Acórdão nº 270/21.0T8PBL-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-02-2023
Data de Julgamento | 28 Fevereiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 270/21.0T8PBL-A.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - RELATÓRIO
i)-
Correu termos pelo Juízo de Família e Menores ..., J ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges intentada por AA contra BB, com o nº 2818/16...., e com prévio arrolamento dos bens comuns do casal.
Nela teve lugar em 7 de Fevereiro de 2017 audiência final no âmbito da qual as Partes chegaram a acordo parcial.
Na sequência, a acção foi convolada para de divórcio por mútuo consentimento.
Nela, a 7 de Fevereiro de 2017, foi prolatada douta sentença, transitada em julgado, que dissolveu por divórcio o casamento que unia as partes, com efeitos a partir de 27 de Março de 2016.
ii)-
Em 2021 veio AA intentar inventário judicial para partilha dos bens comuns em consequência do divórcio havido - que inicialmente correu termos em Cartório Notarial -, e que passou a correr termos com o nº de processo 270/21.0T8PBL-A.C1, no Juízo de Família e Menores ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sendo o outro interessado e ainda cabeça-de-casal BB.
Trata-se do processo principal de que este apenso – o A – é o apenso de recurso em separado.
O processo seguiu o ritualismo próprio - cfr. artigo 1133º do CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
Foi apresentada relação de bens e houve reclamação.
iii)-
Em sede de audiência prévia – cfr. artigo 1109º do CPC – que ocorreu a 7 de Junho de 2022, e como se vê da respectiva acta certificada de fls. 16 a 18, as partes e Il. Mandatários fizerem saber à Mma. Juiz haverem chegado a acordo quanto à matéria ainda controvertida.
Ficou a constar da acta haverem os interessados chegado a acordo quanto à verba 6 – veículo automóvel – eliminando-a e substituindo-a pelo relacionamento de um crédito; quanto à verba 53 – prédio urbano – eliminando-a e substituindo-a pelo relacionamento de um crédito; quanto à verba 54, relacionando-a por inteiro; e relacionar como passivo duas dívidas.
O cabeça-de-casal foi notificado para em 10 dias juntar relação de bens actualizada.
Foi ordenada a avaliação de todos os bens constantes da relação de bens.
Diligenciou-se pela indicação de peritos a nomear para o efeito.
No final foi a diligência declarada encerrada.
iv)-
Entretanto a Requerente e interessada AA veio a 5 de Julho de 2022, invocando o disposto nos artigos 1082º, d) e 1097º, c) e d), ambos do CPC, requerer seja relacionado como bem comum - por referência à verba nº 3 da relação de bens, quota social de que o ex-casal é titular na sociedade A... Lda., de que o interessado e cabeça-de-casal é sócio-gerente - o direito de crédito aos lucros da mesma empresa, isto é, aos resultados ou dividendos relativos ao exercício da actividade desde a data de 27/3/2016, data da separação de facto entre os cônjuges fixada na sentença de divórcio nos termos do artº 1789º nº 2 do CC.
Acrescenta que o cabeça-de-casal tem conhecimento directo deste valor, porquanto, é sócio-gerente da mesma sociedade, e, pelas funções desempenhadas no inventário, incumbe-lhe, também, o dever de relacionar tais direitos de crédito sobre a dita sociedade A..., Lda.
Invoca a lição dos Acs. do T. Rel. de Coimbra de 20/10/2009, Proc. nº. 68/04.0TMCBR-BC.1 e do T. Rel. de Guimarães de 29/06/2019, no Proc. nº. 4863/16.0T8VNF.G1, acessíveis no site da DGSI.net.
Opôs-se o cabeça-de-casal dizendo, que a data de 27/3/2016 constitui não a data da propositura da acção de divórcio, mas a data da fixação da separação de facto entre os cônjuges fixada na sentença de divórcio, constituindo a pretensão da Requerente uma nova reclamação à relação de bens, sendo certo que se mostra esgotada há muito a possibilidade de acusar a falta de quaisquer bens.
Referiu ainda, que o bem que a Requerente agora acusa estar em falta, remonta ao momento em que o divórcio produziu os seus efeitos em termos patrimoniais, não estando em causa qualquer bem superveniente ou de cuja existência a mesma só tivesse tido conhecimento agora, nem tal vem alegado.
Termina pedindo, que independentemente da existência ou não do bem em causa, seja a reclamação agora apresentada totalmente indeferida por extemporânea.
v)-
Com a ref. 101268136 e em 23 de Setembro de 2022 foi lavrado o seguinte despacho, vindo a ser este a decisão recorrida:
(…)
Decidindo.
A propósito da possibilidade de apresentação de nova reclamação posterior aos articulados, referem Miguel Teixeira de Sousa e Outros ( in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, p. 9) que «a estruturação sequencial e compartimentada do processo de inventário envolve algumas cominações e preclusões, inexistentes no regime anterior, tendo o novo regime implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes: o modelo consagra um princípio de concentração na invocação dos meios de defesa que é em tudo idêntico ao que vigora no artigo 573º: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, activo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados têm para deduzirem oposição (artº 1104º). Assim, por exemplo, é no articulado de contestação que os interessados devem suscitar todas as impugnações, reclamações e meios de defesa, quer respeitem à oposição ao inventário, à legitimidade dos citados ou à competência do cabeça de casal, quer se refiram à relação de bens ou aos créditos e dividas da herança. Institui-se, assim, um efeito cominatório, já que a revelia conduz em regra, ao reconhecimento das dívidas não impugnadas (artº 1106º nº 1 do CPC). Posteriormente só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo de oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição ou que se prendam com questões que sejam de conhecimento oficioso (artº 573º nº2). Em comparação com o modelo anterior verifica-se por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens devem ser deduzidas na sub-fase da oposição (artºs 1104º nº 1 al. d) e 1105º nº 1) e não a todo o tempo como parecia admitir-se no CP/61»
E mais à frente em anotação ao artigo 1111º do CPC, - ob. cit.. p. 104 - referem « assim, por exemplo, pode algum dos interessados deduzir ainda reclamação contra a relação de bens, alegando e demonstrando que, no momento da oposição prevista no artº 1104º nº 1 al. d), não podia, mesmo agindo com a diligência devida, ter conhecimento do fundamento da reclamação que agora pretende deduzir».
Ora, in casu, resulta do teor do requerimento apresentado pela interessada AA, que o mesmo consubstancia uma nova reclamação à relação de bens, pretendendo a mesma que seja relacionado como bem comum - por referência à verba nº 3 da relação de bens, quota social de que o ex-casal é titular na sociedade A... Lda - o direito de crédito aos lucros da mesma empresa, isto é, aos resultados ou dividendos relativos ao exercício da actividade desde a data de 27/3/2016, data da separação de facto entre os...
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