Acórdão nº 2536/15.0T8STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 04-05-2022

Data de Julgamento04 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão2536/15.0T8STS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 2536/15.0T8STS.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Apelante (insolvente): AA.
Juízo de comércio de Vila Nova de Gaia (lugar de provimento de Juiz 4) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
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Na petição em que se apresentou à insolvência alegou o apelante ter um passivo de montante não inferior a 84.537,00€ (oitenta e quatro mil quinhentos e trinta e sete euros), identificando como seus três maiores credores o Banco 1..., SA, com um crédito no valor de, pelo menos, 43.328,34€ (quarenta e três mil trezentos e vinte e oito euros e trinta e quatro cêntimos), a Autoridade Tributária (Direcção Geral dos Impostos), com um crédito no valor de 23.000,00€ (duzentos e dois mil seiscentos e oitenta euros) e G..., SA, que adquiriu, por cessão, o crédito que sobre si tinha Unicre, no valor de, pelo menos, 18.139,31€ (dezoito mil cento e trinta e nove euros e trinta e um cêntimos).
Declarada a insolvência do apresentante, foi em 3/11/2015 (no decurso de assembleia de apreciação do relatório, nos termos do art. 155º do CIRE, na qual estavam presentes o devedor e seu mandatário) proferido despacho de liminar de admissão do pedido de exoneração do passivo restante que formulara ao apresentar-se àquela, decidindo-se (além do mais que não releva à economia da apelação – e sendo certo que tais decisões forma no acto notificadas aos presentes):
- o encerramento do processo, nos termos do nº 2 do art. 233º do CIRE,
- que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que viesse a auferir fosse pelo insolvente entregue à fiduciária, então nomeada,
- fixar o rendimento indisponível (o montante necessário ao sustento digno do insolvente) em um salário mínimo nacional, mais determinado iniciar-se nessa data o prazo aludido no nº 2 do art. 239º do CIRE (o período de cessão).
Em 16/01/2018 a fiduciária apresentou relatório (art. 240º, nº 2 do CIRE) relativo aos períodos de Dezembro de 2015 a Novembro de 2016 e de Dezembro de 2016 a Novembro de 2017, informando que o insolvente, auferindo pensão de reforma que no ano de 2015 ascendeu a 585,56€, em 2016 a 587,90€ e em 2017 a 568,11€ (acrescida de subsídio de férias e de Natal, este pago em duodécimos), não havia entregue à fidúcia qualquer valor, estando em falta no valor global de 2.138,40€, tendo-o já advertido para regularizar o incumprimento.
Notificado (em Março de 2018) para regularizar os pagamentos junto da fiduciária e informar o tribunal da razão para o não cumprimento atempado (com advertência para a possibilidade de ser antecipadamente cessado o procedimento de exoneração – arts. 243º, nº 1, a) e 239º, nº 4, c) do CIRE), manteve-se revel o insolvente.
Em Fevereiro de 2019 apresentou a fiduciária relatório concernente ao 3º ano da cessão (Dezembro de 2017 a Novembro de 2018), referindo que o insolvente auferira pensão no valor de 575,40€ em Dezembro de 2017 e de 562,63 em 2018 (acrescida de subsídio de Natal, pago em duodécimos, e subsídio de férias), nenhum valor entregando à fidúcia, estando em falta o valor de 979,79€ relativamente a tal período de cessão (e assim um total, relativamente aos três anos da cessão, de 3.118,19€), mais referindo ter já advertido o devedor para a regularização do incumprimento.
Notificado para se pronunciar sobre o relatório e comprovar o pagamento do valor em falta (com advertência para a hipótese de haver lugar à cessação antecipada da exoneração), o insolvente manteve-se inerte.
No relatório relativo ao quarto ano da cessão (Dezembro de 2018 a Novembro de 2019), junto aos autos em Dezembro de 2019, novamente dá nota a fiduciária dos valores auferidos pelo insolvente e do facto de não ter entregue qualquer valor à fidúcia, estando em falta, relativamente a esse período, o valor de 1.058,29€, importando o incumprimento total em 4.176,48€ (informando ainda que o devedor fora advertido para regularizar o incumprimento).
Notificado (pessoalmente e na pessoa do seu mandatário) para repor os valores em dívida, veio em Fevereiro de 2020 o devedor alegar que o rendimento disponível fora imprescindível para que pudesse fazer face às despesas básicas quotidianas, necessárias à sua existência condigna e a despesas de carácter extraordinário que, ‘em virtude da imprevisibilidade própria do quotidiano humano, registaram um aumento em relação ao declarado em sede de petição inicial’ (que descreve pormenorizadamente), impetrando, com tais fundamentos, fosse dispensado da entrega do valor em dívida auferido a título de rendimento disponível (que referia ascender ao global de 3.800,00€) e bem assim fosse fixado o rendimento indisponível em montante nunca inferior a dois salários mínimos nacionais.
Apreciando o requerido, foi proferido despacho que (considerando deverem ter sido cedidas à fidúcia as quantias de 1.233,74€ no 1º ano, de 904,60€ no 2º ano, de 979,79€ no 3ºano e de 1.058,29€ no 4º ano), indeferiu a pretendida dispensa de entrega do rendimento disponível até Fevereiro de 2020 (salvaguardando a possibilidade de ser acordado plano de restituição junto da fiduciária), ordenando a notificação da fiduciária e credores para que se pronunciassem sobre a requerida alteração do montante do rendimento disponível (a partir de 16/02/2020).
Nenhuma oposição foi deduzida, sendo em Janeiro do 2021 proferido despacho que, deferindo a pretensão do devedor insolvente, autorizou que se considerasse que o rendimento indisponível, desde Fevereiro de 2020, passasse a ser correspondente a dois salários mínimos nacionais, ordenando que a Sr.ª Fiduciária refizesse os cálculos relativos ao 5º período de cessão.
Logo depois do devedor requerer (em 23/02/2021) fosse a fiduciária indagada sobre o montante que tinha de repor, apresentou aquela (em 12/03/2021) relatório referindo que, quanto ao 5º ano de cessão (período temporal de Dezembro de 2019 a Novembro de 2020) não fora entregue o montante de 545,36€, estando em falta, relativamente a todo o período de cessão (cinco anos), o valor global de 4.883,62€.
Em 26/06/03/2021 apresentou a fiduciária relatório final sustentando que o devedor não cumprira o dever de cessão, estabelecido na alínea c) do nº 4 do art. 239º do CIRE – encontrando-se em dívida o valor de 4.883,62€, pois não cedeu, durante os cinco anos da cessão, qualquer quantia à fidúcia –, considerando por isso não lhe dever ser concedido, a final, o benefício da exoneração, sendo-lhe recusada a concessão da exoneração do passivo restante.
Notificado para se pronunciar sobre tal relatório (sendo-lhe ainda concedida a possibilidade ‘de, em dez dias, informar nos autos se pretende repor o montante em dívida, através de um plano prestacional que não ultrapasse os dezoito meses e desde que seja integralmente cumprido’), o devedor manteve-se silente.
Determinado o cumprimento do art. 244º, nº 1 do CIRE, promoveu o Ministério Público a recusa da concessão da exoneração, após o que (mais uma vez se ordenando, em vista do cumprimento do contraditório, a notificação do devedor sobre o promovido, para que se pronunciasse, querendo – o que este não fez) foi proferida decisão que (ponderando não ter o devedor entregue à fiduciária qualquer quantia) indeferiu ‘o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo insolvente’, com a consequência legal de não beneficiar da extinção dos créditos sobre a insolvência.
Inconformado, apela o insolvente, impetrando a revogação da decisão, terminando as suas alegações com as seguintes (extensas) conclusões:
i. A questão suscitada que importa resolver, consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de apreciação, ao entender estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 243° do CIRE, para recusar a exoneração do passivo restante, cessando, antecipadamente, tal procedimento,
ii. Pelo que, com salvo devido respeito, no dia 2 de Dezembro de 2021, o Mm. Juiz profere decisão final de recusa de Concessão da Exoneração do Passivo Restante, reproduzindo, por si só que não havia sido entregue os valores à fidúcia.
iii. E ao proferir tal decisão, violaram-se vários princípios, entre os quais, o do contraditório e da segurança jurídica.
iv. Ademais, inexiste algum despacho do encerramento do processo de insolvência.
v. A exoneração do passivo constitui uma novidade no nosso ordenamento jurídico, inspirada no direito alemão, determinada pela necessidade de conferir aos devedores pessoas singulares de boa-fé incorridas em situação de insolvência uma oportunidade de começar de novo (fresh start), a sua plena reintegração na vida económica.
vi. Logo, o Devedor, não ser, sequer, merecedor da manutenção do benefício que lhe foi concedido, estabelecendo a possibilidade de cessação antecipada do procedimento de exoneração, ao dispor que a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário,
vii. Caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor (...) o juiz deve recusá-la, (nº 1 do art. 243º do CIRE), quando se verifique alguma das situações ai previstas, nomeadamente as elencadas nas alíneas a) b) e c), que a disposição comporta.
viii. Com efeito, não contendo aquela remissão qualquer restrição, resulta que ainda nesta fase continua a ser relevante a conduta do devedor anterior à declaração de insolvência.
ix. O Tribunal a quo desvalorizou a resposta do Insolvente à informação prestada nos autos pelo Fiduciário e ao requerimento de cessação antecipada da exoneração do passivo restante.
x. Constata-se, ainda, que os requisitos cuja verificação depende o despacho liminar de exoneração, a cessação antecipada do procedimento de exoneração ou a decisão final de recusa da exoneração, estão todos eles formulados pela negativa.
xi. Nesta medida, é ao Requerente
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