Acórdão nº 254/21.9T8ALM-A.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-17

Ano2022
Número Acordão254/21.9T8ALM-A.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-GGN instaurou acção declarativa, com processo comum, contra OJP, pedindo a condenação da ré no pagamento de 77 847,50€ com vista a ser indemnizado pelos danos causados na fracção autónoma de que é proprietário, decorrentes de infiltração de água alegadamente proveniente da fracção autónoma propriedade da ré.
2- Citada, a ré contestou.
Na contestação deduziu incidente de intervenção principal da seguradora Liberty Seguros – Companhia de Seguros e Resseguros, SA.
Alegou, em síntese, que celebrou com a mencionada seguradora contrato de seguro de danos causados a terceiros pela fracção autónoma de que é proprietária, titulado pela apólice n.º …; invoca o disposto no artº 140º nºs 2 e 3 da Lei do Contrato de Seguro, dizendo que o autor tinha conhecimento da existência desse contrato de seguro e, inclusivamente, houve negociações directamente entre ambos com vista à regularização do sinistro.
3- O autor respondeu ao incidente de intervenção principal da seguradora, dizendo nada ter a opor à intervenção principal solicitada.
4- A 1ª instância, por despacho de 20/09/2021, julgou improcedente o incidente de intervenção principal da seguradora.
5- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A – A Recorrente considera que na douta decisão judicial que julgou improcedente o incidente de intervenção principal provocada não foi feita uma correta interpretação de determinados preceitos legais.
B – No incidente deduzido pela Recorrente, veio a mesma invocar que celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros e que os prejuízos que o A. reclama na presente ação, se encontram preenchidos pela cobertura do contrato de seguro ora celebrado, tendo a Seguradora um interesse direto em ser chamada a intervir nos autos.
C – No caso dos presentes autos, o A. tinha conhecimento da existência do contrato de seguro, tendo existido negociações entre o A. e a Seguradora, conforme consta dos arts. 56º, 57º e 58º da PI e Docs. 4 e 5, pelo que, e de acordo com o art. 140º, nº 2 e 3 do RJCS, a Seguradora poderia ter sido diretamente ser demandada, bem como, o A. poderia ter demandado, em conjunto, a Recorrente com a seguradora.
D - O A. não demandou a Seguradora, contudo, e atendendo ao espírito da norma, a Recorrente (segurada) poderia provocar a intervenção da Seguradora, já que o legislador pretendeu com o art. 140º do RJCS que a Seguradora tivesse, no âmbito das mencionadas ações em que existe um contrato de seguro facultativo, um papel principal, igual ao do segurado.
E – Se o lesado pode demandar segurado e seguradora, configurando tal demanda em litisconsórcio voluntário, necessariamente, também deve o segurado poder chamar a seguradora a intervir, nessa mesma posição.
F - Uma vez que, e conforme acima se demonstrou, a lei e a própria natureza do contrato de seguro, estabelecem o litisconsórcio voluntário entre a Recorrente e a Seguradora, o incidente de intervenção principal provocada tinha que ser admitido, de acordo com o art. 316º, nº 3 do Cód. do Proc. Civil.
G – Ademais, o contrato de seguro apresenta uma natureza de contrato a favor de terceiro (art. 444º CC), pois que a seguradora celebrou um contrato, através do qual se obrigou a garantir um terceiro beneficiário até certa quantia, assumindo, por isso, uma obrigação para com o lesado. (vide Ac. TRG, de 9.7.2015, proc. nº 4077/14.3TBBRG-A.G1 )
H - Por força do contrato de seguro, ainda que estejamos apenas perante uma obrigação, na verdade, o lesado pode exigir a mesma tanto a seguradora, como o segurado, pois que, os mesmos são solidariamente responsáveis perante o lesado e, assim, admite-se expressamente que seja deduzido o incidente de intervenção principal provocada, conforme consta do art. 317º do Cód. do Proc. Civil.
I - Por outro lado, e por mera cautela processual, sempre se dirá que, ainda que o Tribunal a quo tenha considerado que apenas estariam verificados os pressupostos da intervenção acessória, jurisprudência é unânime em referir que, então, o Tribunal deveria oficiosamente convolar para incidente de intervenção acessória. (Cfr. Ac. TRG, 4.10.2018, proc. nº 7288/16.3T8GMR-D.G1 e Ac. TRL, de 24.10.2019, proc. nº 4063/18.4T8LRA-A.L1-2)
J - No incidente deduzido pela Recorrente, esta mencionou todos os requisitos necessários para que se pudesse convolar em incidente de intervenção acessória, nomeadamente, invocou que celebrou um contrato de seguro, que os danos que o A. reclama se encontram no âmbito da cobertura do contrato de seguro e que tem um interesse na demanda da Seguradora, pois que, estando os danos cobertos pelo contrato de seguro, poderá ser exigido da Seguradora o pagamento dos mesmos, através de uma ação de regresso.
K - Estavam, assim, preenchidos todos os pressupostos, e invocados os mesmos pela Recorrente, do incidente de intervenção acessória, pelo que, houve, admitindo a segunda tese aqui defendida no presente recurso, erro na qualificação do meio processual, sendo que, e de acordo com o artigo 193º, nº 3 do Cód. do Proc. Civil., é o mesmo corrigido oficiosamente pelo juiz.
L - Assim, e considerando-se que no caso em apreço não se encontravam reunidos os pressupostos para a intervenção principal, deveria o Tribunal a quo ter convolado o incidente para incidente de intervenção acessória provocada.
M – Assim, ao decidir nos termos em que decidiu, o douto despacho violou o disposto nos artigos 316º, nº 3, 317º, 321º e 193º, nº 3, todos do Cód. do Proc. Civil.
Nestes termos, deve julgar-se o presente recurso procedente, revogando-se o douto despacho recorrido.
6- Não foram apresentadas contra-alegações.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações, caso as haja, em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa apreciar e decidir:
-Se há fundamento para revogar a decisão recorrida em termos de determinar a intervenção principal da seguradora ou, subsidiariamente, ordenar a intervenção acessória dessa seguradora.
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2- Circunstâncias Factuais Relevantes.
Com relevância para a apreciação da questão sob recurso, importa ter presente que o autor alegou que:
1º-a) - A “…ré ficou de tomar as providências devidas, designadamente a comunicação ao seguro…” (ponto 52º da p.i.);
1º-b) - “…O autor recebeu em tempos a visita de um perito…” (ponto 55º da p.i.);
1º-c) - “…Na sequência dessa visita, o autor tentou o contacto com a seguradora para ter notícias do andamento do processo…” (ponto 56º da p.i.);
Alem disso, resulta dos documentos juntos que:
2º- Pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 048/….. – Protecção Condomínio, celebrado entre a administração do condomínio do edifício em propriedade horizontal, sito na Av. General …e a seguradora L Seguros, foram seguras, entre outras, a fracção autónoma correspondente ao 4-C, propriedade do ora autor e, a fracção correspondente ao 5-C, propriedade da ora ré.
3º- Por email de 26/07/2019, do autor para a seguradora L Seguros, fez ele referência à recepção do email da seguradora, de 08/07/2019 - em que esta comunica que não assume a obrigação de indemnizar os danos na fracção do autor – discordando daquela decisão da seguradora e insistindo que a causa dos danos na sua fracção teve origem na ruptura de canalização na fracção autónoma da ré (5-C).
4º- Por email de 30/01/2020, da gestora de sinistros da L Seguros para o autor, foi comunicado que não enquadram o sinistro na apólice;
5º- Por email de 26/03/2020, da seguradora L Seguros “A…” (empresa do autor) foi comunicado que mantém a posição anterior de não assumir a responsabilidade pela regularização do sinistro;
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3- A Questão enunciada: se há fundamento para determinar a intervenção principal da seguradora ou, subsidiariamente, para ordenar a intervenção acessória dessa seguradora.
A apelante funda a sua pretensão de revogação da decisão - que julgou improcedente o incidente de intervenção principal da seguradora – invocando o regime previsto no artº 140º nº 3 do DL 72/2008, relativa ao regime do contrato de seguro (LCS), dizendo que, como o próprio autor reconhece, ela informou-o da existência do contrato de seguro e que houve negociações directas entre o autor e a seguradora. Pugna pela determinação da intervenção principal da seguradora.
Será assim?
Vejamos.
Antes de mais, importa ter presente o que estabelecem os artºs 146º e 140º do DL 72/2008 (LCS).
Assim, o artº 146º nº 1 da LCS, enuncia que:
1-O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.”
Este normativo,
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