Acórdão nº 25893/21.4T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-28

Ano2023
Número Acordão25893/21.4T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A… intentou a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra B… Não Vida – Companhia de Seguros, S.A. peticionando a condenação desta última no pagamento da quantia de €46.244,64, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, ter celebrado com a R., em 2016, um contrato de seguro multirriscos habitação para o prédio sito em Tavira, do qual é proprietário, no âmbito do qual se encontravam cobertos, entre outros, os danos provenientes de incêndio.
Sucede que, em novembro de 2020 deflagrou um incêndio no anexo destinado à casa das máquinas da piscina, do qual resultaram danos, o que foi devidamente participado à segurador R..
Não obstante, após ter sido levada a cabo uma peritagem e ter sido reconhecida a existência de danos decorrentes de tal incêndio, a R. eximiu-se da responsabilidade pelos danos computados até ao montante do capital seguro, porquanto o locado estava afeto, à data da ocorrência do evento, à atividade de alojamento local e o contrato de seguro apenas se destinava a garantir bens imóveis afetos a uma utilização exclusivamente habitacional.
Pese embora o A. confirme tal facto, considera que a exploração de estabelecimento de alojamento local não configura uma circunstância superveniente que se traduza num agravamento do risco de incêndio em relação ao que já decorria da anterior utilização do bem seguro, não aumentando a probabilidade do sinistro ou a intensidade do mesmo. Não se verificando, também, uma relação de causalidade entre tal facto omitido e a ocorrência do sinistro. Pelo que, considera ser a R. responsável pelos danos no imóvel decorrentes do referido incêndio, que quantifica na quantia peticionada.
Citada a R. contestou, excecionando a anulabilidade da apólice de seguro por não ter o A., aquando da celebração do contrato, indicado que no locado se desenvolvia uma atividade de alojamento local, o que determinaria a não contratação da apólice em causa.
Referiu, ainda, que, mesmo que a atividade de alojamento local se iniciasse em momento posterior à contratação, sempre estaria o A. incumbido de comunicar tal facto à R. por comportar um agravamento do risco seguro, o que o A. não fez.
De todo o modo, no caso de o Tribunal assim não entender, a R. impugnou os danos e respetiva quantificação, tal como apresentados pelo A., referindo que nunca poderá ser responsabilizada pelo pagamento de um montante indemnizatório superior ao que resultou da peritagem realizada.
Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, com fixação do valor da causa, do objeto do litígio e dos temas de prova, estabilizando-se os requerimentos de prova que foram admitidos.
Designada audiência final, após a produção da prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de €19.022,34, acrescida de IVA à taxa legal e juros vencidos e vincendos à taxa de 4% contabilizados desde 9/11/2021 até efetivo e integral pagamento.
É desta sentença que a R. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1. Salvo melhor entendimento, a douta Sentença proferida, denota um erro notório na apreciação da prova, pois perante todos os elementos constantes dos autos, fez uma incorreta interpretação dos preceitos jurídicos a aplicar ao caso em concreto.
2. Efetivamente, atenta a documentação carreada aos autos, em sede de Contestação, entende a aqui Recorrente, salvo o devido respeito, que a decisão levada a cabo pelo douto Tribunal não faz uma leitura conjugada dos elementos probatórios que instruem os presentes autos, conduzindo a uma decisão injusta e desfasada da realidade efetivamente apurada.
3. Assim, a ora Recorrente considera que, atento o Contrato de Seguro em discussão nos presentes autos, e bem assim, a demais prova documental que os instrui, outra decisão se impunha, o que relevaria para o correto enquadramento do sinistro participado nas coberturas de seguro contratadas, o que, salvo o devido respeito, que é muito, ficou aquém da análise que se lhe impunha.
4. Desde logo, entende a ora Recorrente que a matéria dada como não provada nos pontos a) e b) foi incorretamente apreciada, a qual conduziu a uma decisão injusta e incoerente com a factualidade efetivamente levada e discutida no processo.
5. São, nomeadamente, estes pontos que a ora Recorrente considera incorretamente julgados, na medida em que, dos elementos probatórios constantes nos presentes autos, não é possível, salvo o devido respeito, concluir pela procedência do entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo.
6. Na verdade, entende a ora Recorrente que não poderão ser dados como não provados os factos supra reproduzidos, dada a realidade evidenciada pelo teor da apólice junta aos autos, o que comportaria, no seu entender, uma análise e desfecho totalmente diferente do que veio a ser considerado pelo douto Tribunal a quo.
7. Pelo que, o ponto a) e b) dos factos dados como não provados deveria passar a constar do leque de factos provados.
8. Por outro lado, a ora Recorrente entende que o douto Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos factos dados como provados, nomeadamente os factos 9 e 10, o que implicaria, no seu entender, uma decisão diversa daquela que veio a ser tomada pelo douto Tribunal a quo.
9. Isto porque, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, foi possível contar com o depoimento da testemunha R…A… e R…S…, gestores que acompanharam o sinistro em discussão nos presentes autos, e que contribuíram com os seus conhecimentos para o apuramento da verdade, tendo efetuado uma análise pormenorizada do Contrato de Seguro celebrado e, bem assim, da gestão do presente sinistro.
10. Ressalve-se que os depoimentos das testemunhas supratranscritos acabam por revestir uma importância extrema para a decisão a proferir; porém, não foi tida em conta, e com a relevância que merecia e como devia (i) a explicação quanto ao facto de a ora Ré, aqui Recorrente, não celebrar contratos nem comercializar produtos para a cobertura de riscos comerciais e, consequentemente, (ii) a conclusão de que a ora Recorrente não teria celebrado com o ora Autor o Contrato de Seguro aqui em discussão caso tivesse tomado conhecimento do fim a que se destinava o imóvel seguro.
11. De facto, do depoimento das referidas testemunhas, resulta evidente que a aqui Recorrente nunca teria celebrado o Contrato de Seguro aqui em discussão caso tivesse tomado conhecimento, previamente, que o edifício se destinaria à atividade de Alojamento Local!
12. Aliás, conforme decorre, a título de exemplo, do depoimento do gestor R…A…, a Recorrente não celebra contratos com risco comercial, sendo que, em situações similares, a aqui Recorrente não assume qualquer responsabilidade com base no mesmo argumento.
13. Conforme explicitado pelas testemunhas, são as áreas técnicas das Seguradoras que determinam os riscos e os pressupostos que permitem, ou não, a contratação de determinadas situações; se a Seguradora, por razões técnicas, entende que existem diferenças entre um risco puro habitacional e o risco de um alojamento local, o que deverá prevalecer é a análise técnica da Seguradora.
14. Nesta senda, caso a ora Recorrente tivesse sido contactada para a contratação da apólice aqui em discussão (ARRUMOS), não a teria celebrado nos termos em que o foi, uma vez que o destino dado ao local de risco seguro naquela apólice não se destina, nem nunca se destinará, a fins exclusivamente habitacionais.
15. Assim, a ora Recorrente entende, desde logo, que a douta decisão recorrida peca por parca nos argumentos utilizados, desconsiderando o teor de depoimentos com relevância para a descoberta da verdade material e que não poderiam ter sido ignorados, até porque os depoimentos corroboram, na íntegra, a documentação carreada para os autos, mormente as condições particulares da apólice, pelo que deverá a douta sentença ser substituída por outra que venha a dar como provados os pontos a) e b) da matéria dada como não provada.
16. Salvo o devido respeito, note-se, então, que o douto Tribunal a quo parece não ter descortinado devidamente os depoimentos testemunhais prestados, assim como o objeto contratual em discussão.
17. Resultou evidente que o objeto dos presentes contratos é o imóvel e edifícios adjacentes, destinados a habitação própria permanente, tendo ficado evidente, da prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, que o imóvel seguro tinha um uso comercial, situação esta que não foi devidamente comunicada à aqui Recorrente, conforme decorre dos pontos 9 e 10 dados como factos provados, pelo que, diga-se desde já, que o douto Tribunal a quo fez uma interpretação errada destes factos dados como provados.
18. A este respeito não logrou, no entender da ora Recorrente, o Tribunal a quo atentar ao conteúdo e teor das Condições Gerais do Seguro, oportunamente juntas com a douta Contestação, e, bem assim, a toda a alegação carreada aos autos pela ora Recorrente.
19. Neste sentido, ressalve-se que estamos perante Contrato de Seguro do ramo multirriscos habitação (e não comercial), que cobre os riscos de Edifício, pelo que o objeto dos presentes contratos é o imóvel e edifícios adjacentes, destinados a habitação própria permanente, conforme decorre das Condições Gerais do Seguro oportunamente juntas em sede de Contestação.
20. Pelo que, o bem seguro, nos termos das referidas Condições Particulares, é um contrato do ramo Multirriscos Habitação, pelo que garante, apenas e tão só, o EDIFÍCIO destinado, exclusivamente, a habitação própria permanente (veja-se, neste sentido, as condições particulares juntas com a douta
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