Acórdão nº 2674/21.0T8VFX.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-11

Data de Julgamento11 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão2674/21.0T8VFX.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

1.1. A, intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do processo comum, contra CP – COMBOIOS DE PORTUGAL, EPE, pedindo que seja esta condenada a: a) A atribuir-lhe a categoria de Técnica Licenciada, colocando-a no nível (160) devido, caso tivesse sido corretamente reclassificada em 2010; b) A pagar-lhe doravante a retribuição devida por tal reenquadramento profissional, no montante atual de 2.595,34 mensais; c) A pagar-lhe todas as diferenças remuneratórias relativas ao diferencial entre aquilo que a Ré, erradamente lhe pagou e aquilo que deveria ter pago; d) A pagar-lhe, a título de danos morais, montante não inferior a 7.500,00 €; e) A pagar juros de mora sobre os montantes indicados nas alíneas b) e c), até integral pagamento.
Para o efeito alegou, em suma, que começou a trabalhar para a Ré em 1 de abril de 1998 como comercial. Em junho de 2009 terminou a sua licenciatura em geografia. Desde então passou a desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnica Licenciada, idênticas à de outros Técnicos Licenciados. Contudo, a Ré mantém a Autora classificada como Técnico Comercial II. Desde, pelo menos, 15 de março de 2010, a Autora vem desempenhando funções próprias de Técnico Licenciado, sucedendo e sendo substituída por outros Técnicos Licenciados. Para além das diferenças remuneratórias e progressão de carreira a Autora peticiona ressarcimento das consequências psicológicas e anímicas do tratamento discriminatório.
Realizou-se a audiência de partes, sem conciliação.
A Ré contestou. Alegou, em síntese, que as tarefas praticadas pela Autora ao serviço da Ré são realizadas sem autonomia de execução. Sendo antes tarefas vinculadas. Funções que se enquadram no descritivo funciona de Técnico Comercial II. Sendo que a habilitação literária não é relevante para as tarefas exercidas. A Autora não alega em que medida as tarefas exercidas correspondem ao núcleo de funções próprio de Técnico Licenciado. Por outro lado, inexiste qualquer diferença de tratamento que não esteja devidamente sustentada. Concluiu pela absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, dispensando-se a realização de audiência prévia, bem como a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“Por tudo quanto se deixa exposto o Tribunal decide julgar a ação improcedente por não provada e, consequentemente, absolver a Ré do pedido”.

1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:
1.º A sentença recorrida erra de facto e de Direito e baseia-se numa errada concepção do papel do Julgador em Processo do Trabalho, e como tal deve ser revogada.
2.º Os princípios essenciais do Direito do Trabalho (substantivo), tais como o da tutela da contraente mais débil, do predomínio da materialidade sobre a formalidade e de uma robustecida exigência da busca da verdade dos factos, têm também (e não poderiam deixar de ter) plena e necessária consagração e aplicação no Direito Processual do Trabalho,
3.º Determinando que o Juiz do Trabalho não só não deve permitir que a desigualdade real das partes (intrínseca à relação de trabalho subordinado) possa de algum modo prejudicar a averiguação da materialidade das situações, isto é, a busca da verdade dos factos.
4.º Impondo-lhe a obrigação (o poder/dever) de remover todos os obstáculos ou pretextos, designadamente de natureza formal, que possam fazer obstar a que se chegue ao apuramento da materialidade do mérito da causa, convidando as partes a corrigirem os articulados se porventura entender que não foram articulados factos relevantes para a boa decisão da causa.
5.º Como também, e consequentemente, e numa robustecida concepção do inquisitório, própria do mesmo Processo do Trabalho, impondo-lhe também que remova todos os obstáculos formais e que promova, mesmo que só oficiosamente, todas as diligências de provas necessárias à boa decisão da causa, bem como que considere todos os factos para tal relevantes, inclusive os que não foram articulados (cfr. art.º 27.º e 72.º, n.º 1 do CPT),
6.º Tudo isto sempre tendo em vista a garantir a igualdade substancial das partes, e logo também agindo com escrupuloso respeito pelo princípio do contraditório, e consequentes direitos das partes.
7.º Todas estas questões são mais relevantes ainda quando se está perante uma situação como a dos presentes autos, com uma simples cidadã comum, trabalhadora, de um lado, e uma logística e financeiramente poderosa empresa do outro, com o ónus da prova e as dificuldades inerentes à obtenção e produção da mesma a recaírem sobre a primeira.
8.º A A. requereu oportunamente logo na p.i. – e tal foi deferido expressamente no despacho saneador – que a Ré fosse notificada para juntar aos autos inúmera e relevante documentação em seu poder, mas decisiva para a boa decisão da causa,
9.º A saber, “cópia integral do processo individual da A. desde 2000, contratos, cartas de denúncia, nomeações, registos de categoria e remunerações, correspondência trocada” (sic), bem como “pareceres elaborados pela DRH e pelo SJR sobre a questão de qualificação profissional da A.”.
10.º O que não é legalmente inaceitável é que o Julgador não exerça o poder/dever consagrado no art.º 27.º, n.º 2, al. b) do CPT de convidar a parte Autora que supostamente deixou de alegar factos que podem interessar à decisão da causa para vir completar e corrigir o seu articulado alegando tais factos, para depois, e de forma surpreendente, julgar improcedente a acção, precisamente sob o pretexto da pretensa insuficiência que ele, Julgador, e ao invés do que devia, não convidou a corrigir.
11.º Os factos dados na sentença como “não provados” sob o n.º 4.º, 5.º, 11.º e 12.º foram-no erradamente, porquanto, tendo sido alegados, respectivamente nos art.º 47.º a 59.º, 79.º e 73.º a 79.º em especial 71.º a 75.º da p.i., e sendo do conhecimento pessoal e directo da Ré não foram por esta devida e especificamente impugnados e, logo, têm de ser considerados admitidos por acto.
12.º Os factos dados como “não provados” sob os n.º 1, 2 e 3 correspondem a um notório e claro erro do M. Juiz a quo na apreciação da prova, já que a sua demonstração resulta, e de forma absolutamente inequívoca, dos depoimentos prestados, com grande espontaneidade, convicção e veracidade, pelas testemunhas da A., todas elas Técnicas Licenciadas, há largos anos ao serviço da Ré e com directo, pessoal e amplo conhecimento dos factos sobre que depuseram.
Assim,
13.º O facto dado como “não provado” sob o n.º 1 foi-o erradamente, pois a sua prova resulta, inequivocamente, do depoimento de 28/11 da testemunha B, aos minutos 00:28; 00:47; 01:44; 02:46; 02:49; 3:32 a 03:37; 03:52 a 03:56; 04:21 e 04:36,
14.º E que demonstra que as funções que a A. vinha desempenhando desde 08/05/2014 foram todas transmitidas à referida testemunha B , Técnica Licenciada, que as passou a desempenhar a partir de Dezembro (e não Novembro) de 2017.
15.º O facto dado como não provado sob o n.º 2 foi-o erradamente pois o mesmo resulta inequivocamente provado pelo depoimento da testemunha C, Técnica Licenciada, nos trechos do minuto 02:48 a 07:23 e do minuto 10:48 ao minuto 14:27, prestado no dia 28/11,
16.º Depoimento esse claramente comprovador de que, na nova estrutura orgânica da Ré, foi também atribuída à A. a gestão das Parcerias Permanentes, a qual, até à reestruturação de Novembro de 2017, lhe esteve atribuída em absolutamente paralelo com a referente Colega e Técnica Licenciada C .
17.º Rigorosamente o mesmo se devendo dizer do facto erradamente dado como “não provado” sob o n.º 3, e que resulta afinal comprovado, de forma absolutamente clara e convincente, pelo depoimento da já citada testemunha e Técnica Licenciada B no seu depoimento de 28/11, dos minutos 00:21 a 00:47 e de 01:06 até 04:36. Por outro lado,
18.º O facto dado pela M.º Juiz a quo, sob o n.º 30 como “provado” foi-o, mesmo na parte não conclusiva, erradamente,
19.º Já que todas as testemunhas da A. inquiridas sob a respectiva matéria, todas Técnicas Licenciadas e com larga experiência ao serviço da Ré, confirmaram, de forma peremptória e muito clara a iniciativa, proactividade e capacidade de criação da A.,
20.º Sendo tal o que resulta do depoimento de 28/11 da testemunha D , aos minutos 07:25 a 11:08, B , aos minutos 06:02 a 06:34 e aos minutos 07:19 a 08:42.
21.º Mas também, para não dizer sobretudo da Técnica Licenciada, com funções de Chefia, G , no seu depoimento de 28/11, minuto 03:41 a 10:39 e 13:06 a 14:59.
22.º E ainda do depoimento de 28/11 da testemunha Técnica Licenciada C ao minuto 05:00 a 07: 23 e 09:25 a 11:24,
23.º Pondo todas elas a claro a total inveracidade da versão, consagrada erradamente na decisão impugnada, de que a A. não passaria de uma simples executante material de meras e concretas tarefas pré-definidas a cada momento,
24.º E confirmando todas em absoluto que a autonomia de que a A. dispunha era exactamente igual à das suas Colegas Técnicas Licenciadas e que, naturalmente, estas têm de seguir as orientações superiores e de ver as suas tarefas validadas superiormente, sem que tal signifique que quer elas quer a A. não tenham autonomia, iniciativa ou grau de responsabilidade.
25.º O M.º Juiz invoca que a A. não teria alegado o tipo de funções que constituiria o núcleo característico do Técnico Licenciado quando, por um lado, sabe que perfeitamente que não existe em vigor da Ré qualquer descritivo funcional para essa categoria e, por outro, se considerava esse facto invocado relevante e que a A. não o alegara, o que deveria era ter convidado a mesma A. a corrigir tal insuficiência e não abster-se de o fazer para vir (só) agora
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