Acórdão nº 25386/10.5YYLSB-K.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-10-27

Ano2022
Número Acordão25386/10.5YYLSB-K.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.RELATÓRIO.


Nos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, em que é Exequente o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO SITO NA AVENIDA …, …, LISBOA, e é Executada BONAG – PROJETO, CONSULTADORIA E GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS, SA., em 07.07.2017 o Senhor Agente de Execução determinou proceder à venda mediante leilão eletrónico da fração autónoma penhorada designada pelas letras «CO», correspondente a um estabelecimento comercial destinado a bar piscina, sito no piso zero do prédio urbano em regime de propriedade horizontal localizado na Rua …, … a …-I, Edifício C... - A..., Lugar ..., descrito na 1.ª CRP de C____ com o n.º … da freguesia de C____ e inscrito na matriz sob o art.º … da União de freguesias de C____-E____, consignando que o valor base cifrava-se em €76.677,28 e que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor base.
O leilão eletrónico decorreu entre 20.10.2017 e 20.12 seguinte sem que tenha havido proponente, sendo que, entretanto, foi determinada a venda do imóvel penhorado por negociação particular, pelo valor de €27.500,00.
Em 23.02.2018, a Health Village, Lda., apresentou proposta de compra do referido imóvel pelo valor de €27.500,00.
Por despacho judicial de 01.03.2018 foi autorizada a venda do imóvel em causa por aquele valor.
Em 24.04.2018 a Executada requereu a anulação de todos os procedimentos de venda, o que foi judicialmente indeferido por decisão datada de 30.01.2019.
Inconformada, a Executada recorreu daquela última decisão, a qual foi confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 28.05.2019 (Apenso H).

Entretanto, a Health Village, Lda., desistiu da compra do imóvel penhorado e em 12.09.2019 a IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS apresentou proposta de compra do referido imóvel pelo valor de €27.500,00, sendo que na mesma data, em 12.09.2019, o Senhor Agente de Execução decidiu aceitar tal proposta, constando do citius, com referência àquela data, no processo de execução a que os presentes autos estão apensos, quer tal proposta de compra apresentada pela Igreja Universal do Reino de Deus, quer a referida decisão do Agente de Execução.
Também em 12.09.2019, o Senhor Agente de Execução enviou à Executada uma «notificação», fazendo referência a dois «documentos anexos» e concedendo-lhe o prazo de 10 dias para «pronunciar-se», «na qualidade de Executado da decisão do Agente de Execução», sendo que tal «notificação» não vinha acompanhada de qualquer anexo.
Em 24.09.2019 a Executada informou o Senhor Agente de Execução «que não recebeu os 2 documentos anexos indicados na referida notificação», termos em que requereu que fosse notificada dos mesmos.

Em 10.10.2019, a Executada dirigiu ao Juiz de Direito titular do processo requerimento do seguinte teor:
«Tendo em atenção que o Agente de Execução dos autos ainda não procedeu à notificação da Executada da decisão que tomou no dia 12/09/2019, apesar da solicitação que a mesma lhe enviou por comunicação de 24/09/2019, a Executada consultou os autos e constatou que aquele aceitou a proposta da Igreja Universal do Reino de Deus, para aquisição do Bar-Piscina, pelo valor de 27.500,00 €.
Face ao exposto, vem requerer a V. Excia. que notifique o Agente de Execução para notificar a Executada da referida decisão.
Apesar disso e desde já, a Executada vem reclamar e apresentar a sua oposição à decisão do Agente de Execução dos autos, com os seguintes fundamentos:
O valor proposto é muito inferior ao valor patrimonial da fração em causa;
O Bar-Piscina encontra-se integrado num empreendimento de apartamentos turísticos que se encontra em obras de reabilitação e melhoramentos, resultando na atual e substancial valorização de todas as suas frações;
Por estes motivos, a venda da fração deve ser publicitada no site do E-Leilões, de modo a ser possível ser vendida por um valor justo e adequado.
Assim requer-se a V. Excia. que não autorize a venda dos autos».

Em 30.10.2019 a Igreja Universal do Reino de Deus adquiriu, por escritura de compra e venda, o referido imóvel penhorado.
Em 12.11.2019 a Executada veio «arguir a nulidade da venda do imóvel penhorado (…) ao abrigo do artigo 199.º do CPC», por o «Agente de Execução» não ter notificado «a Executada da decisão de venda» e por esta ter sido «realizada sem aguardar a resposta (…) à reclamação apresentada sobre a decisão de venda», «factos que consubstanciam a omissão de um acto ou formalismo que a lei prescreve e a prática de um acto que a lei não admite», termos em que requereu ao Tribunal recorrido que se «decida dar sem efeito a venda» em causa.

Relativamente àquele último requerimento, em 03.03.2020, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:
«(…)
Resulta dos autos que tendo o Sr. AE decidido aceitar uma proposta de venda, decidiu pela aceitação da mesma, sem ter da mesma notificado a executada, o que omitiu mesmo após tal notificação lhe ter sido expressamente solicitada pela Executada.
Mais resulta dos autos que, tendo a executada tomado conhecimento da decisão sobre a venda (modalidade, valor e adquirente), e que à mesma se opôs mediante requerimento junto aos autos, o Sr. AE procedeu à concretização da venda, não tendo aguardado que sobre a reclamação deduzida fosse proferida decisão, nem tendo solicitado a respetiva apreciação ao Tribunal.—
Ora, desde logo, quanto à obrigatoriedade da notificação às partes da decisão cuja notificação se omitiu, não deixa dúvidas o estipulado nos números 1 e 6 do artigo 812.º do CPC.
Por outro lado, não deixa dúvidas a possibilidade legal de a decisão em causa ser sindicável por via de reclamação nos termos do n.º 7 do aludido normativo legal.
Referiu o Sr. AE que não faria qualquer sentido submeter a proposta para apreciação quando a mesma proposta já tinha sido autorizado e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Porém e desde logo, nem compete ao Sr. AE superar os critérios legais que a lei fornece quanto às notificações às partes dos atos processuais de acordo com o seu juízo do que faz sentido ou não, nem o douto acórdão da Relação de Lisboa a que o mesmo alude – apenas fazendo caso julgado formal sobre a questão concreta sobre a qual decidiu e que é anterior ao processado posto em causa pela executada na arguição de nulidade – legitimou o Sr. AE a dispensar as notificações legais, bem como a concretizar uma venda sem que aguardasse que a decisão sobre a mesma – e em relação às quais tinham as partes o direito de se pronunciar – se consolidasse pela resolução da matéria da reclamação que sobre a mesma incidiu.
E refira-se ainda, nessa decorrência, que contrariamente ao que refere o Sr. AE, o acórdão em causa não autorizou nem confirmou (de todo) a proposta que o mesmo veio aceitar (sendo inclusive anterior a tal proposta e aceitação…). Estamos assim perante uma nulidade traduzida quer na prática de um ato que a lei não admite (concretização da venda sem que a reclamação que sobre a mesma incidiu tivesse decidia pelo Tribunal), quer na omissão de uma formalidade que a lei prescreveu, consistente na omissão das notificações da decisão da venda.
Tal irregularidade mostra-se suscetível de influir no exame e decisão da causa, porquanto, na eventualidade de procedência da reclamação apresentada, a venda não seria realizada nos termos em que o foi, inclusive por valor ainda insuficiente para a quantia exequenda.
Acresce que tal irregularidade não se mostra suprida pela apresentação da nota discriminativa às partes e da ausência de reclamação da mesma pela executada porquanto, tendo esta arguido a nulidade em data anterior, não lhe era exigível nova reclamação sobre a nota discriminativa.-
Assim sendo, impõe-se julgar procedente a arguição de nulidade e, nessa sequência, em face do disposto no artigo 195.º, n.º 1 e 2 do CPC, anula-se o ato da venda do imóvel identificado nos requerimentos epigrafados, bem como dos atos subsequentes a esse ato relacionados com a venda do imóvel em questão.--
Custas pelo Sr. Agente de Execução.--
Notifique.—»

Em 02.04.2020, a Adquirente Igreja Universal do Reino de Deus pediu que fosse associada aos autos de execução «via CITIUS, a título de interveniente acidental».

Por despacho de 11.05.2020, tal pedido foi deferido «para efeitos de consulta».

Em 17.06.2020 a Adquirente Igreja Universal do Reino de Deus recorreu da referida decisão de 03.03.2020, apresentando as seguintes conclusões:
«a)-Nos presentes autos de processo executivo, foi decidido proceder à venda do imóvel correspondente à fração autónoma “CO” do Edifício C...-A..., penhorado à ordem do processo, mediante leilão eletrónico com início em 20.10.2017 até 20.12.2017.
(b)-Tal leilão frustrou-se por falta de propostas, tendo as partes sido notificadas, em 22.12.2017 de tal deserção e, consequentemente, da colocação do imóvel à venda por negociação particular.
(c)-Em 26.02.2018, foram as partes notificadas de decisão do Agente de Execução de venda do imóvel pelo valor de € 27.500,00, à proponente HEALTH VILLAGE, LDA.
(d)-Tal decisão foi autorizada pelo Tribunal a quo, por despacho proferido em 01.03.2018, com fundamento no lapso temporal decorrido desde o início do processo, na ausência de propostas e na desvalorização do imóvel.
(e)-A Executada reclamou de tal decisão, em 24.04.2018, pugnando pela nulidade da venda judicial em função do valor adjudicado à proponente.
(f)-O Tribunal indeferiu tal reclamação, por despacho de 30.01.2019, por intempestividade e falta de fundamento da mesma.
(g)-Inconformada, a Executada recorreu de tal despacho de indeferimento para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual não deu provimento ao recurso, tendo confirmado a decisão do Tribunal recorrido, por acórdão proferido em 28.05.19, e julgando válida a venda pelo valor adjudicado de € 27.500,00.
(h)-A primitiva proponente desistiu da venda
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