distintas e autónomas (identificadas em a), quer a parcela pertencente aos AA, designada pela letra “C” e estes como donos, proprietários e legítimos possuidores daquela mesma parcela;
d) Condenar-se os RR a reconhecerem e a acatarem a constituição e existência de tal parcela de terra como autónoma, distinta e independente, dividida e demarcada, assim como o direito de propriedade dos AA sobre o mesma, e a se absterem de praticar actos que perturbem ou impeçam aos AA o uso da dita parcela/prédio ou o exercício do direito de propriedade, ou de outro com este conexo, sobre a mesma parcela.
E ainda:
e) Declarar-se a aquisição por usucapião pelos AA da propriedade de 1/3 da água do referido charco e dos demais direitos constantes do alegado nos artigos 59 a 73, ambos inclusive.
f) Condenar-se os RR a reconhecerem e a acatarem os direitos dos AA, e sequentes aquisições, correspondentes ao pedido indicado na alínea e) e a se absterem de praticar actos que lhes perturbem ou impeçam o exercício daqueles mesmos direitos e dos que com estes estejam conexos.»

Alegaram que o prédio rústico sito em …, na freguesia da Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o nº …, foi propriedade dos progenitores do Autor e que estes o doaram, há mais de trinta e cinco anos, aos seus filhos, ou seja, ao ora Autor, a JJ (entretanto falecido) e a HH, os quais acertaram a divisão do prédio em três parcelas distintas, que distribuíram entre si amigavelmente, tendo procedido à marcação dos limites de cada parcela e à colocação dos respetivos marcos em pedra e passado a cuidar, cultivar, colher de cada uma das parcelas de terreno que lhe foi destinada, no convencimento de que cada parcela lhes pertencia como prédio autónomo e que não prejudicavam ninguém.
Mais alegaram que têm estado na posse da parcela de terreno que lhes coube e que identificaram com a letra “C”, e que o fazem de forma pacifica, pública, à vista de toda a gente e de boa-fé, desconhecendo lesarem direitos de terceiros, convictos que exercem os direitos correspondentes a propriedade plena sobre a aludida parcela, como, aliás, também tem acontecido com os demais donatários em relação às parcelas que fizeram suas no seguimento do fracionamento acordado.
Também alegaram que se encontra construída no prédio que foi tripartido, com localização nas parcelas designadas pelas letras A, B e C, também desde há mais de trinta e cinco anos, uma reserva de água – vulgo charco - alimentado apenas pela retenção de águas pluviais, com a área de 1 883,00 m2. Água essa que é encaminhada para as três hortas existente, e cujos encargos foram e são suportados igualmente por todos os donatários titulares das respetivas parcelas, os quais suportaram e suportam, de igual forma, os custos inerentes à conservação do dito charco, sendo que para cada uma das parcelas se encontra, desde sempre, acordado e cumprido por todos os respetivos titulares, em conformidade com os seus interesses, o uso semanal de dois dias de água. E daí que, na proporção de 1/3 para cada um, são os Autores e Réus os titulares/proprietários das parcelas, em comum e partes iguais daquela água, enquanto o mesmo charco existir.

Regularmente citados os réus não contestaram.
O tribunal a quo ordenou a notificação dos Autores para querendo se pronunciarem quanto à eventual verificação da exceção dilatória insuprível de falta de interesse em agir, por não se achar descrita na petição inicial qualquer situação de oposição dos Réus aos pretensos direitos dos Autores.
Os Autores apresentaram requerimento onde defendem que, no caso, existe interesse em agir, nos seguintes termos:
«Com efeito, há que ter presente, para além de as partes estarem de acordo quanto à divisão do prédio mãe (de sequeiro e com a área de 4,705 hects, indicado em 9, 11, 13, 16 e 27 da p.i.) nas parcelas que ajustaram entre si, que demarcaram e que desfrutam (situação de que, eventualmente, se poderia vir a falar de tal excepção dilatória), que algo existe que lhes ultrapassa, nas suas vontades/acertos, para que tal acordo possa ser concretizado, e que não depende de quaisquer concordâncias entre elas. É o caso de se confrontarem com a indivisibilidade do prédio mãe, à luz do que se encontra legislado sobre a unidade de cultura decidida para esta zona do país (portaria 19/2019, de 15 de Janeiro e artº 1376, nº 1 do C.C. indicados em 48, 51 e 52 da p.i.) do qual resultaram as três parcelas identificadas nos autos (em 28 da p.i.) - entre as quais se encontra a que os AA reclamam ter adquirido por usucapião, com a área de 14.911,00m2, (parcela “C” indicada em 27, 34, , 35 e 51 da p.i.) - por as referidas partes entenderem não continuar na indivisão e terem operado a divisão de coisa comum, assente no prédio identificado em 41 da p.i.
Por isso, salvo sempre o devido respeito, não se poderá deixar de atender ao que foi dito na p.i., entre o mais, nos artigos 16, 23, 25, 28, 30, 31, 32, 34, 35, 41, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 74 e 75 (por lapso, ao fim da p.i. indicado com o nº 60 ), e, já agora, no que consta das alíneas c) e d) do pedido formulado no articulado dos AA.
Aliás, toda a jurisprudência ali invocada, que aqui se dá por reproduzida, admite a divisibilidade do prédio mãe (e formação das parcelas aludidas) nos termos em que está referenciada ao longo da p.i.
(…)
É bem certo que noutras circunstâncias, em que não existe confronto entre a divisão de um prédio rústico e o que se encontra legislado quanto a Unidade de Cultura de certa zona do país (portanto, o disposto na citada portaria 19/2019 e o artº 1376 do C.C.) se apontam as regras dos artigos 34, 116, 117-A, 117-B e 117-H-2 do Código do Registo Predial para a resolução de questões registrais, no caso de estar em causa apenas matéria que verse sobre o trato sucessivo, a partir ou não de aquisições de terrenos com base no instituto da usucapião. Mas nestes autos não é o trato sucessivo que está em discussão, como claramente se retira do articulado e da jurisprudência invocada.
Porém, na verdade, não se conhece que o Código do Registo Predial contenha disposições que contemplem um procedimento que as partes possam levar a efeito para o registo de aquisição por usucapião de parcela de prédio rústico quando está em causa a divisão do prédio em não conformidade com o disposto na citada portaria e artigo 1376 e seguintes do C. Civil, ou seja, quando o prédio dividido e as parcelas dele destacadas e a registar possuam área inferior à unidade de cultura prevista para certa zona do país.
(…)
Então, verifica-se que não há forma extrajudicial de os AA verem reconhecido o seu direito de se tornarem os únicos e exclusivos titulares da parcela “C” em causa, pois que sem a intervenção judicial todo o prédio mãe (e as mencionadas parcelas) permanecerá em regime de compropriedade entre AA e RR, o que, pelos vistos, não é o desejo de nenhuma das partes possuidoras das ditas parcelas.
Está, portanto, claro que a aquisição de tal parcela pelos AA, através do Instituto da Usucapião resultante da divisão de coisa comum exige confirmação judicial, nisso residindo o seu manifesto interesse processual na presente lide, pois que sem ela ficariam privados do direito a serem reconhecidos como únicos e exclusivos proprietários da dita parcela “C”, direito que a lei ( e a jurisprudência invocadas na p.i. ) manifestamente lhes confere.
Estamos, então, perante um conflito de interesses (de que a falta de contestação dos RR nem o pode negar), pelo que só com a decisão do tribunal é que a parcela dos AA será destacada do todo do prédio mãe, vivendo-se grave e objectivo estado real de incerteza que pode comprometer o valor ou negociabilidade da própria relação jurídica e põe em causa o direito dos AA.
Para além de que, em caso de indivisibilidade do terreno, como acontece nos presentes autos, ainda prevê ao artº 1379, nºs 2, 3 e 4 do C .C., que pode haver lugar à acção de anulação pelo M.P. a intentar no prazo de três anos a contar da data da operação. Podendo, também aqui, assentar a incerteza dos AA em poderem concretizar a
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