Acórdão nº 2665/19.0T8CSC.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-03-2023
Data de Julgamento | 23 Março 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2665/19.0T8CSC.L1-6 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.
J… intentou contra C… a presente acção declarativa com processo comum alegando, em síntese, que foi casado com a ré e que o casal se divorciou por mútuo consentimento, celebrando posteriormente um contrato promessa de partilha dos bens comuns, mediante o qual a ré prometeu adjudicar o activo e o passivo da relação de bens ao autor, que ficou responsável por todas as despesas relativas ao imóvel que constituía a única verba do activo, sem que houvesse lugar a tornas e com outorga de procuração da ré ao autor para venda do imóvel e comprometendo-se ainda a ré, no caso de não ser possível a venda, a aceitar que o imóvel fosse escriturado em nome do autor, nomeadamente com emissão de procuração para o efeito, mas, não tendo sido possível proceder-se à venda do imóvel no período de três anos após a celebração do referido contrato, as partes avançaram para a segunda parte da promessa, de escriturar o imóvel em nome do autor, furtando-se, porém, a ré à formalização do contrato prometido, nomeadamente recusando-se a assinar a certidão de notificação judicial avulsa promovida pelo autor.
Concluiu pedindo que seja proferida sentença de execução específica que produza os efeitos da declaração negocial em falta pela ré, ou, em alternativa, seja consignada a venda do imóvel, devendo o produto da venda ser proporcional aos valores investidos pelas partes no mesmo.
A ré contestou arguindo a ineptidão da petição inicial, a inexequibilidade da promessa de partilhas, a excepção de não cumprimento do contrato por o autor não ter consignado a sua prestação, a inexistência de mora, a anulabilidade do contrato de partilhas por coação moral e a nulidade do contrato de partilhas por violação da regra da proporção de metade da participação de cada um dos cônjuges do activo e passivo dos bens comuns.
Concluiu pedindo a procedência das excepções e a absolvição do pedido e, caso assim não se entenda, pediu em reconvenção a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 92 945,31 euros correspondente a metade do passivo inscrito na relação de bens.
O autor respondeu, opondo-se às excepções e ao pedido reconvencional.
Foram saneados os autos, tendo sido julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e admitida a reconvenção.
Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedentes as restantes excepções deduzidas na contestação e procedente a acção e julgou improcedente a reconvenção, absolvendo o autor do pedido reconvencional e declarando, em substituição da ré, transmitido em favor do autor, por partilha, o activo e o passivo comum do casal relacionado no contrato promessa de partilha, assim transmitindo ao autor o direito de que a ré era titular, por efeito da comunhão conjugal, sobre o imóvel em causa, bem como transmitido ao autor o respectivo passivo hipotecário.
*
Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
a) Os presentes autos tratam de um contrato-promessa de partilhas, em que a Ré prometeu transmitir ao A. um activo, constituído pela propriedade de um imóvel, e um passivo, constituído por dois créditos bancários contraídos por ambos, enquanto casados, para a aquisição do referido imóvel.
b) A sentença recorrida, sem que exista um prazo fixado contratualmente para o cumprimento da promessa, sem que o A. tenha interpelado a R. para o cumprimento, baseando-se na posição processual desta (que não concretiza em que termos conflui numa declaração de incumprimento), determina o cumprimento de parte da promessa – a transmissão do imóvel – sem cuidar de assegurar o cumprimento da outra parte – a transmissão do passivo.
c) Para tanto, louva-se num Acórdão do S.T.J., segundo o qual «a constituição em mora é efeito necessário da citação do réu para a presente acção, nos termos do n.º 1 do art.º 805.º do CC.», assumindo porém que existe uma assinalável discrepância do caso sub judicio relativamente ao decidido no citado Acórdão: «No caso presente, não foi proferida qualquer declaração desta natureza por parte da ré que tenha ficado a constar da matéria de facto.».
d) E “dá a volta” ao problema, criando a seguinte “solução”, «No entanto, interpretando os articulados, que constituem neste caso verdadeiras declarações negociais sujeitas ao regime de interpretação constante dos art.ºs 236.º e ss. do CC, não subsistem dúvidas de que a ré não pretende e recusa o cumprimento do contrato-promessa de partilha por si subscrito. Tal decorre, desde logo, das excepções que deduziu e que cumpre apreciar a título de factos impeditivos da pretensão em análise, porquanto defende a sua absolvição do pedido com fundamento nas 5 excepções que deduziu e se podem reconduzir a fundamentos da sua recusa ao cumprimento, nunca se tendo, aliás, predisposto a emitir a declaração em falta.».
e) A situação dos autos é ostensivamente diversa daquela que foi tratada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-01-2021, que figura citado na Sentença recorrida, pois ao contrário do que aqui ocorre, no caso relatado em tal Acórdão, o contrato promessa previa um prazo, que uma das partes (em rigor, ambas) não respeitaram (em momentos diversos), e que, nesse enquadramento, determinou uma parte a interpelar a outra, provando-se que o Réu não havia recebido a interpelação para cumprimento do contrato-promessa, sendo certo que se sabia, no entanto, ter existido uma interpelação (o que aqui não ocorre), e tendo sido consignado que o R. «declarou em sede de audiência não pretender emitir a declaração negocial correspondente à celebração do contrato prometido», o que também não é o caso.
f) De facto, resulta da fundamentação da decisão recorrida que «(…) não ficou convencionado qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo» e que «apenas se provou que o autor promoveu a notificação judicial avulsa da ré, a qual não foi conseguida por esta se ter recusado a assinar qualquer documento que a comprometesse.», ou seja, provou-se que o A. promoveu uma notificação judicial avulsa da Ré, para fins que se desconhecem, e desconhecem-se porque o A. não quis que fossem conhecidos, porque lhe bastaria recorrer ao seu arquivo, ou contactar o Agente de Execução que terá efectuado a Notificação Judicial Avulsa, ou requerido dela certidão (ou simples cópia…)…
g) A sentença recorrida, portanto, procura valer-se de jurisprudência sem qualquer ponto de contacto com o caso concreto dos autos, constituindo uma decisão que transcende os factos provados, e reinventa o direito, sendo além do mais uma decisão para além dos fundamentos, na medida em que oblitera o dever de explicitar minimamente em que termos as excepções aduzidas pela R. configuram uma recusa de cumprimento,
h) E na medida em que nem uma palavra é referida na sentença recorrida que permita compreender em que sentido as excepções deduzidas, ou sequer as declarações da Ré, possam corresponder a uma declaração de pretender não cumprir, trata-se de uma conclusão sem premissas, o que vale por dizer, nula, por falta de fundamentação.
i) Tanto mais que, duas das excepções peremptórias apostas à pretensão do A., nada têm a ver com a conduta da Ré, mas sim, com a conduta que, nos termos do próprio contrato, dele A. se exigem, que sejam: a) pretender o autor que este lhe seja transmitido, sem que seja partilhado o passivo, visando locupletar-se com o bem, apenas procedendo, pois, a “meias partilhas”; b) a inexistência de qualquer situação de mora por no contrato não ter sido fixado qualquer prazo, sem que o A. tenha interpelado a R. para o cumprimento.
j) De resto, aquilo que (além das excepções supra referidas) decorre do articulado apresentado pela ré na presente acção, mormente do pedido reconvencional, mas igualmente das suas próprias declarações de parte», é tão só a pretensão de ver resolvida judicialmente, em sede e momento próprio, outras circunstâncias que não a relativa ao prazo de cumprimento da promessa, tais como, entre outras, a respectiva validade.
k) Seja como for, o que está em causa nesta apelação é saber se, apesar de não ter cumprido a promessa, a ré, ora recorrente, está em mora quanto ao cumprimento, questão que é resolvida pelo nº 2 do artigo 777.º do Código Civil, segundo o qual a inexistência de prazo contratual ou legalmente fixado, quando a natureza da obrigação, as circunstâncias ou os usos o imponham, e as partes não se achem em acordo quanto à sua fixação, impõe o recurso do credor ao tribunal, sendo essa precisamente a situação dos autos, que tornava, pois, necessária a fixação de um prazo, por parte do tribunal, para a Ré cumprir a promessa.
l) A sentença recorrida esbarra, ainda, com a circunstância de o direito à execução específica de contrato-promessa só ser possível de ser exercido em situação de mora e não quando já se...
RELATÓRIO.
J… intentou contra C… a presente acção declarativa com processo comum alegando, em síntese, que foi casado com a ré e que o casal se divorciou por mútuo consentimento, celebrando posteriormente um contrato promessa de partilha dos bens comuns, mediante o qual a ré prometeu adjudicar o activo e o passivo da relação de bens ao autor, que ficou responsável por todas as despesas relativas ao imóvel que constituía a única verba do activo, sem que houvesse lugar a tornas e com outorga de procuração da ré ao autor para venda do imóvel e comprometendo-se ainda a ré, no caso de não ser possível a venda, a aceitar que o imóvel fosse escriturado em nome do autor, nomeadamente com emissão de procuração para o efeito, mas, não tendo sido possível proceder-se à venda do imóvel no período de três anos após a celebração do referido contrato, as partes avançaram para a segunda parte da promessa, de escriturar o imóvel em nome do autor, furtando-se, porém, a ré à formalização do contrato prometido, nomeadamente recusando-se a assinar a certidão de notificação judicial avulsa promovida pelo autor.
Concluiu pedindo que seja proferida sentença de execução específica que produza os efeitos da declaração negocial em falta pela ré, ou, em alternativa, seja consignada a venda do imóvel, devendo o produto da venda ser proporcional aos valores investidos pelas partes no mesmo.
A ré contestou arguindo a ineptidão da petição inicial, a inexequibilidade da promessa de partilhas, a excepção de não cumprimento do contrato por o autor não ter consignado a sua prestação, a inexistência de mora, a anulabilidade do contrato de partilhas por coação moral e a nulidade do contrato de partilhas por violação da regra da proporção de metade da participação de cada um dos cônjuges do activo e passivo dos bens comuns.
Concluiu pedindo a procedência das excepções e a absolvição do pedido e, caso assim não se entenda, pediu em reconvenção a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 92 945,31 euros correspondente a metade do passivo inscrito na relação de bens.
O autor respondeu, opondo-se às excepções e ao pedido reconvencional.
Foram saneados os autos, tendo sido julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e admitida a reconvenção.
Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedentes as restantes excepções deduzidas na contestação e procedente a acção e julgou improcedente a reconvenção, absolvendo o autor do pedido reconvencional e declarando, em substituição da ré, transmitido em favor do autor, por partilha, o activo e o passivo comum do casal relacionado no contrato promessa de partilha, assim transmitindo ao autor o direito de que a ré era titular, por efeito da comunhão conjugal, sobre o imóvel em causa, bem como transmitido ao autor o respectivo passivo hipotecário.
*
Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
a) Os presentes autos tratam de um contrato-promessa de partilhas, em que a Ré prometeu transmitir ao A. um activo, constituído pela propriedade de um imóvel, e um passivo, constituído por dois créditos bancários contraídos por ambos, enquanto casados, para a aquisição do referido imóvel.
b) A sentença recorrida, sem que exista um prazo fixado contratualmente para o cumprimento da promessa, sem que o A. tenha interpelado a R. para o cumprimento, baseando-se na posição processual desta (que não concretiza em que termos conflui numa declaração de incumprimento), determina o cumprimento de parte da promessa – a transmissão do imóvel – sem cuidar de assegurar o cumprimento da outra parte – a transmissão do passivo.
c) Para tanto, louva-se num Acórdão do S.T.J., segundo o qual «a constituição em mora é efeito necessário da citação do réu para a presente acção, nos termos do n.º 1 do art.º 805.º do CC.», assumindo porém que existe uma assinalável discrepância do caso sub judicio relativamente ao decidido no citado Acórdão: «No caso presente, não foi proferida qualquer declaração desta natureza por parte da ré que tenha ficado a constar da matéria de facto.».
d) E “dá a volta” ao problema, criando a seguinte “solução”, «No entanto, interpretando os articulados, que constituem neste caso verdadeiras declarações negociais sujeitas ao regime de interpretação constante dos art.ºs 236.º e ss. do CC, não subsistem dúvidas de que a ré não pretende e recusa o cumprimento do contrato-promessa de partilha por si subscrito. Tal decorre, desde logo, das excepções que deduziu e que cumpre apreciar a título de factos impeditivos da pretensão em análise, porquanto defende a sua absolvição do pedido com fundamento nas 5 excepções que deduziu e se podem reconduzir a fundamentos da sua recusa ao cumprimento, nunca se tendo, aliás, predisposto a emitir a declaração em falta.».
e) A situação dos autos é ostensivamente diversa daquela que foi tratada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-01-2021, que figura citado na Sentença recorrida, pois ao contrário do que aqui ocorre, no caso relatado em tal Acórdão, o contrato promessa previa um prazo, que uma das partes (em rigor, ambas) não respeitaram (em momentos diversos), e que, nesse enquadramento, determinou uma parte a interpelar a outra, provando-se que o Réu não havia recebido a interpelação para cumprimento do contrato-promessa, sendo certo que se sabia, no entanto, ter existido uma interpelação (o que aqui não ocorre), e tendo sido consignado que o R. «declarou em sede de audiência não pretender emitir a declaração negocial correspondente à celebração do contrato prometido», o que também não é o caso.
f) De facto, resulta da fundamentação da decisão recorrida que «(…) não ficou convencionado qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo» e que «apenas se provou que o autor promoveu a notificação judicial avulsa da ré, a qual não foi conseguida por esta se ter recusado a assinar qualquer documento que a comprometesse.», ou seja, provou-se que o A. promoveu uma notificação judicial avulsa da Ré, para fins que se desconhecem, e desconhecem-se porque o A. não quis que fossem conhecidos, porque lhe bastaria recorrer ao seu arquivo, ou contactar o Agente de Execução que terá efectuado a Notificação Judicial Avulsa, ou requerido dela certidão (ou simples cópia…)…
g) A sentença recorrida, portanto, procura valer-se de jurisprudência sem qualquer ponto de contacto com o caso concreto dos autos, constituindo uma decisão que transcende os factos provados, e reinventa o direito, sendo além do mais uma decisão para além dos fundamentos, na medida em que oblitera o dever de explicitar minimamente em que termos as excepções aduzidas pela R. configuram uma recusa de cumprimento,
h) E na medida em que nem uma palavra é referida na sentença recorrida que permita compreender em que sentido as excepções deduzidas, ou sequer as declarações da Ré, possam corresponder a uma declaração de pretender não cumprir, trata-se de uma conclusão sem premissas, o que vale por dizer, nula, por falta de fundamentação.
i) Tanto mais que, duas das excepções peremptórias apostas à pretensão do A., nada têm a ver com a conduta da Ré, mas sim, com a conduta que, nos termos do próprio contrato, dele A. se exigem, que sejam: a) pretender o autor que este lhe seja transmitido, sem que seja partilhado o passivo, visando locupletar-se com o bem, apenas procedendo, pois, a “meias partilhas”; b) a inexistência de qualquer situação de mora por no contrato não ter sido fixado qualquer prazo, sem que o A. tenha interpelado a R. para o cumprimento.
j) De resto, aquilo que (além das excepções supra referidas) decorre do articulado apresentado pela ré na presente acção, mormente do pedido reconvencional, mas igualmente das suas próprias declarações de parte», é tão só a pretensão de ver resolvida judicialmente, em sede e momento próprio, outras circunstâncias que não a relativa ao prazo de cumprimento da promessa, tais como, entre outras, a respectiva validade.
k) Seja como for, o que está em causa nesta apelação é saber se, apesar de não ter cumprido a promessa, a ré, ora recorrente, está em mora quanto ao cumprimento, questão que é resolvida pelo nº 2 do artigo 777.º do Código Civil, segundo o qual a inexistência de prazo contratual ou legalmente fixado, quando a natureza da obrigação, as circunstâncias ou os usos o imponham, e as partes não se achem em acordo quanto à sua fixação, impõe o recurso do credor ao tribunal, sendo essa precisamente a situação dos autos, que tornava, pois, necessária a fixação de um prazo, por parte do tribunal, para a Ré cumprir a promessa.
l) A sentença recorrida esbarra, ainda, com a circunstância de o direito à execução específica de contrato-promessa só ser possível de ser exercido em situação de mora e não quando já se...
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