Acórdão nº 2613/20.5T8CSC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-22

Ano2024
Número Acordão2613/20.5T8CSC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
.- Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
instaurou a presente ação de divórcio sem consentimento contra …, pedindo que, pela sua procedência, fosse decretado o divórcio sem consentimento de ambos entre si, com efeitos a retroagir a … de 2019.
Para tanto, e em síntese, alegou que Autora e Réu casaram entre si, sem convenção antenupcial, em …, sendo que, desse casamento, nasceram os filhos … e …, respetivamente, em … e em …
O Réu, em 2011, isolou, à sua revelia, uma das divisões da casa de morada de família, proibindo o acesso à mesma de qualquer pessoa que não ele, na qual passou grande parte do dia e da noite, ausente do convívio com a família.
Em 2017 passou a dormir nessa divisão, sendo que as férias e os fins de semana eram passados em separado, com a Autora e os filhos de um lado e o Réu noutro lado, mantendo este em paralelo uma vida desconhecida.
Permanecia, também, fora de casa muito tempo, sem dar à Autora conta de com quem e onde se encontrava, sendo que, durantes as férias escolares, fins de semana e até durante os dias da semana, não fazia esforço para participar na vida dos filhos.
Em janeiro de 2019, cessou a atividade profissional na empresa onde trabalhava, tendo recebido uma indemnização por ter trabalhado mais de 25 anos ao serviço da empresa, mas, questionado por si para informar do paradeiro da indemnização, referiu-lhe que o dinheiro era dele e que não tinha de dar contas do mesmo.
Entretanto, em 2013, constituíra uma sociedade unipessoal, mas desse facto só teve conhecimento fortuito em 2019 através do Réu, o qual, porém, não lhe transmitiu quaisquer pormenores relacionados com a sua atividade.
Em abril de 2019, o Réu comunicou-lhe que conhecera uma outra pessoa por quem se apaixonara, solicitando-lhe uma declaração escrita que confirmasse a fase adiantada da separação do casal, para ser apresentada a tal pessoa.
Desde então, e embora continuando a residir com os filhos na casa de morada de família, decidiram ambos fazer vidas separadas, pelo que, a partir de abril/maio de 2019, cada um passou a dormir no seu quarto, cozinhando a Autora para si e para os filhos e o Réu para ele.
A partir de então, também decidiram consultar, cada um deles, o seu advogado a fim de diligenciarem pela obtenção do divórcio e tratar das questões relacionadas com ele, começando a relação entre ambos a ficar tensa e sem diálogo.
No verão de 2019, o Réu comprometeu-se a sair de casa e passar a residir noutro local, mas não o fez, o que a levou a, em novembro de 2019, deixar a moradia onde viviam e a acolher-se, com os filhos, em casa de pessoa amiga.
Desde novembro de 2019, o Réu via esporadicamente os filhos e não organizava convívios com eles, sendo que, em 24 de maio de 2020, quando a Autora e os filhos se deslocaram à casa de família para recuperarem pertences de todos, depararam-se com o facto de a fechadura da porta principal ter sido substituída e, apesar de o Réu se encontrar em casa, não lhes abriu a porta, escudando-se em motivos de segurança decorrentes da pandemia.
O Réu jamais falou consigo ou pretendeu indagar sobre a sua situação habitacional depois de a mesma ter deixado de residir na casa de morada de família e nunca lhe forneceu qualquer informação sobre questões atinentes ao património comum, sendo que, relativamente ao IRS de 2019, fez a entrega da declaração correspondente como “separado de facto”.
Conclui, em face do exposto, haver fundamento para o divórcio sem consentimento, nos termos do disposto no art.º 1781.º, alínea c) do Código Civil, com retroação dos seus efeitos, nos termos do art.º 1789.º, n.º 2 do mesmo código, à data da separação de facto, que deveria ser fixada em 30 de abril de 2019, data que acordaram levar as suas vidas separadas, apesar de residirem na mesma casa.
*
Realizada e frustrada a tentativa de conciliação entre Autora e Réu, apresentou este, notificado para o efeito, a sua contestação, concluindo por que fosse fixada a data da separação de facto em conformidade com o nela alegado e, consequentemente, decretado o divórcio de ambos entre si, retroagindo os efeitos patrimoniais do mesmo à data da separação de facto.
Assim, começou por negar que tivesse alterado o seu comportamento a partir de 2011 e por justificar a razão pela qual decidiu fazer de uma das divisões da casa de morada de família o seu escritório.
Acrescentou que, a partir daquele ano, foi a Autora quem começou a afastar-se cada vez mais de si, adotando posturas e comportamentos no sentido do seu afastamento dos filhos e criando conflitos à noite que, prejudicando o sono de ambos, fez com que decidisse passar a dormir, transitoriamente, noutra divisão, acabando a Autora por determinar que essa situação se tornasse definitiva.
Negou, também, que fizesse uma vida paralela e que não prestasse à Autora informações sobre o património comum de ambos, sendo que, em abril de 2019, já ambos estavam numa situação de separação de facto, não fazendo vida comum sob todas as vertentes da vida conjugal, apesar de residirem na mesma casa.
Em novembro de 2019, a Autora abandonou a casa de morada de família para residir com outra pessoa, como marido e mulher, sendo que, antes de o fazer, já passava vários fins de semana fora, sem o justificar.
Negando qualquer conduta de afastamento dos filhos e impugnando os demais factos que, na petição inicial lhe foram imputados pela Autora, concluiu que desde, pelo menos, 2017 e, portanto, muito antes de 2019, havia separação de facto entre o casal, o que basta para que, nos termos do art.º 1781.º, alínea a) do Código Civil seja decretado o divórcio e, fixando-se a data da separação, se determine a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data correspondente.
*
Realizada a audiência prévia, foi proferido:
.- despacho a fixar em €30.000,01 o valor da causa;
.- despacho saneador tabelar; e
.- despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, o que não mereceu reclamação das partes.
*
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando procedente a ação e, consequentemente:
i.- decretando o divórcio entre a Autora e o Réu e declarando dissolvido o casamento e cessadas as relações pessoais de ambos entre si;
ii.- fixando, para os efeitos previstos no art.º 1789.º, n.º 2 do Código Civil, como início da separação de facto entre os cônjuges, o dia 30 de abril de 2017, retroagindo os efeitos patrimoniais do divórcio a essa data.
*
Inconformado com esta decisão, dela veio a Autora interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:

“1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença de fls., de 19.11.2022, que fixou a data da separação de facto entre os cônjuges no dia 30 de Abril de 2017 quando, na realidade, deve ser fixada no dia 30 de Abril de 2019, retroagindo os efeitos patrimoniais do divórcio a essa data.
2. A sentença recorrida refere que a Autora “num volte-face, totalmente inesperado” veio no decorrer do julgamento alterar a versão de que a separação de facto ocorreu em 2017 e não em 2019 “porquanto, pensa que o marido, aqui R., teria antes desse ano recebido uma indemnização por parte da sua Entidade Empregadora, indemnização essa que a aqui A., pretende que seja incluída nos bens comuns a partilhar”, concluindo estarmos perante “uma verdadeira situação de “venire contra factum proprium” da Autora.
3. Sucede que, salvo o devido respeito, não se aceitam tais conclusões do Tribunal a quo, por totalmente infundadas e, até, tendenciosas, pois que, basta atentar no pedido da Petição Inicial para concluir que a Autora pediu que o Tribunal decretasse o divórcio com efeitos a retroagir a 30 de Abril de 2019 (e não 2017), precisamente por ser essa a data em que ocorreu a separação de facto entre os cônjuges.
4. A Autora sempre alegou que a separação de facto ocorreu em Abril de 2019, tendo as partes passado a fazer vidas separadas não obstante continuarem a viver na mesma casa até Novembro desse ano (cfr. artigos 34.º e 36.º da PI), portanto, não houve nenhum volte-face por parte da Autora.
5. Aliás, mal se compreende a postura da Meritíssima Juiz na audiência de 6 de Outubro de 2022 (gravação 20221006135436_4386882_2871339 – minuto 3:17 a 3:32), quando afirma que tem muitas dificuldades em entender que não há acordo das Partes relativamente à data da separação de facto, quando foi precisamente a Meritíssima Juiz que, anteriormente, inseriu nos temas da prova: “1 - Data em que deixaram de fazer vida conjugal” e foi a Meritíssima Juiz que, anteriormente, afirmou que “temos na PI e na Contestação invocação de datas diferentes” (sublinhado nosso) - (audiência de 6 de Abril de 2022 - cfr. Gravação 20211125154727_4386882_2871339 – minuto 5:11 a 5:25).
6. Ora, esta parcialidade da Meritíssima Juiz resultou numa decisão tendenciosa contra a Autora, arbitrária e sem qualquer abrigo na prova constante dos autos, pelo que, cumpre corrigi-la.
7. Em primeiro lugar, quanto ao facto de o Réu dormir no escritório, sempre se diga que tal já ocorria antes de 2017, conforme o próprio indica no artigo 23.º da Contestação que decidiu passar a dormir, transitoriamente, noutra divisão, não retirando que a partir daí se deu a ruptura definitiva do casal ou que nunca mais dormiu com a Autora, além das declarações do Réu (ficheiro 20221006144204_4386882_2871339, minuto 1:58 a 2:19), em que afirma que deixou o quarto definitivamente em Abril de 2017 mas “já tinha vindo bastante de trás” não dormir no quarto.
8. Não obstante, o Réu admite que nunca retirou os seus pertences do quarto do casal, nele mantendo toda a sua roupa e continuando a usar a casa de banho do casal (cfr. ficheiro 20221006144204_4386882_2871339, minuto 2:20
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT