Acórdão nº 2532/22.0T8VFX-A.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-06

Ano2023
Número Acordão2532/22.0T8VFX-A.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
C…. e P … vieram instaurar contra E …, Lda providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 380.º, 381.º e 382.º, todos do CPC, conjugados com os artigos 53.º a 59.º do CSC.
Para tanto requereram que fosse “declarada a suspensão dos efeitos de todas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 18 de abril de 2022, por A…, sem audição prévia da Ré E …, Lda., nos termos do disposto nos artigos 366.º, n.º 1 e 380.º, ambos do Código do Processo Civil, com todas as devidas e naturais consequências.
Juntaram documentação.
A requerida deduziu oposição, pugnando no sentido de dever a providência ser indeferida.
O tribunal a quo ordenou o cumprimento do contraditório quanto às questões suscitadas na oposição – ilegitimidade substancial dos requerentes, assente na existência de simulação absoluta e inerente nulidade dos negócios de transmissão de quotas aos mesmos.
Os requerentes pronunciaram-se no sentido de as mesmas deverem improceder.
Realizou-se a audiência final, com produção de prova testemunhal.
Por decisão final proferida em 21/11/2022, o tribunal recorrido julgou a providência improcedente, por não provada, tendo absolvido a requerida do pedido.
Não se conformando com tal decisão, dela interpuseram RECURSO os requerentes, tendo para tanto formulado as CONCLUSÕES que aqui se transcrevem:
“i. Os factos vertidos nos pontos 22 a 30 da matéria de facto provada, carecem de fundamentação de facto, porquanto não se mostram suficientes e até mesmo carentes para fundamentar os pressupostos da simulação prevista no disposto no artigo 240.º do Código Civil.
ii. Face à carência de prova dos pressupostos da simulação o Tribunal a quo, não poderia julgar como nulo o negócio de cessão de quotas da Recorrida sociedade por quotas E …, Lda. e de A… a P… e a C ….
iii. Sendo tal negócio válido e não ter sido ilidida a presunção registral e havendo prova do negócio efetiva e verdadeiramente realizado, os Recorrentes são parte legitima ativa no presente procedimento cautelar e especificado de suspensão de deliberações sociais.
iv. Devendo ser julgada procedente a referida legitimidade ativa dos Recorrentes pela demonstração da qualidade de sócios da sociedade por quotas E …, Lda., o Tribunal a quo deverá pronunciar-se sobre os pedidos formulados no presente procedimento cautelar especificado de suspensão das deliberações sociais e assim se fazendo justiça.
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, revogada a decisão final e em consequência, serem os Recorrentes julgados como parte legitima ativa nos presentes autos, afim do prosseguimento dos mesmos para conhecimento dos pedidos nele formulados, designadamente a suspensão da deliberação social da Assembleia Geral Extraordinária de 18.04.2022, tudo com as legais consequências, fazendo-se, assim, a habitual e costumada JUSTIÇA.”
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi correctamente admitido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Contudo, não está este tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio.
Assim, as questões a decidir são:
1. Aferir da pretensa impugnação à matéria de facto;
2. Aferir da legitimidade ad substantium (substancial) - qualidade de sócios - dos apelantes para requererem a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, para tanto se tendo que apreciar as seguintes sub-questões:
a) presunção resultante do registo,
b) aferir da existência de simulação da transmissão das quotas da sociedade.
*
III – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Na decisão impugnada consignou-se:
“III. Fundamentos de facto
III.1 Factos provados
III.1.a Sociedade
1. A sociedade E …, LDA., pessoa coletiva n.º …, tendo por objeto “Escola de condução”, obriga-se com a intervenção de um gerente.
III.1.b Gerência
2. Em 16-12-2013, inscreveu-se no registo a designação de A… como gerente, ato datado de 07-10-2013.
3. Em 14-04-2022, averbou-se a cessação da gerência por destituição.
4. Em 14-04-2022, inscreveu-se a designação de 3 gerentes, os filhos de A..., ora Requerentes, e sua mãe.
5. Os Requerentes declararam votar favoravelmente as deliberações identificadas em 3 e 4, cfr. ata 29, datada de 14-04-2021.
6. Em 12-05-2022, averbou-se a destituição dos 3 gerentes, e a nomeação de A … como gerente.
7. Na declarada qualidade de representante dos Requerentes, A… afirmou votar favoravelmente as deliberações identificadas em 7, ata 31, datada de 18-04-2021.
III.1.c Capital social
8. Em 16-12-2013, fez-se menção de depósito de ato de transmissão das quotas da Requerida, no valor de € 5 000,00, a A….
9. Em 27-01-2014, inscreveu-se aumento de capital para € 45 000,00, e aquisição total das quotas por A…, subscrição em numerário.
10. Em 27-01-2014, inscreveu-se alteração ao contrato de sociedade no seguinte sentido: sócio P…, quota de € 45 000,00.
11. No mesmo dia, fez-se menção de depósito de ato de transmissão das quotas de A… ao Requerente.
12. Para o efeito previsto no número anterior, A … declarou vender ao Requerente, e este comprar, as quotas da sociedade.
13. Por instrumento notarial datado de 24-01-2014, intitulado “Procuração”, declarou o Requerente P… “constituiu seu bastante procurador seu pai (…), a quem, com os de substabelecer, confere amplos poderes, gerais e (…), para ceder as quotas de ele mandante é titular (…), nas condições e preços que achar convenientes, receber e dar quitações, outorgar e assinar as competentes escrituras, contratos e contratos promessa, intervir ilimitadamente nas assembleias gerais da referida sociedade, exercendo todos os direitos societários que enquanto sócio a lei lhe atribui, designamente, apresentando propostas e votando deliberações, requerer nas Conservatórias de Registo Comercial quaisquer actos de registo (…), representá-lo junto de quaisquer repartições públicas, nomeadamente, Serviços de Finanças, para quaisquer efeitos emergentes deste contrato. [parágrafo]. A presente procuração é também outorgada para o mandatário representante celebrar negócio consigo mesmo, ficando desde já expressamente dado o consentimento previsto no n.º 1 do artigo 261.º do Código Civil [parágrafo] Esta procuração é conferida no interesse do próprio mandatário. pelo que não pode ser revogada sem o seu acordo, salvo ocorrendo justa causa, nos termos do n.º 3 do artigo 265.º do Código Civil, nem caduca por interdição, inabilitação ou morte do mandante, nos termos do artigo 1175.º do mesmo Código. [parágrafo]. Ao representante é atribuída a faculdade de, nos termos do artigo 264.º do Código Civil, se fazer substituir por outrem na prática dos actos para que se encontra mandatado.”.
14. Em 14-02-2019, fez-se menção de depósito de ato de transmissão de ½ das quotas do Requerente à Requerente.
15. Por escrito autenticado datado de 28-09-2021, a Requerente C… declara “(…) constitui seu bastante procurador o seu pai (…) a quem, com os de substabelecer, confere amplos poderes, gerais e ilimitados, para ceder a quota no valor nominal de 22.500,00 € de que ela mandante é titular na sociedade por quotas denominada "E …, Lda.", com o capital social de quarenta e cinco mil euros e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Odivelas sob o número único de matricula e pessoa colectiva …, com sede na Avenida …, a qual não é proprietária de quaisquer bens imóveis, nas condições e preços que achar convenientes, receber e dar quitações, outorgar e assinar as competentes escrituras, contratos e contratos promessa, intervir ilimitadamente nas assembleias gerais da referida sociedade, exercendo todos os direitos societários que enquanto sócia a lei lhe atribui, designadamente, apresentando propostas e votando deliberações, requerer nas Conservatórias do Registo Comercial quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e apresentar declarações complementares, representá-la junto de quaisquer repartições públicas, nomeadamente, Serviços de Finanças, para quaisquer efeitos emergentes deste acto. [parágrafo] A presente procuração é também outorgada para o mandatário representante celebrar negócio consigo mesmo, ficando desde já expressamente dado o consentimento previsto no n.º 1 do artigo 261.º do Código Civil. [parágrafo] Esta procuração é conferida no interesse do próprio mandatário, pelo que não pode ser revogada sem o seu acordo, salvo ocorrendo justa causa, nos termos do n.º 3 do art.º 265.º do Código Civil, nem caduca por interdição, Inabilitação ou morte da mandante, nos termos do art.º 1175.° do mesmo Código. [parágrafo]. Ao mandatário é atribuída a faculdade de, nos termos do artigo 264.º do Código Civil, se fazer substituir por outrem na prática dos actos para que se encontra mandatado.”.
16. Em 12-05-2022, fez-se menção de depósito de ato de transmissão das quotas a A….
17. Foi interveniente no ajuste A…, também na qualidade de representante dos Requerentes, ato datado de 18-04-2021, ata 31.
18. Em 12-04-2022, A… foi judicialmente notificado da revogação da procuração emitida por C….
19. Anunciou-se a publicação da revogação no Jornal Público, edição de ....
III.1.d A…
20. Em 04-03-2022, o pai dos requerentes foi acometido de AVC, tendo estado
...

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