Acórdão nº 27043/20.5T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-11

Ano2023
Número Acordão27043/20.5T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
H…, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra M… e J…, também com os sinais dos autos, peticionando a final que o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes em 25.11.2019, seja declarado nulo e de nenhum efeito, e que os RR. sejam condenados a restituir à A. a quantia de €210.000,00 relativa ao sinal e seu reforço, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
A Autora alegou, em síntese, que o contrato promessa de compra e venda (e o mesmo sucedendo quanto ao aditamento ao contrato promessa de compra e venda) – no qual se fez menção de que as partes prescindiam do reconhecimento notarial das assinaturas e sendo que a Autora apenas foi auxiliada por um outro cidadão de nacionalidade chinesa, que lhe explicou sumariamente o teor do contrato bem como por um vendedor imobiliário, sem que ninguém lhe explicasse o teor e as consequências legais das cláusulas constantes do contrato promessa – é nulo e de nenhum efeito porquanto sendo a A. de nacionalidade chinesa e não sabendo a língua portuguesa nem a legislação portuguesa, devia ter sido assistida por intérprete (artigos 65.º nº 1 e 70º nº 1 al. b), ambos do Código do Notariado) e bem assim, e pela mesma razão e ainda porque não houve intervenção de notário, advogado ou solicitador, a falta de reconhecimento notarial das assinaturas não lhe pode ser assacada, visto que desconhecia essa exigência e consequentemente a nulidade dela decorrente deve operar.
Os Réus contestaram, impugnando a versão factual da Autora, sustentando ao invés que a mesma foi assistida por um mediador imobiliário de nacionalidade chinesa que lhe traduziu os documentos, que foi a Autora quem quis que o contrato fosse assinado no escritório da sua mediadora onde não havia notário – não sendo por isso aplicáveis as disposições do Código do Notariado – dando assim origem à falta de reconhecimento das assinaturas, não podendo invocar a nulidade sob pena de abuso de direito.
A A., convidada para responder à matéria de excepção, impugnou que tivesse feito mais do que assinar o contrato promessa – nem assinou o aditamento – e que mandatar o Sr. JG…, mediador dos vendedores, para este diligenciar junto do Banco M… a obtenção de crédito bancário para a aquisição da fracção objeto dos presentes autos. Não promoveu nem teve conhecimento de trocas de correspondência entre o Sr. JG… e os promitentes vendedores, nem foi de sua iniciativa a procura de crédito junto de outros bancos, nem qualquer comunicação pela qual tivesse dado a entender aos promitentes vendedores o seu interesse na manutenção e cumprimento da promessa. Não sabe quem é o Sr. O…, não sabe onde é o escritório da imobiliária, não promoveu nem sugeriu a dispensa de reconhecimento notarial das assinaturas. “Era, sobre os RR, promitentes vendedores, que impendia a obrigação enquanto cidadãos nacionais e conhecedores da lei portuguesa de promoverem a observância dos requisitos de forma impostos pelo nº 3 do art.º 410.º do Código Civil”, posto que os requisitos de forma se destinam a proteger a parte mais fraca no contrato, que é a parte promitente compradora.
Responderam os Réus pugnando pelo excesso de pronúncia da Autora, e respondeu esta pela indevida resposta dos Réus.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido fixado à acção o valor de €210.000,00, proferido despacho saneador tabelar, identificado o objecto do litígio e enunciados os factos já assentes e os temas de prova, para além do mais que aqui não releva.
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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido prescindida a testemunha da Autora, JG… e a testemunha dos Réus, O…. A Autora, assistida pelo tradutor C…, prestou declarações de parte. A Autora prescindiu da testemunha N…, e foi apenas ouvida a testemunha R….
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Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Pelos fundamentos expostos, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo os RR. dos pedidos deduzidos pela A. Registe e notifique. Custas pela A.”.
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Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. A A aqui recorrente veio aos presentes autos arguir a nulidade do contrato-promessa de compra e venda em apreço por preterição do reconhecimento de assinaturas;
B. De acordo com o n.º 3, do artigo 410.º do Código Civil, os contratos-promessa que visem a aquisição de um imóvel devem conter o reconhecimento de assinaturas dos promitentes vendedores e compradores;
C. A preterição do reconhecimento de assinaturas das partes é geradora de nulidade;
D. O reconhecimento de assinaturas das partes tem como intuito a proteção dos futuros adquirentes;
E. A A. não aceitou/acordou nem desejou que o contrato-promessa fosse celebrado com preterição das suas formalidades legais;
F. Inexiste um facto voluntário da A., isto é, um facto cuja ocorrência dependa da vontade da A. e cujos efeitos se produzem porquanto queridos por essa vontade e na medida do que sejam sugestivos de que aceitou/acordou, nem desejou que o contrato-promessa fosse celebrado com preterição das suas formalidades legais;
G. A A. nada sabia quanto aos formalismos do contrato;
H. A A. não sabia, nem lhe foi explicado, que a Lei portuguesa exigia o reconhecimento das assinaturas para o contrato que estava a celebrar;
I. A A. não sabia, nem lhe foi explicado, as consequências da ausência do reconhecimento das assinaturas para o contrato que estava a celebrar;
J. A A. não sugeriu que fosse dispensado o reconhecimento das assinaturas para o contrato que estava a celebrar;
K. A A. apenas sabia que estava a prometer comprar, e que os vendedores estavam a prometer vender, o imóvel “x” pelo preço “y”;
L. Tudo o resto que consta do contrato assinado a A. não sabia, nem lhe foi explicado;
M. Tudo o resto que consta do contrato não desejou nem aceitou/acordou;
N. Há uma contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual a A. aceitou/acordou que o contrato-promessa fosse celebrado com preterição das suas formalidades legais (PRIMEIRO ERRO);
O. Quem assina um contrato-promessa, não aceita/acorda nem deseja que este seja celebrado com preterição das suas formalidades legais sobretudo quando a Outorgante:
a. É de nacionalidade chinesa e desconhece a língua portuguesa, quer falada quer escrita, assim como desconhece a legislação portuguesa e seus formalismos.
b. No momento da celebração do contrato-promessa suprarreferido, foi auxiliada por um outro cidadão de nacionalidade chinesa, que lhe explicou sumariamente o teor do contrato, nomeadamente, o preço.
c. No momento da celebração do contrato-promessa, ninguém lhe explicou o teor e as consequências legais das cláusulas constantes do contrato promessa.
d. Não sugeriu que fosse dispensada a formalidade de proceder ao reconhecimento de assinaturas no contrato-promessa.
e. Tendo-se limitado a assinar o contrato no local que lhe indicaram.
f. Não recebeu qualquer tradução do contrato-promessa antes da respetiva assinatura.
P. É legítimo, e não age em abuso de direito, a A. ao exigir a nulidade do negócio, porquanto a A. não excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito;
Q. A A., limita-se a requerer a nulidade de um negócio, por preterição das suas formalidades legais, que nunca teria celebrado se soubesse que essas mesmas formalidades não se encontravam verificadas;
R. O que se coaduna perfeitamente com as finalidades do vicio da nulidade;
S. A pretensão da A. vem indeferida apesar de todos os temas da prova que lhe competia provar se encontrarem dados como provados;
T. O Tribunal a quo erra ao entender que a A. cumpriu com o acordado, procedendo ao pagamento do sinal e fazendo o seu reforço posteriormente (SEGUNDO ERRO).
U. A lei confere aos promitentes compradores a faculdade de invocar a nulidade decorrente do disposto no n.º 3 do artigo 410º do CC, mesmo tendo subscrito o contrato promessa
V. Não obstante ter assinado o contrato (sem o reconhecimento presencial das assinaturas) e, não obstante ter chegado a efetuar um reforço do sinal, não atua com abuso de direito o promitente-comprador que após a celebração do contrato, vai pedir ao outro contraente a devolução do sinal, invocando a omissão daquela formalidade vindo a intentar uma ação onde pretende obter judicialmente a declaração de nulidade e a restituição do sinal
W. A Assinatura do contrato-promessa e o pagamento do sinal e respetivo reforço não assume o carácter reiterado e consistente necessário para fundar uma confiança séria e legítima que seja atendível para efeitos de paralisar o exercício do direito de invocar a nulidade do negócio.
X. A A. Não tomou nenhum comportamento adicional.
Y. A A. nunca comunicou aos RR ou por qualquer modo lhes deu a entender que não iria arguir a nulidade.
Z. A A. não marcou a escritura, nem foi interpelada para o efeito pelos RR;
AA. A A. não assinou a adenda ao contrato em apreço nos presentes autos
AB. A A. não sugeriu que fosse dispensada a formalidade de proceder ao reconhecimento de assinaturas no contrato-promessa.
AC. A A. não agiu como se o contrato fosse inteiramente válido, jamais dando a entender aos RR, fosse de que modo fosse, que não iria servir-se da irregularidade formal do negócio para, com base nela, obter a sua anulação.
AD. A A. não contribuiu para omissão das formalidades legais do artigo 410.º, n.º 3 do Código Civil nem com o seu comportamento posterior, fez criar nos RR a legitima expectativa de que não se serviria do privilégio que a lei lhe confere de proceder a tal arguição, sem quaisquer limitações.
AE. Não há um comportamento consistente e reiterado que fosse bastante para criar nos RR uma
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