Acórdão nº 2565/23.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14-09-2023
Data de Julgamento | 14 Setembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2565/23.0T8GMR.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:
*
I- RELATÓRIOAA e mulher, BB, residentes em ..., Residence ..., França, instauraram, em 09 de maio de 2021, a presente ação especial de insolvência, pedindo que fossem declarados insolventes.
Para tanto alegaram, em síntese, serem devedores dos elencos das obrigações vencidas que discriminam, cujo valor ascende à quantia global de cerca de 206.000,00 euros, as quais foram constituídas no exercício da sua atividade comercial de exploração de um estabelecimento comercial sito em ....
Os requerentes trabalham atualmente em França por conta de outrem, onde auferem o salário mínimo nacional francês, no montante de cerca de 1.400,00 euros brutos mensais cada.
Detêm património em Portugal e são herdeiros das heranças abertas por óbito de CC e DD, cujo património é composto, entre o mais, por prédios rústicos e urbanos sitos no concelho ....
O património dos requerentes sito em Portugal tem um valor de mercado não superior a 8.000,00 euros, sendo insuficiente, inclusive em conjunto com os rendimentos mensais que auferem, para satisfazer todas as suas obrigações vencidas.
Por despacho de 12/05/2023 a 1ª Instância determinou que, nos termos do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, se observasse o contraditório em relação aos requerentes perante a circunstância de, situando-se o domicílio destes em França, o presente processo de insolvência carecer de correr termos como processo particular de insolvência, com as especialidades consagradas no art. 295º do CIRE.
Entretanto, com fundamento de que tomara conhecimento da instauração do presente processo de insolvência, por requerimento entrado em juízo em 25/05/2023, invocando a sua qualidade de credora em relação aos requerentes, A...– Sociedade Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., União de Freguesias ..., ... e ..., ..., suscitou, além do mais, a exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pelos requerentes na petição inicial, alegando, em suma que, no ano de 2019, os requerentes instauraram ação especial de insolvência em que se apresentaram à insolvência, a qual correu termos sob o n.º 1269/19...., do Juízo de Comércio ..., Juiz ..., onde, por despacho transitado em julgado foi decretada a absolvição da instância dos aí devedores dos requerentes em resultado da procedência da exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida aí delineada pelos aí e aqui requerentes.
Mais alegou que a A... instaurou ação contra os aqui requerentes, que correu termos com o n.º 1665/23...., pelo Juízo Central Cível ..., Juiz ..., onde pediu que fosse declarada a nulidade do contrato de compra e venda e mútuo celebrado pelos aqui e ali requerentes em 17/11/2016, tendo por objeto o prédio urbano descrito na matriz sob o art. ...42º da União de Freguesias ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06/..., com fundamento em venda de coisa alheia e onde, por decisão de 11/04/2012, esse contrato foi declarado nulo com fundamento em simulação absoluta.
Alegou que os requerentes se apresentam agora novamente à insolvência com o único propósito de prejudicarem a A..., na medida em que esta é beneficiaria da penhora, já efetuada, sobre o identificado prédio para satisfação dos créditos que detém sobre os mesmos e, bem assim que, conforme resulta da petição inicial, os requerentes trabalham atualmente em França, para onde, desde o ano de 2013, transferiram definitivamente a sua residência, atividade e vida, e onde permanecem desde então.
Os requerentes trabalham por conta própria, onde auferem o salário mínimo francês, no valor mensal de 1.645,58 euros brutos (e não o alegado de 1.400,00 euros mensais).
São titulares do património que identificam na petição inicial e do prédio urbano acima identificado, em virtude da declaração, por simulação absoluta, da venda que celebraram em 11/04/2012.
Antes de transferirem a sua residência para França, os requerentes residiam no Lugar ..., ..., onde exerceram a sua atividade profissional.
Conclui que o principal centro de interesses dos requerentes localiza-se atualmente, e desde 2013, em França, pelo que são os tribunais franceses os internacionalmente competentes para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pelos requerentes na petição inicial.
Observado o contraditório, os requerentes AA e BB responderam à exceção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais portugueses suscitada pela A..., concluindo pela respetiva improcedência, confirmando terem, no ano de 2019, instaurado ação junto dos tribunais portugueses em que se apresentaram à insolvência, não tendo esse pedido sido apreciado em consequência da procedência da exceção de incompetência internacional do tribunal.
Acontece que, desde então não foi, e não é, possível aos requerentes abrirem, em França, junto dos tribunais franceses, processo de insolvência, dado que, de acordo com o regime jurídico francês apenas podem ser instaurados em França processos de insolvência, de recuperação judicial ou de liquidação judicial contra pessoas que exerçam uma atividade comercial ou artesanal, agricultor, pessoa singular que exerça uma atividade profissional independente, incluindo profissão liberal sujeita a um estatuto legal ou regulamentar ou cujo titular seja protegido, bem como contra qualquer pessoa coletiva de direito privado, mas não contra trabalhadores por conta de outrem, como é o caso dos requerentes.
Daí que, não tendo os mesmos se apresentado à insolvência em França, em cujo território se situa o centro dos seus interesses principais, em virtude das condições estabelecidas na lei francesa, o seu direito de se apresentarem à insolvência não lhes possa ser coartado, impondo-se concluir pela competência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem do presente processo de insolvência, o qual apenas tem por objeto os bens situados no território português e tem por finalidade a liquidação desse património, presente e futuro, sito em Portugal e, bem assim, a repartição do produto da liquidação desse património por todos os credores dos requerentes.
Por decisão proferida em 16/06/2021, a 1ª Instância conheceu da exceção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pelos requerentes na petição inicial, julgando-a procedente e, em consequência, absolveu os devedores daqueles da instância, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Deste modo este Tribunal novamente declara-se incompetente internacionalmente para conhecer da insolvência dos devedores requerentes.
Custas pelos requerentes”.
Inconformados com o decidido, os requerentes AA e BB interpuseram o presente recurso de apelação em que formulam as conclusões que se seguem:~
i.- O caso julgado formal não interessa, de todo, para o efeito da exceção do caso julgado.
ii.- O caso julgado formal, verificado na anterior ação, não interessa para o efeito da exceção do caso julgado, e mostra-se – deve mostrar-se – de todo indiferente, nesta ação, para apreciação da competência do internacional dos tribunais portugueses.
iii.- O Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29 de maio, convocado pelo Tribunal «a quo» para resolver a questão, foi revogado pelo Regulamento (UE) n.º 2015/848 do PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativo aos processos de insolvência (cfr., artigos 84.º e 91.º deste diploma), que entrou em vigor em 26 de junho de 2017.
iv.- O Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29 de maio, e o Regulamento (UE) n.º 2015/848 do PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativo aos processos de insolvência (doravante, REGULAMENTO), são inaplicáveis à presente causa.
v. Afastada a aplicabilidade do REGULAMENTO, é apodítico que o critério do «centro dos interesses principais», ao qual lançou mão o Tribunal «a quo», não deve ser tido em conta para efeito de apreciação da competência internacional dos tribunais português, devendo antes ser considerado o contido no artigo 62.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 294.º, n.º 2, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
vi.- Ora, como invocado na sua petição, não é possível aos Recorrentes abrir um processo de insolvência em França, posto que a jurisdição francesa não reconhece, em abstrato, o direito carecido de tutela, na medida em que apenas permite a aplicação do regime de insolvência às pessoas que exerçam uma atividade comercial ou artesanal, qualquer agricultor, qualquer outra pessoa singular que exerça uma atividade profissional independente, incluindo uma profissão liberal sujeita a um estatuto legal ou regulamentar, ou cujo título seja protegido, bem como qualquer pessoa coletiva de direito privado, podem ser objeto de um processo de salvaguarda (procédure de sauvegarde), de recuperação judicial (procédure de redressement judiciaire) ou de liquidação judicial (procédure de liquidation judiciaire) – cfr., documento junto com o ato com a referência eletrónica ...45.
vi.- A impossibilidade de aplicação, em França, do regime de insolvência a «não comerciantes», como o caso dos Recorrentes (estes ficam apenas sujeitos ao regime das execuções individuais), consiste num sistema desde há muito praticado naquele país, sendo amplamente conhecido e notório.
vii.- Por outro lado, e de acordo com elementos relevantes a considerar, os quais são, reforce-se, incontroversos, dúvidas não há que entre o objeto do presente litígio e a ordem jurídica portuguesa existem elementos ponderosos de conexão, pessoais e reais, destacando-se:
a) a circunstância de a lei pessoal comum aos Requerentes e aos...
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