Acórdão nº 2615/10.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-05-12

Ano2022
Número Acordão2615/10.0BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

N…, S.A. (que incorporou, por fusão, a Z…, S.A., doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 08.02.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto do selo (IS) n.º 2009 6430……….., referente ao exercício de 2007, e a dos respetivos juros compensatórios.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“A) Em discussão nos autos de Impugnação Judicial esteve a pretensão da Recorrente de anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo n.° 2009 643…….., na parte referente a "operações financeiras ” , no montante de € 49.625,03 e, bem assim, os atos de liquidação de juros compensatórios n.º 2009 00…….. a 2009 00001……., no valor de € 84.523,20, na parte correspondente à liquidação de Imposto do Selo referente a "operações financeiras" no valor de € 4.087,14, emitidos com referência ao exercício de 2007, todos praticados pelo Senhor Diretor-geral dos Impostos com fundamento na sua ilegalidade, por, entre outros vícios, desrespeito do previsto na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

B) De acordo com o entendimento da Recorrente, os atos tributários que constituem o objeto dos presentes autos são ilegais designadamente, por força da aplicação da isenção prevista na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

C) Porém, entendeu o Tribunal a quo na Sentença recorrida que, “ Atenta a factualidade assente, verifica-se que, à data dos factos, a impugnante se inseria num Grupo de Sociedades, cuja sociedade dominante era a «Z…, SGPS, S.A.» (...) sendo utilizado por este Grupo um mecanismo de gestão de tesouraria consolidado designado de Cash Pooling, através do qual todas as sociedades nele integradas transferiram, diariamente, para Z…, SGPS, S.A., as suas disponibilidades de tesouraria, sendo que era esta última que as concentrava e decidia o destino a dar aos montantes recebidos, fazendo, designadamente, os diversos tipos de pagamentos necessários pela atividade " (cfr. Pág. 39 da Sentença recorrida).

D) Decidindo, por fim, o Tribunal a quo que: “ (...) a Impugnação judicial deduzida (...) totalmente IMPROCEDENTE, por não provada, e, em consequência, mantém-se os atos impugnados" . (cfr. Pág. 46 da Sentença recorrida).

E) Ora, conforme se deixou exposto, a Recorrente não pode concordar com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

F) A este respeito, importa, desde logo, atender às finalidades desta prática designada de gestão centralizada de tesouraria, que configura um sistema que permite uma gestão dos défices ou excessos de tesouraria ao nível de um grupo de empresas, tendo em vista a rentabilização das disponibilidades de liquidez existentes dentro do próprio grupo.

G) Os contratos de cash pooling, apesar de não regulamentados especificamente na lei portuguesa, são, assim, hoje em dia, uma manifestação típica da tendência crescente para o posicionamento dos agentes económicos em grupo, como solução para os riscos que a intensidade da atividade empresarial moderna acarreta, como estímulo à competitividade e, bem assim, como garantia de continuidade ou perenidade dos negócios explorados.

H) Ao tratar as diversas entidades participantes como se apenas de uma única se tratasse, o cash pooling é um mecanismo que permite a esse conjunto empresarial uma poupança óbvia ao nível dos custos com juros (por comparação com uma situação de gestão individualizada de liquidez).

I) Efetivamente, ao fazer uma otimização da relação entre a rendibilidade e a liquidez (a disponibilidade de recursos), o cash pooling proporciona vantagens materiais nada despiciendas, como a referida diminuição dos juros associados a contas devedoras, quando o saldo global virtual é nulo ou positivo.

J) Neste sentido, é inequívoco que o sistema de cash pooling do Grupo se assume, por definição, como um instrumento de gestão de carências de tesourarias das sociedades que o compõem.

K) Ora tal objetivo - de suprimento de carências de tesouraria - foi exatamente o que motivou a implementação deste mecanismo.

L) Aliás, a própria Sentença recorrida retira essa ilação da prova testemunhal produzida pela RECORRENTE ao incluir no ponto 16) da factualidade assente que:

“ Em 2007, o Grupo de sociedades em que a Impugnante se inseria utilizava um sistema centralizado de tesouraria designado Cash Pooling, decorrente da celebração com a Z…, SGPS, S.A. de um "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria", em virtude do qual, todas as sociedades filhas, numa periodicidade diária, transferiam para a mãe, a Z…, SGPS, S.A., as suas disponibilidades de tesouraria, que as concentrava e fazia os diversos tipos de pagamentos necessários pela atividade (...)". (cf r. Pág. 25 da Sentença recorrida).

M) Pelo que, tais operações de financiamento de curto prazo ocorridas no âmbito do Grupo não podem deixar de ser enquadradas na norma de isenção prevista na alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, quer pela sua natureza, quer pela realidade do caso concreto da Recorrente.

N) Em qualquer caso, no que respeita, em concreto, à prova da existência de carências de tesouraria, importa desde logo notar que o conceito de carências de tesouraria para efeitos da aplicação da isenção ora em apreço não pode ser aferido em função de um “ saldo de caixa negativo ” , nem tão pouco de um saldo médio mensal. Deve antes reconduzir-se, numa ótica mais abrangente e adequada à realidade deste tipo de operações, a entradas de fundos tendo em vista cobrir a diferença negativa entre as necessidades resultantes da atividade da empresa e os recursos necessários para o financiamento da sua atividade operacional, numa base diária.

O) À luz desta realidade, o entendimento e metodologia propostos pela Administração tributária assumem um carácter excessivamente teórico, na medida em que exigem que se verifique um matching perfeito ou bastante próximo da exigibilidade dos ativos e passivos de uma sociedade, sendo este um pressuposto contrário à realidade económica da maioria das empresas a operarem Portugal.

P) Com efeito, ainda que em determinados períodos a entidade a quem os fundos foram concedidos apresentasse saldos positivos, tal constatação não poderia ser impeditiva da conclusão de acordo com a qual existem carências de tesouraria, porquanto tais saldos poderão corresponder a montantes inferiores aos recursos necessários para o financiamento da sua atividade operacional e, bem assim, para a satisfação de necessidades de curto prazo.

Q) A este respeito, e relativamente ao caso concreto da aqui Recorrente, importa, ainda, referir a Sentença proferida no âmbito do Processo de Impugnação Judicial n.° 124/10. 6BELRS, que correu termos junta da l. a Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, e que teve como objeto idêntica situação factual e de Direito referente ao período tributário de 2005.

R) De facto, no referido processo esteve, de igual modo, em discussão o preenchimento do conceito de “carências de tesouraria” para efeitos do disposto na alínea g), do n. °1, do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo.

S) Resulta da Sentença, então, proferida que: "Em síntese, a satisfação das carências de tesouraria das sociedades dominadas constitui uma obrigação das SGPS, razão peia qual a inexistência de fundos próprios de curto prazo disponíveis para fazer face a esses compromissos da SGPS, configurará uma situação de carência de tesouraria relevante para efeitos de aplicação do disposto na alínea g), do n. °1, do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo." .

T) Contudo, e sem prescindir de todo o exposto, sempre se dirá que, caso fosse de aceitar a fórmula das carências de tesouraria tendo por base os balanços mensais - o que não se aceita tendo em conta os motivos amplamente expostos -, o montante de imposto total liquidado mostra-se superior ao que seria, efetivamente, devido em consequência da sua aplicação à situação concreta da Recorrente, nomeadamente pela existência de meses cujo saldo final corresponde a uma carência de tesouraria e que levaria o imposto devido fosse apenas no montante de €40.430,37, considerando a fórmula da Administração tributária tendo presente a consistência dos dados utilizados, ou ainda € 16.913,64, considerando a fórmula da Administração tributária mas apenas nos meses em que não existe carências.

U) Por fim, e sendo certo que neste caso ficou inequivocamente provada a existência de carências de tesouraria, importa ainda fazer uma referência à alteração, constante da Lei do Orçamento de Estado para 2020, que se concretiza na nova redação da alínea h) do Imposto do Selo.

V) Com efeito, através da referida alteração, o legislador veio clarificar a aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo às operações efetuadas ao abrigo de contratos de gestão de tesouraria, num contexto de grupo, suprimindo a referência ao conceito de carências de tesouraria.

W) Neste sentido, a nova alínea h) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo determina a isenção de Imposto do Selo aos: "Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo."

X) Com esta alteração - que pressupõe a manutenção da alínea g) do n.° 1 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, cuja aplicabilidade se discute nos presentes autos -, atenta a Doutrina e jurisprudência sobre esta matéria, parece-nos que o legislador veio clarificar o alcance de uma isenção genericamente aplicável a operações financeiras, nesta parte referente à realidade dos contratos de gestão de tesouraria, no âmbito da qual a referência às carências de tesouraria...

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