Acórdão nº 2616/21.2T8PDL.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 01-06-2023

Data de Julgamento01 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão2616/21.2T8PDL.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

MGP interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra CRÉDITO AGRÍCOLA VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DOS AÇORES.
Na Petição Inicial, apresentada em 26-11-2021, a Autora peticionou que fosse(m):
a) julgado ter sido ilegalmente declarada pela 1.ª Ré (seguradora) a anulação do contrato de seguro de crédito efetuado pelo irmão da Autora em benefício da 2.ª Ré;
b) condenada a 1.ª Ré a reconhecer a validade daquele contrato e, consequentemente, condená-la a pagar à 2.ª Ré a totalidade do crédito referente ao prémio de seguro à data da morte do irmão da Autora;
c) condenada a 2.ª Ré reconhecer o direito da Autora e, consequentemente, a devolver-lhe todos os montantes referentes às prestações mensais do crédito à habitação segurado, que foram sendo liquidadas pela Autora desde o falecimento do seu irmão até ao pagamento integral do montante que então ainda estiver em dívida;
d) condenadas, solidariamente, ambas as Rés ao pagamento dos juros de mora sobre a totalidade do crédito devido à Autora à data da morte do seu irmão e não pago.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- O seu (falecido) irmão CP - do qual é única e universal herdeira - contraiu um empréstimo para habitação, junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo dos Açores, no montante global de 80.000,00€, tendo contratado um seguro de vida com a 1.ª Ré;
- Informada do óbito de CP, esta Ré (seguradora) recusou-se a cumprir o contrato, invocando a sua anulação por falsas declarações do falecido aquando da celebração do contrato;
- A Autora continua a liquidar as prestações do empréstimo, já tendo pago o total de 5.768,69€.
A 2.ª Ré (Caixa de Crédito Agrícola Mútuo dos Açores) apresentou Contestação, em que se defendeu por exceção dilatória (ilegitimidade processual) e por impugnação.
A 1.ª Ré (Crédito Agrícola Vida, Companhia de Seguros, S.A.) apresentou Contestação, em que se defendeu por exceção perentória - invocando a anulação/ “nulidade do contrato de seguro” celebrado com o falecido CP, por o mesmo ter prestado falsas declarações aquando da respetiva subscrição - e por impugnação.
Notificada para o efeito, a Autora veio, em 08-03-2022, responder às exceções invocadas pelas Rés, pugnando pela improcedência das mesmas.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, em que se considerou improcedente a exceção de ilegitimidade processual da 2.ª Ré, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Em 17-06-2022 foram juntos aos autos documentos requisitados ao Centro de Saúde da Ribeira Grande.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
De seguida, foi proferida a sentença (recorrida) cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Em face do exposto:
1. Declaro a nulidade do contrato de seguro que CP celebrou com a CRÉDITO AGRÍCOLA VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. em 03.05.2018, traduzido na apólice n.º ….
2. Em razão dessa nulidade e pelos efeitos que dela decorrem determino que a CRÉDITO AGRÍCOLA VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. restitua à Autora MGP todos os montantes que por conta dele recebeu a título de prémio e que se apurará em execução de sentença;
3. Absolvo as Rés CRÉDITO AGRÍCOLA VIDA, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DOS AÇORES dos pedidos que contra ela a Autora formulou.
Custas pela Autora.
Registe e notifique.”
Inconformada com esta decisão, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
I. Decidiu o Tribunal “a quo” na, aliás, douta sentença, dar como provado que “aquando da subscrição da adesão ao seguro, CP omitiu, deliberada e intencionalmente, as doenças de que padecia e os tratamentos a que se encontrava submetido” e em consequência declarou a nulidade do contrato de seguro que CP celebrou com a Crédito Agrícola Vida, companhia de seguros S.A, em 3/05/2018, traduzido na apólice n.º ….
II. A razão do inconformismo prende-se essencialmente com o facto do Tribunal “a quo” ter decidido dar como provado que CP omitiu deliberada e intencionalmente as doenças de que padecia ao responder “não” às perguntas sobre: “toma ou tomou alguns medicamentos ou qualquer outro tipo de medicamente com ou sem receita médica? e se “tem ou teve alguma das seguintes doenças ou distúrbios: METABÓLICAS: Diabetes, colesterol, triglicéridos, ácido úrico/gota, bócio, tiróide ou outros distúrbios hormonais”.
III. Acontece que as coisas não aconteceram da forma escorreita como parecem resultar da sentença. Isto porque há, desde logo, uma especificidade da maior importância, que não foi tida em conta pelo Tribunal “a quo”. É que a consulta onde alegadamente a doença foi comunicada ao malogrado CP terá ocorrido a 21/3/2018, sendo o contrato de seguro em crise nos presentes autos outorgado a 3/05/2018. Isto é, menos de dois meses após a já referida alegada consulta.
IV. Deveria, por conseguinte, quer em face da documentação junta aos autos quer da prova testemunhal produzida, mormente as declarações das médicas assistentes do centro de Saúde da Ribeira Grande, o Tribunal “a quo” dissecado com maior acuidade a questão, quanto a nós essencial, que é a da saber se CP omitiu deliberada e intencionalmente as doenças de que padecia.
V. A ante referida intencionalidade constitui um factor basilar para agasalhar a decisão de que ora se recorre. E, adiantamos, desde já, em face da prova produzida o Tribunal “a quo” deveria ter decidido de forma diferente.
VI. Na primeira consulta, que se realizou a 21/3/2018, e onde alegadamente foi CP informado de que padecia de diabetes mellitus tipo 2 foi-lhe proposto uma dieta (no relatório está inscrito “quer fazer dieta”) - ao que tudo indica foi reencaminhado para consulta de nutrição, e só em data posterior à outorga do contrato de seguro teve a ante referida consulta de nutrição e só após veio a verificar-se que a dieta não surtiu os efeitos desejados.
VII. Ficheiro: 2022111409093842_12248393_2870234 aos 23 ´12
Meritíssima Juiz: Há aqui uma consulta de 30 de maio de 2018 que já diz consulta de nutrição inicial,
Médica assistente: é da Dr.ª CE que é nutricionista
Meritíssima juíza: porque vão me lá ver a 21 de março de 2018 se não lhe foi comunicado presencialmente que ele tinha diabetes e que ele queria só fazer dieta. Como é que há uma consulta a 9 de maio de 2018 em que onde não se fala em diabetes
Médica assistente: Porque isto é uma consulta urgente
Meritíssima Juíza: E depois há uma consulta a 30 de maio de 2018 que como me estava a dizer é uma consulta de uma nutricionista.
Médica assistente: eu acredito pelos registos que aqui temos, ou seja, que de março passamos para junho
Meritíssima Juíza: não, para final de maio
Médica assistente: não para junho, é 21/03 a 04/06. São os tais 2 a 3 meses depois da consulta inicial.
VIII. Para o que aqui interessa, que é o de entender que ideia teria CP acerca da sua doença entre 21/3/2018 e 3/5/2018 importa convocar todos os elementos disponíveis. Assim, em primeiro lugar afirmar com toda a certeza que CP, pese embora o diagnóstico que lhe parece ter sido comunicado, após conversa com a médica e em comum acordo decidiu fazer dieta e alterar hábitos de vida de forma a que estes fossem mais saudáveis.
Ficheiro: 202211141038322 12248393 2870234 aos 8´40˝
Mandatário da Ré: recorda-se do que foi falado com o paciente nesta consulta?
Médica estagiaria (DC): Eu recordo-me que a Dr.ª AL explicou o que era o Diabetes e o diagnóstico e recordo-me que é controlável por apenas dieta e ficou acordado com o doente que faria um controlo inicial, através de dieta ou seja cuidados alimentares e de exercício físico etc.
Mandatário da Ré: sem recurso a medicação
Médica estagiária (DC): a fármacos, exactamente.
IX. Atente-se que CP ao que tudo indica não padecia de mais qualquer doença além de que não tinha um dos factores de riscos mais típicos para Diabetes Mellitus Tipo 2, nomeadamente excesso de peso sendo certo que também não era fumador.
Ficheiro: 2022111409093842 12248393 2870234 aos 51´51
Mandatário da Autora: Há aqui uma segunda questão, o diagnóstico que foi feito ao professor foi diabetes tipo, creio que todos aqui somos mais ou menos leigos nesta doença - ouvimo-la imensas vezes, mas eu já ouvi algumas vezes, dizer olha, eu fiz uma dieta ou fiz uma operação, creio que se diz bariátrica, e depois disso reduzi imenso o peso e inclusivamente relativamente a algumas patologias nomeadamente à diabetes deixei de ter de tomar medicamentos.
Médica assistente (Dr.ª AL): pode ser verdade, (...) a dieta muitas das vezes uma dieta consegue resolver isso, mas não consegue sempre. E efectivamente a diabetes tipo 2 é isso. No caso do Professor CP, o Professor CP não era obeso e nesta altura nem sequer tinha excesso de peso, provavelmente o que lhe aconteceu foi a evolução natural da idade fez esta resistência à insulina.
X. Realce-se que qualquer das duas médicas referiram que a dieta e hábitos de vida saudáveis poderiam ser suficientes para o controlo do diabetes tipo 2. Sendo que a Dr.ª AL refere que na sua lista de doentes tem pelos menos 5 que controlam a doença por vida de uma dieta.
XI. Colocados os factos da forma que antecede, que em resumo: CP realizou análises, estas foram-lhe comunicadas em 21/3/2018, da conversa com a médica assistente ficou combinado que faria uma dieta, nada mais clinicamente relevante ocorreu até à outorga do contrato de seguro em crise nos autos (3/5/2018), estaria CP de tal forma convencido ser portador de Diabetes que perante a pergunta do questionário clínico respondeu não, sabendo bem que omitia deliberada e intencionalmente uma doença
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