Acórdão nº 25285/18.2T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-03-2024

Data de Julgamento21 Março 2024
Ano2024
Número Acordão25285/18.2T8LSB.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
MM_ … propôs contra ... ... ..., Companhia de Seguros com sede na Irlanda e representada em ..., por ... ... ... - … … SINISTROS, S.A, esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação a entregar-lhe a quantia global de € 146.184,26, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, que lhe avieram de acidente de viação sofrido em 20 de agosto de 2017 e causado por veículo automóvel seguro na R pelo contrato titulado pela apólice n.º ....
Citada, contestou a R dizendo, em síntese, ter assumido a responsabilidade pelo sinistro em 28/11/2017, tendo posteriormente pago ao A o valor do seu veículo sinistrado e as quantias que identifica a título de perdas salariais, no mais impugnando os alegados danos e pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente e condenando a R a entregar ao A a quantia de € 62.905,54 ...s – correspondente à soma de € 20.000,00, a título de indemnização do défice funcional permanente, € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais, € 99,00 e € 998,34 por despesas com consultas e tratamentos médicos, € 1.049,92 ...s relativos a perdas salariais e € 758,28 relativos ao remanescente por repercussão temporária na atividade profissional – sendo que à quantia de € 2 048,26 correspondente à indemnização por danos patrimoniais posteriores à entrada da ação, acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do requerimento para ampliação do pedido até efetivo e integral pagamento, mais condenando a R a pagar ao Autor o valor de consultas, exames, cirurgias e tratamentos médicos e medicamentosos futuros, assim como as demais despesas e prejuízos a que haja lugar, cuja necessidade advenha das lesões e sequelas decorrentes do acidente, a apurar em incidente de liquidação de sentença, no mais absolvendo a R.
Inconformado com essa decisão, o A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por Acórdão que fixe a compensação a título de dano biológico em valor não inferior a € 120.000,00), alterando-se a matéria de facto dada como provada, e que condene em juros legais desde a citação quanto aos danos patrimoniais e desde a decisão quanto aos danos não patrimoniais, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
I. Entende o recorrente que a sentença merece reparo de acordo com a factualidade provada, pois que o Tribunal a quo considerou que relativamente ao quantum indemnizatório respeitante ao dano biológico de 15 pontos que o Autor ficou a padecer, era merecedor da quantia de 20.000,00 €, a qual, no entender do recorrente, é manifestamente insuficiente, face não só à realidade do Autor, bem como a realidade jurisprudencial mais atualista.
II. Entende o recorrente que da gravidade da matéria de facto provada bem como das decisões superiores de casos análogos impunha-se que tais montantes fossem fixados, no mínimo, em 120.000,00 € a título de dano biológico, tendo em conta que o Autor não só ficou a padecer de uma desvalorização de 15 pontos, e ainda com esforços acrescidos no desempenho da sua profissão.
III. Com o devido respeito entende assim o recorrente que andou mal o tribunal a quo na fixação dos montantes indemnizatórios e que violou o disposto nos artigos 8º n.º 3, 483º, 496º e 562º do Código Civil e 607º n.º 4 do CPC, o que a não acontecer teria conduzido a uma solução conforme por si preconizada, a fixação das compensações em 120.000,00 € a título de biológico.
IV. Também entende o Recorrente que, não obstante a matéria dada como provada (e não provada) na sentença recorrida, logrou demonstrar em sede de declarações de parte explicou objetivamente as consequências que o sinistro causou na sua vida, e concretamente o impacto que teve na sua vida laboral. Nomeadamente, por causa do absentismo laboral, devido aos tratamentos que o Autor teve que realizar. E ainda sobre as dificuldades que o Autor teve em encontrar outro trabalho, devido às sequelas que ficou a padecer, tendo que, inclusivamente ir trabalhar noutra área (imobiliário), e posteriormente na área informática mas com tarefas e funções distintas daquelas que fazia antes do sinistro dos autos.
V. Ficou demonstrado que o absentismo foi causa adequada para o contrato de trabalho do Autor cessar, tendo que procurar trabalho noutra área, nomeadamente no ramo imobiliário.
VI. Entende o Autor que deveria constar nos factos provados o seguinte: - Por causa do absentismo perdeu o emprego e por causa dos esforços acrescidos e exigência da profissão foi obrigado a reconverter-se para outra área dentro da sua formação profissional. Pelo que, deve ser aditado à factualidade provada, uma vez terá impacto no dano biológico na vertente patrimonial, por inerência à indemnização a atribuir a este título. Acrescendo o facto das declarações de rendimentos posteriores ao acidente refletirem essa realidade, nomeadamente a alteração da entidade patronal, área e por conseguinte um rendimento menor.
VII. A repercussão na atividade laboral, mercê dos esforços acrescidos que o Autor ficou a padecer, só por si, é indemnizável até ao montante de 25.650,00 €, vide ANEXO I Compensações devidas por danos morais complementares de acordo com Artigo 1.º Alteração da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio a alínea e) do artigo 4.º da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio «e) Quando resulte para o lesado uma incapacidade permanente que lhe exija esforços acrescidos no desempenho da actividade habitual;»
VIII. A indemnização atribuída pelo tribunal a quo no montante de 20.000,00 € é manifestamente insuficiente par satisfazer a dor, o sofrimento, a perda de oportunidades de vida que o Autor ficou a padecer em consequência do sinistro dos autos, tendo em conta a sua realidade, uma vez que era um jovem de 28 anos à data do acidente, bem como as decisões jurisprudenciais mais atualistas sobre esta matéria.
IX. Lançando mão do que dispõe o n.º 3 do art.º 8º do C.C e considerando casos que merecem analogia, refira-se o Ac. do STJ de 10 de janeiro de 2017 (SALRETA PEREIRA), proc. n.º 1965/11.2TBBRR.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “I – Os critérios previstos na portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela portaria n.º 679/2009, de 25-06, não vinculam os tribunais disciplinando tão só as relações extrajudiciais das partes com vista à obtenção de acordo. II – Não merece censura o valor de € 100 000, fixado a título de indemnização do dano biológico sofrido pela autora, vítima de acidente de viação causado com culpa de terceiro, considerando o seguinte quadro provado: (i) tinha 38 anos, (ii) auferia rendimento profissional anual de € 55 000; (iii) ficou com incapacidade temporária permanente de 11 pontos; (iv) terá cerca de 30 anos de vida activa e (v) receberá antecipadamente a indemnização.”;
X. Por outro lado ainda, com similitude com o caso dos autos mas também com sequelas objetivamente menos gravosas vide Ac. STJ de 26-01-2017 onde se decidiu o seguinte“III – Tendo ficado provado que, em consequência das lesões sofridas em virtude do acidente de viação de que foi vítima, a lesada: (i) ficou com dores diárias na coluna cervical e na cabeça; (ii) devido às dores, tem dificuldade em dormir, andar, sentarse, curvar-se, pegar em objetos, vestir-se, pentear-se, secar o cabelo, arrastar mobília, pegar em tachos, dar banho à filha, subir e descer escadas, passar a ferro e conduzir um veículo automóvel; (iii) frequenta desde o acidente (08-07-2012), e terá de continuar a frequentar, tratamentos de fisioterapia;
(iv) ficou a sofrer de perturbação de stress pós-traumático, o que afeta a sua autonomia pessoal, social e profissional, importando uma incapacidade de 10%;
(v) o exercício da sua atividade profissional (cabeleira) é possível, mas implica esforços suplementares, o que lhe importa uma incapacidade de 2,7%; (vi) ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos; (vii) as lesões sofridas e as sequelas com que ficou têm repercussão permanente nas atividades desportivas, a qual foi fixada no grau 3 numa escala de 7; (viii) à data do acidente estava desempregada e inscrita no Centro de Emprego, tendo perdido essa qualidade a partir de 27-02-2012 por aí se ter deixado de apresentar em consequência das lesões; (ix) por causa destas, teve de recusar um emprego na sua profissão de cabeleireira; e (x) contratou uma empregada que lhe assegura as lides domésticas, é de concluir que, tendo, ou podendo ter, estes factos repercussão nas atividades da vida diária da autora, o dano biológico sofrido merece a tutela do direito, devendo ser ressarcido.IV – Considerando os factos elencados em III, bem como que a indemnização, a título de dano biológico, deve ser calculada de acordo com a equidade nos termos do n.º 3 do art. 566.º do CC, é justo e correto o montante de € 70 000 fixado pela Relação(por contraposição ao de € 8 000 fixado pela 1.ª instância).
XI. Pelo que, face ao supra exposto, deve a indemnização a título de dano biológico ser fixada em montante não inferior a 120.000,00 € (cento e vinte mil euros).
*
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de Agosto de 2017, pelas 11:35 horas, na Avenida …, em Lisboa, ocorreu um acidente de viação.
2. no qual foram intervenientes o veículo com a matricula …SR… (doravante designado por SR) e o veículo com a matrícula …ET… (doravante designado por ET).
3. O SR corresponde a um veículo automóvel de ligeiros, propriedade de Lease Plan ..., conduzido, no momento do acidente, por Tiago ….
4. Por seu turno, o ET corresponde a um motociclo, propriedade do AUTOR MM_ … e era, no momento do acidente, conduzido pelo próprio.
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