Acórdão nº 2553/21.0T8GMR.G3 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19-01-2023
Data de Julgamento | 19 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2553/21.0T8GMR.G3 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.
*
ACÓRDÃOI - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., em ..., ..., e contra CC, residente na Rua ..., ... ..., em ..., ..., pedindo que os Réus fossem solidariamente condenados
· a reconhecerem que ele próprio realizou benfeitorias necessárias e úteis, não passíveis de levantamento sem detrimento do prédio delas objecto, no valor global de € 252.012,00;
· a reconhecerem que lhe assiste o direito de receber deles um crédito por ter realizado as ditas benfeitorias, no mesmo valor global de € 252.012,00, segundo as regras do enriquecimento sem causa;
· e a reconhecerem que lhe assiste o direito de retenção sobre o prédio onde foram realizadas as ditas benfeitorias, até pontual, efectivo e integral pagamento da quantia de € 252.012,00.
Alegou para o efeito, em síntese, serem os Réus (BB e CC) comproprietários de um prédio (que melhor identificou), parte do qual destinado a habitação e outra a escritório; e, sendo seus pais e estando divorciados entre si, ser actual intenção dos mesmos procederem à partilha dos bens comuns.
Mais alegou que os Réus (BB e CC) lhe comodataram, por tempo indeterminado, parte do dito prédio, inicialmente o seu ... andar e, mais recentemente e em substituição daquele espaço, o ..., nele exercendo ele próprio a sua profissão de advogado; e que, com autorização e conhecimento dos Réus, cedeu, temporária e precariamente, o seu uso à Sociedade de Advogados que entretanto constituiu.
Alegou ainda que, na vigência dos sucessivos comodatos, realizou uma série de significativas intervenções no imóvel (que discriminou), autorizadas pelos Réus (BB e CC), despendendo para o efeito € 252.012,00; e que as benfeitorias assim realizadas foram necessárias ou úteis, não podendo ser levantadas sem detrimento do imóvel, influenciando significativamente o seu valor de mercado, de € 350.000,00.
Por fim, o Autor (AA) alegou que os Réus (BB e CC) não se entendem quanto ao montante concreto das benfeitorias em causa e não anuem ao seu reconhecimento extrajudicial, pese embora ainda não lhe tenham pedido a devolução do imóvel sobre o qual foram realizadas, e ele próprio não pretenda ser de imediato indemnizado do crédito que aqui invoca.
1.1.2. Pessoal e regularmente citados, os Réus (BB e CC) não apresentaram contestação.
1.1.3. Foi proferido despacho, considerando confessados os factos articulados pelo Autor (AA).
1.1.4. Apenas o Autor (AA) alegou por escrito, concluindo pela integral procedência da acção (reiterando para o efeito o já expendido na sua petição inicial).
1.1.5. Foi proferida sentença, julgando verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir e, em consequência, absolvendo os Réus (BB e CC) da instância.
1.1.6. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus contra-alegaram Os Réus, nas contra-alegações que apresentaram, pediram singelamente que o Tribunal ad quem «julgue a acção procedente ou improcedente conforme o que foi de Lei e que não “atire o assunto para canto” como fez a douta sentença, deixando o assunto por resolver na totalidade»., foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 20 de Janeiro de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, declarando «nula a sentença recorrida, por consubstanciar uma decisão-surpresa, devendo o Tribunal a quo anunciar às partes a possibilidade de vir a considerar verificada nos autos a excepção dilatória de falta de interesse em agir do Autor, convidando-as a exercer o respectivo direito de contraditório sobre esse seu possível entendimento, prosseguindo depois a acção os seus normais termos».
1.1.7. Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual inexistência de interesse em agir por parte do Autor (AA).
Quer este, quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo a existência de um inequívoco conflito entre eles; e, por isso, verificado nos autos o interesse em agir do Autor (AA).
1.1.8. Foi proferido novo despacho, convidando os Réus (BB e CC) a melhor precisarem o teor da pronúncia antes feita, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«Na sequência do despacho de fls. 73, vêm os RR sustentar que, existe de facto e de direito um conflito entre estes e o Autor. Afirmam agora que não negam a existência das obras e o valor com estas o autor despendeu, mas não aceitam que as ditas obras lhe confiram qualquer direito a benfeitorias ou direito de retenção.
Todavia, facto é que não deduziram contestação, da qual resulte a alegação de factos ou a invocação de qualquer instituto jurídico adequado a pôr em causa os direitos de que o autor se arroga titular e que os RR dizem que põem em causa.
Assim, convido os RR a, no prazo de 5 dias, esclarecer o aparente paradoxo da sua posição, sob pena do tribunal continuar a entender que inexiste qualquer litígio real entre as partes e que a ação deverá ter uma qualquer outra insondável finalidade».
1.1.9. Os Réus (BB e CC) esclareceram então não terem contestado a realização das obras invocadas pelo Autor (AA), e o seu valor, por saberem que essa sua alegação corresponde à verdade; e, tendo mais filhos, que não querem prejudicar face ao Autor, recusarem definitivamente o reconhecimento extrajudicial de quaisquer direitos que decorram para ele daqueles factos.
1.1.10. Foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciar-se sobre o eventual e futuro juízo de uso (por elas) anormal do processo, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Em suma, pondera o tribunal concluir pela existência de conluio entre as partes, na vertente de simulação ou fraude processual, criando as partes a aparência de um litígio inexistente, para obter sentença cujo efeito querem apenas relativamente a terceiros (os demais filhos dos RR), enganando estes, criando a aparência de um putativo direito de crédito, que querem ver reconhecido, com a chancela do tribunal, atitude processual por via da qual pretendem esconder uma óbvia
(…)»
1.1.11. Quer o Autor (AA), quer os Réus (BB e CC), vieram pronunciar-se, defendendo inexistir qualquer conluio entre eles para fazerem um uso anormal do processo, requerendo ainda a realização de uma perícia, que documentasse a existência das obras referidas pelo Autor e o seu valor.
Nas mesmas e respectivas pronúncias, o Autor (AA) requereu a «modificação/ampliação do pedido para que sejam ambos os RR. solidariamente e expressamente condenados a pagarem ao A. a quantia peticionada na p.i.», modificação/ampliação que os Réus (BB e CC) «declararam aceitar»; e por despacho foi deferida esta pretensão, lendo-se no mesmo que «quanto à pretendida ampliação/modificação do pedido e causa de pedir, admite-se a mesma nos termos do art. 264º do CPC».
1.1.12. Foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Ora, das circunstâncias acima descritas, analisadas à luz de critérios de normalidade e experiência comum, formou-se na mente deste tribunal a firme convicção de que as partes, com a presente ação, mais não pretendem que, de conluio, prejudicar o futuro quinhão hereditário dos demais filhos dos RR, pelo que, em face da norma prevista no art. 612º do CPC, se impõe, declarando improcedente a ação, obstar a tal fim.
II - Decisão
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a ação, absolvendo os RR do pedido contra eles formulado.
(…)»
1.1.13. Tendo o Autor (AA) interposto recurso de apelação desta decisão, onde os Réus (BB e CC) não contra-alegaram, foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, em 30 de Junho de 2022, julgando-o procedente; e, em consequência, revogando «a sentença recorrida, ordenando o prosseguimento dos normais termos da acção».
1.1.14. Devolvidos os autos à 1.ª Instância, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus (BB e CC) do pedido formulado contra eles, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Para que se possa falar em enriquecimento sem causa é, assim, necessário que se verifique: um enriquecimento ou vantagem patrimonial para determinada esfera jurídica; um empobrecimento ou dano na esfera jurídica de outrem; a falta de causa do enriquecimento, nos termos acima referidos; a existência de um nexo entre o enriquecimento e o empobrecimento, nos termos do qual se possa afirmar que aquele foi obtido à custa deste.
Na verdade, se é certo que temos por assente - na base da falta de contestação dos Réus - que, no período compreendido entre 1998 e 2018, o autor (filho dos réus) realizou obras no imóvel pertencente aos réus, ainda que se tenha apurado o custo das obras realizadas, não se apurou, quanto às obras que o autor qualifica como benfeitorias úteis, a medida da vantagem efetiva para a valorização do imóvel.
Por outro lado, no que respeita ao pedido de condenação dos réus ao pagamento do custo das benfeitorias, não podemos olvidar que o prédio foi comodatado ao autor, sendo certo que o autor não terá pago qualquer importância pela utilização do prédio, ao longo daquele mesmo período, prédio esse cujo valor de mercado ascende a 350 000,00 euros.
Ora, não se tendo apurado a medida da valorização efetiva do prédio, nas benfeitorias úteis, nem qual o valor locativo do prédio, não pode o tribunal concluir pela existência de enriquecimento dos réus, consubstanciado na valorização do imóvel comodatado em valor correspondente ao das...
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