Acórdão nº 2556/18.2T8FNC-B.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 04-07-2023

Data de Julgamento04 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão2556/18.2T8FNC-B.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Por sentença de 15/05/2018, já transitada em julgado, foi AP declarada insolvente.

Pelos credores CA e marido MC, nos termos previstos pelo artigo 188.º do CIRE, foi requerida a qualificação da insolvência como culposa.
Fundamentaram o seu requerimento nos seguintes moldes: a devedora apresentou-se à insolvência sem qualquer activo e apresentando um passivo de 21.201,84€, dos quais 19.994,84€ corresponde ao crédito dos aqui requerentes. Para além do rendimento que aufere como enfermeira (no valor de 1.372,84€, não obstante ter sido inicialmente indicado um valor inferior) refere pagar 400€ a título de renda de casa, sendo que o arrendamento é referente a imóvel pertencente ao seu ex-marido (alegadamente desempregado), do qual nunca se separou e que com ela reside (sendo que, para além de não ter sido junto qualquer recibo de renda, este último paga uma prestação bancária de apenas 350,57€).
Mais referiram que, não obstante a devedora ter subscrito empréstimos da sociedade T…, Lda (entretanto insolvente), da qual era sócia gerente, e dos quais os aqui credores foram avalistas (resultando o seu crédito do incumprimento de tais contratos de mútuo), a mesma admite ter recebido dessa sociedade material desportivo por conta de suprimentos efectuados (que vendeu através da internet).
Nos dois anos anteriores à data do presente processo de insolvência, a devedora: a) vendeu o apartamento de que era proprietária por um valor inferior ao seu valor comercial e real (sendo que, a prestação bancária que pagava ao banco era inferior à que refere agora pagar a título de renda); b) omitiu o fim dado ao recheio da sua habitação; c) vendeu à ex-sogra (a qual se enquadra na al. b) do n.º 1 do artigo 49.º) o veículo de que também era proprietária e que continua na sua posse. Tais vendas foram simuladas ou ruinosas, tendo visado apenas impedir o ressarcimento dos credores.

Em 11/07/2018, foi proferido despacho a declarar aberto o incidente de qualificação.

Pelo Administrador de Insolvência (AI) foi apresentado o competente parecer, propondo a qualificação da insolvência como culposa, nos termos previstos pelo artigo 186.º, n.º 2, als. b) e d).
Delimitando o hiato temporal a considerar como sendo o decorrido entre 09/05/2015 e 09/05/2018, refere ter ficado demonstrado que, “em Março de 2017 e em Novembro de 2017, a insolvente alienou um bem móvel sujeito a registo e um bem imóvel que integravam o seu património, respectivamente, o primeiro deles um automóvel que foi vendido à mãe do ex-marido, embora se trate do actual companheiro da devedora, em casa de quem, aliás, a mesma vive em comunhão de leito e mesa.
E, em face da factualidade que considera ter ficado apurada[1], defende:
“(…) - os Factos 3 e 4 não podem deixar de ser inseridos na previsão da alínea b), uma vez que tal arrendamento – o qual, aliás, se duvida que corresponda à realidade, pois além de não se terem localizado nos autos quaisquer comprovativos do pagamento das alegadas rendas, a experiência do homem médio ensina que é invulgar que a companheira pague renda ao companheiro pelo imóvel onde habitam em economia comum … - caso exista, causa agravamento artificial da situação patrimonial da devedora, na medida em que aumentou as despesas fixas que esta teria de suportar durante o período de cessão e pode ter induzido o Tribunal em erro, o qual, ao fixar o rendimento indisponível da insolvente em €1.100,00 mensais, terá contabilizado tal encargo de €400,00; // - os Factos 5, 6, 7 e 8 incluem-se na alínea d), do artigo em causa, que enuncia como causa de insolvência culposa o facto da devedora ter disposto dos seus bens em proveito pessoal ou de terceiros, já que foi exactamente isso que sucedeu ao ter desviado um automóvel para a esfera jurídica duma pessoa especialmente relacionada com a insolvente, a mãe do companheiro, a que acresce a venda do apartamento, em Novembro de 2017, por preço que excedeu em menos de 20% o valor patrimonial tributário do mesmo, sendo certo que tais negócios de compra e venda foram celebrados em 2017, pelo que, assim, também fica observado o último requisito exigido pelo artigo 186º, nº 1, do C.I.R.E.; // Assim, é forçoso concluir que (i) tais negócios foram efectuados com a intenção de esvaziar a garantia dos credores constituída pelo património da insolvente perante a iminência daqueles poderem fazer valer os direitos que lhes assistem e (ii) foram praticados, dolosamente, dentro do período de três anos estabelecido pela lei. // Daí resulta que a factualidade aduzida se inclui em duas das alíneas do artigo 186º, nº 2, do C.I.R.E., razão pela qual não pode ser afastada a culpa nesta insolvência, existindo, igualmente, nexo de causalidade entre a conduta da insolvente e a criação ou agravamento da situação de insolvência.”

Pelo Ministério Público foi junto parecer pelo qual defendeu a qualificação da insolvência como culposa, nos termos previstos pelo artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), e com as consequências decorrentes do artigo 189.º.
Elencou como factualidade a seguinte: “1 - A devedora AP apresentou-se à insolvência em 10/05/2018 a qual foi declarada por sentença proferida em 15/05/2018. // 2 - A AC de credores foi realizada no dia 20/06/2018 tendo sido aprovado a liquidação condicional sendo que o administrador substituto no requerimento de fls 122, propôs o encerramento do processo “com fundamento em insuficiência da massa insolvente” //3 – No relatório a que se refere o art.º 155º do CIRE junto a fls 39, mostram-se identificados os credores. // Caixa Económica Montepio Geral… €63.685,09 // CA e marido MC €19.994,84 // 4 - A insolvente foi casada com RL, (…), o qual é filho de LG, (…) // 5 – Apesar de divorciada, a insolvente continuou a residir com o ex-marido com o qual participou em várias sociedades e de cuja participação resultaram dívidas. // 6 – Decidida a apresentar-se à insolvência, face à pressão que vinha sofrendo dos credores, a devedora começou por se desfazer dos bens registados em seu nome, o que fez do seguinte modo: // 7 – Sendo proprietária da viatura XXX, em 07/03/2017 colocou a viatura em nome da mãe do ex-marido, LG, (..) // 8 – Sendo proprietária da fracção autónoma AH (…) a qual havia adquirido em 2008 por €71.000,00 (…), vendeu-a em 30/11/2017 por €65.000,00 a MG, (…) 9 – A insolvente mesmo depois do divórcio, continuou a residir com o ex-marido na rua XXX no Caniço, em prédio de que ele era o proprietário, (…) // 10 – Porém, para fazer constar despesas e reduzir os seus rendimentos mensais no requerimento de apresentação à insolvência, forjou com ele um contrato de arrendamento para o local onde ambos residiam e sempre residiram com os filhos, tendo-lhe aposto a data de 15/7/6016 e renda pelo valor mensal de €400,000,00, (…) // 11 – Tal contrato é forjado dadas as condições em que vivia o casal mas também porque como decorre de fls 13 a 14 vº, os contratos de prestação de serviços para tal local, estão celebrados em nome do ex-conjuge.”
E, concluiu: “Os factos supra descritos indiciam fortemente que o estado de insolvência em que a devedora caiu, foi voluntariamente causado por ela que de todo o património se desfez para evitar que o mesmo fosse liquidado em benefício dos credores, resultado que obteve posto nenhuns bens lhe terem sido apreendidos.”

Notificada, veio a insolvente deduzir oposição, tendo pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.
Alegou, para tanto: “(…) 7.º // Os credores CA e MC insistem, nas suas alegações (…), numa alegada estratégia preparada pelo casal para que as dívidas fossem todas imputadas à insolvente, e o (suposto) património do casal ficasse «salvaguardado» na esfera do seu companheiro. // 8.º // Ora, tal tese, não só é falsa, como foi já comprovadamente resolvida e esclarecida na sentença proferida nos autos de embargos da insolvência que correram termos sob o apenso n.º 2556/18.2T8FNC-A, entretanto já transitada em julgado. // (…) 12.º // É igualmente invocado pelos credores CA e MC e sufragado nos respetivos pareceres, que a insolvente desfez-se do património que tinha, pouco tempo antes de se apresentar à insolvência, com o intuito de defraudar os seus credores. // 13.º // Na realidade e conforme também já resulta comprovado na sentença proferida no apenso de embargos de insolvência n.º 2556/18.2T8FNC-A, a insolvente foi forçada a alienar os únicos bens que tinha (um imóvel e uma viatura automóvel) uma vez que, por um lado, já não tinha capacidade financeira para suportar o pagamento da prestação mensal decorrente do respetivo crédito a habitação. // 14.º // E em relação à viatura automóvel, vendeu-a à avó paterna (LG) dos seus filhos como forma de lhe pagar os diversos empréstimos de baixo montante que esta lhe concedeu, inclusive, para comprar a sobredita viatura. // 15.º // Acresce ainda que, a respetiva viatura tinha à data da sua alienação um valor comercial de cerca de 1.000,00€ (mil euros), valor este inexpressivo perante o cenário geral de endividamento que a insolvente apresentava. // 16.º // Refira-se, também, que o imóvel em questão foi alienado por um montante muito aproximado da dívida bancária que a insolvente tinha junto da entidade bancária/credora hipotecária. // 17.º // Dito isto, torna-se evidente que com os atos praticados, a insolvente limitou-se a pagar as suas dívidas, à custa do parco património que à data ainda detinha, reduzindo, dessa forma, o montante do seu endividamento. // 18.º // Agiu, pois, com boa fé e na medida do que lhe era legalmente exigível, perante a situação financeira difícil em que se encontrava e com respeito pelos seus credores. // 19.º // O seu atual companheiro esteve, como está presentemente, numa situação de desemprego. // 20.º // A insolvente continua a viver no imóvel pertencente ao seu
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