Acórdão nº 2502/18.3T8CSC.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 23-04-2024

Data de Julgamento23 Abril 2024
Número Acordão2502/18.3T8CSC.L1-7
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
P veio intentar a presente ação de condenação, em processo declarativo comum, contra AB, JF, SF, T…, S.A. e M…, S.A., pedindo a condenação solidárias dos R.R.: ao pagamento duma indemnização de €350.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento; a removerem de todos os sites de que sejam proprietários, designadamente do http://www.(...).pt/; http://www.(...).pt/, todos os conteúdos onde são relatados factos da vida privada do A. e/ou em que seja divulgada a sua imagem e identidade, em concreto, nos episódios 6 a 9 e 11 e 12 da reportagem “O Segredo dos Deuses”; a condenação das 4.ª e 5.ª R.R. a absterem-se de difundir qualquer facto que diga respeito à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizadas por este para esse efeito; e todos os R.R. jornalistas e diretor, quer o diretor R. atual, quer aqueles que lhe vierem a suceder nas funções, a absterem-se de divulgar factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e dos R.R. jornalistas a absterem-se de divulgarem factos ou imagens referentes à vida privada, familiar e íntima do A., nomeadamente, todo e qualquer facto que diga respeito ao seu processo de adoção, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por estes para esse efeito; e decretar a proibição dos R.R. de difundirem, em qualquer suporte dos quais sejam proprietários ou colaboradores, (nomeadamente, na televisão, Internet ou imprensa escrita) factos da vida privada do A., designadamente que digam respeito ao processo de adoção e à sua vida privada e familiar, assim como a imagem e identidade do A., salvo se expressamente autorizados por este para esse efeito; e solidariamente a pagar ao A., a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, no concernente aos custos em que o A. incorrer para remover os conteúdos dos episódios acima identificados, criados e emitidos pelos R.R., dos diversos suportes, meios e plataformas digitais; e a fixar, nos termos e para os efeitos do Art.º 829.º-A do CC, uma sanção pecuniária compulsória para garantia do cumprimento da decisão a proferir nos presentes autos, em valor não inferior a €1.000,00, por cada infração de cada providência decretada por cada um dos R.R..
Para tanto, alegou em síntese, que as 1.ª e 2.ª R.R. são jornalistas e desenvolverem a sua atividade nos canais de televisão “T…” e “T…”, tendo sido as autoras e responsáveis pelo conteúdo da reportagem transmitida nesses canais, denominada “O Segredo dos Deuses”, enquanto o 3.º R. era o diretor do serviço de programas e responsável pela informação dos referidos canais, tendo aprovado a elaboração e execução dessa reportagem. Por sua vez, a 4.ª R. é proprietária dos serviços de programas televisivos da T… e da T…, enquanto a 5.ª R. é proprietária dos sites desses canais e do portal …, onde estão alojadas as notícias e os vídeos referentes a essa reportagem, sendo a sua entidade gestora e tendo o poder para incluir e retirar os conteúdos que aí se encontram disponíveis.
A reportagem denominada “O Segredo dos Deuses” foi, antecipadamente, publicitada como o novo escândalo que iria abalar Portugal e como o segredo mais bem guardado da Igreja … (I…), referia-se a crianças levadas de Portugal numa rede internacional de adoções, revelando aspetos da vida privada do A. sem que este tenha dado autorização ou consentimento para o efeito.
A exibição da reportagem decorreu entre os dias 11-12-2017 e 22-12-2017 e foi transmitida no serviço de programas T… e T…, sendo constituída por 10 episódios, em parte dos quais o A. é visado, divulgando os R.R. a sua identidade e imagem, quer enquanto criança, quer enquanto adulto, bem como a identidade dos adotantes e as circunstâncias da sua adoção, à semelhança do que fazem relativamente a outros menores.
A história do A. e do seu irmão biológico é contada nos episódios 7 e 8 e a sua imagem e nome expostos nos episódios 6 e 9, voltando a ser abordada a sua alegada história nos episódios 11 e 12, que foram emitidos ulteriormente em 19-04-2018 e em 20-04-2018, os quais são descritos no articulado, detalhadamente e por referência a cada um dos períodos temporais de cada um desses episódios.
Defende que o relato efetuado na reportagem não corresponde à verdade, sendo apresentado como um processo de adoção à margem da lei, exibindo-se a imagem do A. enquanto criança e trazendo a público a sua infância problemática e o facto dos pais serem toxicodependentes e de a mãe se prostituir, bem como ter um sinal escuro peludo no braço, referindo-se, inclusive, num dos debates que se seguiram à exibição dos episódios, que este vive no Brasil e que trabalha para uma rádio da I…, quando o A., na realidade, é marceneiro e o processo de adoção seguiu todos os trâmites de forma legal.
Entende que as jornalistas procuraram criar uma telenovela assente numa suposta rede ilegal de adoções, afirmando que a mãe biológica do A. nunca teria sido ouvida pelo tribunal ou dado o consentimento para a adoção, e que alguém se teria feito passar por esta para conseguir que fossem encaminhados para a adoção, sem que tenham contactado o autor ou consultado os processos de adoção por forma a atestar da veracidade da sua teoria.
Referiu-se ainda ao seu percurso de vida e às circunstâncias em que passou a viver no Lar da I… e de ter sido para aí encaminhado pela Santa Casa da Misericórdia, no seguimento da avó não ter condições para o ter e ao seu irmão, e à existência de processos judiciais que terminaram com a sua adoção, com base no consentimento prévio para o efeito concedido pela sua mãe biológica, acabando por ser adotado pelos seus pais adotivos por se ter criado uma relação próxima, sendo a mãe a antiga diretora do Lar e o pai pastor evangélico da I….
Na reportagem, o nome e a imagem do A. surgem associados aos factos que são relatados, enquanto a sua mãe biológica, que intervém na reportagem, fala sem que a sua imagem seja visível e com um nome fictício.
Finalmente, alega que, em consequência da exibição da reportagem, teve de reviver episódios da sua infância que procurou esquecer e que passaram a ser do conhecimento de milhares de pessoas, sendo abordado por desconhecidos que pretendiam falar sobre o tema e a quem teve de dar explicações.
Sentiu angústia, dor e humilhação, nomeadamente por ver os seus pais adotivos vilipendiados e acusados de o terem roubado, tendo ficado chocado e consternado, o que afetou a sua relação com a sua mulher, que estava grávida, não a conseguindo acompanhar, como pretendia, por andar enervado e irritado com a situação, tendo, inclusive, necessitado de ajuda psicológica.
Considera por isso que, ainda que alguns dos factos relatados na reportagem sejam de interesse público, poderiam os R.R. ter feito o relato sem expor o A., nomeadamente, sem incluir a sua imagem enquanto criança ou adulto, permitindo o seu reconhecimento por terceiros, assim como não necessitavam de referir o seu verdadeiro nome, até por o terem feito em relação à mãe biológica, sem que tal impedisse de contar a história que pretendiam.
Ao não o fazerem, e sendo, inclusive, falsos os factos relatados na reportagem, violaram a sua vida privada, sem que tivesse consentido ou autorizado a revelação de factos relativos à sua vida ou a divulgação da sua imagem, nem sido contactado previamente para o efeito, continuando a 1.ª R. a divulgar esses factos nas redes sociais e a contribuir para aumentar a devassa da sua vida privada.
Por último, requereu a apensação aos autos dos autos de procedimento cautelar previamente intentado e que determinou a remoção pelas 4.ª e 5.ª R.R. da imagem e do nome verdadeiro do A. do conteúdo da reportagem, os quais foram, subsequentemente, apensados a estes autos principais.
Citados os R.R. contestaram.
Os 1.º a 3.ºs R.R., pessoas singulares, vieram apresentar contestação conjunta na qual pugnam pela sua absolvição de todos os pedidos formulados, sustentando não terem divulgado ou afirmado factos falsos na reportagem em causa nos autos, sendo incontestável a relevância jornalística do seu conteúdo e o manifesto interesse público, entendendo terem cumprido todas as regras jornalísticas e tratar-se a presente ação de uma estratégia da I…, ou das pessoas que lhe são próximas, destinada a limitar a sua atuação como jornalistas, nomeadamente, através da propositura de diversas ações judiciais, conforme já fez no Brasil e que configuram uma situação de bullying judicial.
No mais, alegaram que a investigação jornalística que deu origem à reportagem durou, em dedicação exclusiva, mais de sete meses e recorreu a múltiplas e diversificadas fontes de informação, verificadas e cruzadas, tendo-se procurado ouvir todas as pessoas com interesses atendíveis e tentado consultar o processo de adoção do A., o que foi sucessivamente negado pelo tribunal de Família e Menores de Lisboa.
Defenderam que apenas foi apresentada a imagem e identidade dos jovens adotados quando tal se revelava indispensável para a total compreensão dos factos, e de forma proporcional face à realidade ou ao que os próprios ou terceiros com a sua autorização já haviam revelado publicamente sobre a sua história de vida e compatível com a utilização que os mesmos têm publicamente promovido da sua imagem e os seus fins.
Referiram-se ainda ao contexto e conteúdo da reportagem, em grande medida com referência à situação aí relatada nos primeiros episódios que não se referiram ao A.,
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