Acórdão nº 26714/22.6T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-03-2024

Data de Julgamento05 Março 2024
Ano2024
Número Acordão26714/22.6T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,


1.–DJ., veio ao abrigo do disposto nos artigos 1048º e ss. do Código do Processo Civil, requerer inquérito judicial contra EDMEÉ, S.A., MP., RB. e PC., pelo qual pede lhe seja entregue:
a)-os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, seja, 2016, 2017 e 2018 incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;
b)-as convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de acionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos, seja 2016, 2017 e 2018;
c)-os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
d)-os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas.
e)-o documento de registo de ações.
Para o efeito, invocou que detém 4650 acções no valor de 23.250,00 €, da sociedade 1ª Ré, que tem o capital social de 372.000.00 € e que os demais réus administram.

Regularmente citados, os Réus contestaram, e, para além de arguirem a ineptidão da petição inicial, impugnaram a factualidade dela constante, alegando que: o A. foi convocado para as assembleias gerais realizadas no período de 2016 a 2018, nas quais esteve presente; sempre poderia consultar o IES ainda que este não contivesse toda a informação da empresa; insiste em utilizar a informação perante terceiros havendo até fundamento de legitima recusa. Concluem pela não verificação dos pressupostos do inquérito judicial, afirmando cumprir o estatuído para as sociedades comerciais juntando as actas onde o A. esteve presente.
O Requerente respondeu e deduziu incidente de litigância de má fé, pedindo a condenação em multa e indemnização no valor de € 5.000, e honorários às mandatárias, comprovando a notificação aos Réus que não se pronunciaram.

Finalmente, concluindo o tribunal não haver necessidade de produção de outras prova, proferiu sentença, cujo dispositivo se transcreve:
“Termos em que fundada nos preceitos aludidos e pelos motivos acima expostos, se julga procedente o presente inquérito judicial à 1.ª Ré, e, nessa conformidade, ao abrigo do disposto no art. 1048 e 1049/1 do Código de Processo Civil, se determina a entrega ao A dos elementos vertidos nas als. a) a e) do pedido com exclusão da acta n.º 8.
No prazo de 10 dias. A ter lugar na sede social da Ré.
Mais condeno os Réus em multa de 6 Ucs –art. 27/3 do Regulamento das Custas Processuais- visto o preenchimento múltiplo das aludidas condutas sancionáveis.
E numa indemnização global á luz do preceituado no art. 543/1 a 4 do Código de Processo Civil se fixa em € 2500 a pagar ao A (atento o valor da acção).
Fixo o valor da acção em -5.000,01 € - art. 303 do Código de Processo Civil.
Custas pelo A, nos termos do art. 1052/1, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”

Não se conformando com sentença proferida, dela interpuseram recurso os Requeridos, cujas alegações concluem da seguinte forma:
A.–A prova documental junta aos autos, não se mostrava suficiente para apreciar o mérito da causa,
B.–E, ao contrário do que o Tribunal “a quo” entendeu, não haver necessidade de produção de outra prova, os Recorrentes entendem que deveria terem sido ouvidas as testemunhas arroladas,
C.–O que sufragaria a recusa legítima de documentação ao Recorrido, uma vez que este a utiliza consciente e deliberadamente para denegrir o bom nome da Empresa e da Administração a terceiros,
D.–Os Recorrentes discordam de que estariam reunidas as provas suficientes para uma boa decisão da causa.
E.–Portanto, repete-se que importaria e se imporia o julgamento para audição e análise da prova testemunhal em confronto com a documental.
F.–O Tribunal “a quo” também não esteve bem ao ter condenados os Recorrentes em litigância de má-fé, tão só querem usar o seu direito legítimo de defesa, não havendo base para aferir o dolo por uso indevido do processo, apenas baseando-se nas alegações do Recorrido.
G.–Pelos documentos juntos, quer na P.I., quer na Contestação, actas e convocatórias, deveria ter sido considerado que o Recorrido tem cabal conhecimento da vida da Empresa,
H.–Atente-se, por exemplo, ao documento 4 junto com a P.I. , onde o Recorrido confessa ter o conhecimento e de ter estado presente nas Assembleias, assim, decisão diversa se impunha.
I.–Não tendo o Tribunal “a quo” fundamentado as provas e factos que concretamente se baseou a sentença está ferida de nulidade ou irregularidade se for este o entendimento.
J.–Nem tão pouco havia elementos junto aos autos para se aferir que os Recorrentes violaram o dever de cooperação, pelo que decisão diversa se impunha.
K.–Tão pouco a título de negligência grosseira poderia ser imputado aos Recorrentes a sua conduta em prevenir o uso abusivo da documentação.
L.–Os Recorrentes agiram com legitimidade na sua pretensão, cujo fundamento é o de pugnar pela sua defesa e direitos.

O Requerente apresentou contra-alegações onde conclui pela existência de prova documental susceptível de formar a convicção de verificação dos factos por ele alegados e não impugnados pelos Requeridos, pelo que a inquirição das testemunhas seria um acto meramente dilatório, referindo ainda que a condenação dos Requeridos como litigantes de má fé está devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito.

O recurso foi correctamente admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.–Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pela recorrente define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, de acordo com as conclusões formulados pelos Recorrentes são estas as questões a resolver:
-(des)necessidade de inquirição das testemunhas arroladas e análise dos respectivos depoimentos em confronto com a prova documental;
-nulidade da sentença na parte em que condena os ora Recorrentes como litigantes de má fé, por falta de fundamentação, bem como verificação dos respectivos pressupostos.

3.–A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
1.–Por carta registada datada de 20/02/2020, com aviso de recepção assinado em 21/02/2020, dirigida aos administradores da 1.ª Ré, o A, invocando o disposto no art. 216º do CSC, solicitou lhe fosse facultada a consulta do livro de actas da sociedade, e cópias, sugerindo para o efeito o dia 5 de Março pelas 15h45 no local indicado na carta – doc 2.
2.–Por carta de 27/02/2020 a administração da Ré acusou a recepção da carta e lamentando informar, respondeu não poder satisfazer o pedido, à luz daquela norma, “por não ter sido prestada qualquer informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa” – doc. 2.
3.–No dia 26/10/2022 e após a realização da Assembleia plasmada na acta junta como documento n.º 1, o A. enviou aos RR., carta registada e email com o seguinte teor:
“Atentas as poucas informações prestadas na Assembleia Geral ocorrida ontem, dia 25.10.2022, bem como o facto de não ter sido convocado para Assembleias Gerais anteriores, que parece terem existido, venho ao abrigo do disposto no art.º 288.º do Código das Sociedades Comerciais, solicitar:
a)- Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, seja, 2016, 2017 e 2018 incluindo os pareceres do conselho fiscal, da comissão de auditoria, do conselho geral e de supervisão ou da comissão para as matérias financeiras, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;
b)- As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos, seja 2016, 2017 e 2018;
c)- Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais;
d)- Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos 5 empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas.
e)- O documento de registo de acções.
Mais vem solicitar que o referido nas alíneas c) e d) seja certificado pelo revisor oficial de contas, bem como que, no prazo de 10 dias lhe seja disponibilizada a consulta pessoal destes documentos na sede social devendo V.ªs Ex.ªs indicar para o email (...)@gmail.com, o dia e hora em que poderei deslocar-me à sede para consulta do solicitado.” – doc. 3 e 4.
4.–A referida carta expedida em 26/10/2022 com aviso de recepção, teve assinatura deste no dia seguinte, 27/10/2022.
5.–A acção deu entrada no dia 11/11/2022. E os Réus juntaram com a contestação:
a.-cópia da acta n.º 8 datada de 07/12/2017, relativa ao exercício de 2015 e 2016[1] bem como a convocatória e lista de presenças;
b.-carta dirigida no dia 05/12/2017 pelo A. à 1.ª Ré solicitando informação sobre falta de rendas visto a existência de propriedades de investimento; o porquê das dívidas de mora; a razão de inventário de 544 mil euros desde 2014; a razão do aumento do passivo de 478 mil euros em 2015 para 458 mil em 2016; o porquê dos prejuízos em 2015 e 2016, e o motivo de haver gastos não havendo rendimentos – doc 2, fls. 25 verso dos autos;
c.-cópia da acta n.º 10 de 19/09/2019, relativa ao exercício de 2018, bem como lista de presenças;
d.-mais juntou modelo 22 do IRC de 2022.
6.–Da acta de 07/12/2017 consta que o conselho de administração em face do requerimento apresentado pelo A.
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