Acórdão nº 2517/20.1T8VFX.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-22

Data de Julgamento22 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão2517/20.1T8VFX.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra Seguradoras Unidas, SA pedindo que a R. seja condenada a pagar ao A. “os danos patrimoniais referentes aos danos próprios do automóvel com a matrícula ..-BC-.., propriedade do A., no valor total de 4.650,00€, mais juros a partir da citação”, bem como “os danos patrimoniais resultantes da paralisação do veículo automóvel ..-BC-.., propriedade da A., no valor de 2.910,00€ (30,00€ x 97 dias), mais juros a partir da citação” e ainda “o valor de 30,00€/dia desde a presente data até que este pleito esteja resolvido”.
Para tanto, alega que no dia 20 de Junho de 2020, pelas 2h00m, o veículo comercial da sua propriedade, com a matrícula ..-BC-.., de marca Peugeot, era conduzido por RO na Rua 1º de Maio, na Granja, esteve envolvido em acidente de viação, tendo ficado paralisado. Mais alega que reportou tal acidente à R., a qual declinou a sua responsabilidade.
2. Contestando, a R. alegou que o acidente em causa foi caracterizado de fuga pelas autoridades policiais, tendo ainda impugnado a factualidade alegada.
3. Convidado para se pronunciar, reiterou o A. os termos da petição inicial.
4. Foi proferido despacho saneador dispensando-se a fixação do objecto do litígio e de temas de prova.
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença julgando a acção improcedente.
6. Inconformado, o A. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1ª – O A. intentou a presente PI contra a R., tendo alegado o acima transcrito, para o qual se remete V. Exas.
2ª – A R. contestou dizendo que não assumia o acidente, tendo excecionado.
3ª – O A. respondeu às exceções da forma acima transcrita, para o qual se remete V. Exas.
4ª – Foi realizado o julgamento de acordo com as normas legais.
5ª – A M. Juiz “a quo” proferiu sentença, tendo decidido que:
“Pelo exposto, e em conformidade com as disposições legais supra citadas, decido julgar a presente ação totalmente improcedente e, em consequência absolver a R. do peticionado.”
6ª – O recorrente não pode aceitar esta decisão, porque, não estamos em face de fuga do condutor, pois o mesmo não fugiu, ele teve o acidente, telefonou ao patrão, informou que o veículo estava em segurança fora da estrada, em terreno privado, não impedia a circulação nem causava dificuldades de trânsito, tendo a M. Juiz “a quo” a este respeito proferido o seguinte aresto: “Ora, provou-se que após o acidente passou e parou no local um trabalhador do MARL que ofereceu boleia ao condutor do BC e, após este telefonar ao A. e este ter-lhe dito para se ir embora, dado que o veículo encontrava-se fora da estrada, o mencionado condutor foi-se embora do local.”
7ª – A leitura deste facto dado como provado não pode ser interpretado que o condutor fugiu do local do acidente, antes pelo contrário, ser interpretado que houve o acidente, que o carro ficou fora da estrada, livre de perigo, não impedia a circulação, tendo o BC ficado em terreno privado para ficar entre as 02 da manhã e as 08h/09h do mesmo dia para ser rebocado, como foi.
8ª – Devido a essa preocupação por parte do condutor e do dono do veículo, aqui A., a M Juiz devia ter feito a interpretação dos factos e a sua subsunção ao direito previsto no artigo 9.º do CC, que manda ler nas entrelinhas para uma melhor aplicação da lei.
9ª – Dado que o condutor e o recorrente salvaguardaram a segurança dos utentes da estrada, preocuparam-se em deixar o veículo em sítio seguro, sem impedir a circulação rodoviária, deveria a M. Juiz “a quo” ter considerado que não se verifica aqui a exclusão da cláusula 5ª, nem a exclusão da cláusula 40ª das condições gerais da apólice e ter condenado a R. no pedido formulado na PI, incluindo veículo de substituição, porque não houve fuga do condutor do veículo BC.
10ª – Não o tendo feito, foram violadas as normas dos artigos 483.º, 562.º e 563.º do CC e cometido a nulidade a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
11ª – Ao decidir como decidiu, em face do exposto a M. Juiz “a quo” violou por errada aplicação e interpretação as cláusulas 5ª e 40ª da apólice, os artigos 9.º, 483.º, 562.º e 563.º do CC e o cometeu a nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Devendo pois a presente sentença ser revogada e substituída por outra que condene a R. no pedido formulado pelo A. na PI.”.
7. Em sede de contra-alegações, a R. defendeu a improcedência do recurso.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da nulidade da sentença;
- da verificação da causa de exclusão do contrato de seguro celebrado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
“Encontra-se assente e provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
1. Pela ap. nº ….. de 30.5.2016 encontra-se inscrita a favor do A. a propriedade do veículo ligeiro de passageiros, marca Peugeot, com a matrícula ...-BC-...
2. No dia 20 de Junho de 2020, cerca das 2h00m, o veículo anteriormente referido era conduzido na Rua 1º de Maio, Granja, em Vialonga, por RO, empregado do restaurante do A. no MARL, o qual tinha saído do emprego e havia acabado de levar dois colegas a casa, quando o mesmo resvalou numa valeta aí existente, despistou-se, capotou e foi parar a um terreno junto à PRIO.
3. Após o acidente anteriormente referido passou e parou no local um trabalhador do MARL que ofereceu boleia ao condutor do BC e, após este telefonar ao A. e este ter-lhe dito para se ir embora, dado que o veículo encontrava-se fora da estrada, o mencionado condutor foi-se embora do local.
4. Momentos depois a polícia recebeu uma denúncia anónima, tendo-se deslocado ao local, por volta das 3h00m, e tomado conta da ocorrência, verificando que se encontravam dentro do BC os seus documentos e a chave do veículo.
5. No mesmo dia, já de manhã, a polícia contatou o A. e entregou-lhe os documentos e chave do BC, tendo o mesmo se deslocado ao local e tratado do reboque desse veículo.
6. Na data referida em 2) o condutor do BC tinha habilitação legal para conduzir e não foi sujeito a teste de alcoolemia por não se encontrar no local do acidente quando a polícia aí chegou, apenas se tendo deslocado ao posto de manhã e aí prestado declarações.
7. Na data referida em 2) o A. havia transferido para a R. a responsabilidade civil pela circulação do veículo BC, mediante contrato de seguro celebrado com a mesma titulado pela apólice nº ……., a qual incluía danos próprios por choque, colisão e capotamento, com o capital seguro de €4.650,00, correspondente ao valor do veículo BC, e uma franquia de €250,00.
8. No contrato anteriormente referido foi ainda incluída, no âmbito da assistência em viagem VIP e Multi Assistência VIP Plus, a cobertura de veículo de substituição, de entre o mais em caso de acidente, pelo máximo de 30 dias e de duas ocorrências por ano, entendido aquele como sinistro devido a causa externa, fortuita imprevista e independente da pessoa segura que nela produzisse lesões, bem como o acontecimento súbito e inesperado, não intencional, que provocasse a imobilização imediata do veículo seguro, que resultasse exclusivamente da circulação rodoviária e que não constituísse avaria, nos termos da cláusula 1ª das condições especiais do contrato, na parte atinente à “Multi Assistência VIP PLUS” e “Assistência em Viagem VIP”.
9. Nos termos da cláusula 39ª, designada de “Coberturas facultativas”, nº 1, als. b) e k) das condições gerais do contrato referido em 7), este poderia garantir, nos termos estabelecidos nas condições especiais e relativamente às que expressamente constassem das condições particulares, o pagamento das indemnizações devidas por choque, colisão e capotamento e por automóvel de substituição.
10. Nos termos da cláusula 40ª das condições gerais do contrato referido em 7), designada de “Exclusões”, “1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…) c) Sinistros resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito de álcool, ou sob a influência de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos, ou ainda quando este se recuse a submeter-se aos testes de alcoolemia ou de deteção de estupefacientes, bem como quando, voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade; (…).
11. Nos termos da cláusula 46ª das condições gerais do contrato referido em 7), designada de “Franquias”, “1. As franquias aplicáveis em relação a cada uma das coberturas serão as estipuladas nas Condições Particulares. 2. O valor da franquia será sempre deduzido no momento do pagamento da indemnização, ainda que o Segurador o realize diretamente à entidade reparadora ou a qualquer outra.”
12. No contrato referido em 7) não foi incluída nos danos próprios a cobertura de “Automóvel de Substituição”.
13. O A. participou à R. em 27.06.2020 o sinistro referido em 2), não tendo solicitado à mesma um veículo de substituição.
14. Nessa sequência, em 08.07.2020 foi efetuada uma peritagem condicional ao BC, sem desmontagem, por determinação da R., na sequência do que a respetiva reparação foi orçada em €12.239,48.
15. A R. efetuou licitação on-line do salvado do BC, tendo a melhor oferta sido apresentada pela A2B Visual, pelo valor de € 337,00.
16. A R.
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