Acórdão nº 25/21.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-02-03

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão25/21.2BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Procº nº 25/21.2BEPRT e 6/21.6BELRA (apensos)
Recurso Jurisdicional de
Processo de Contencioso Pré-Contratual
Recorrentes: A.... , SA e A.... – S..... Lda.
Recorrido: Fundação do Desporto e L.... , S.A.

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A A.... – S..... Lda., intentou contra a Fundação do Desporto Processo de Contencioso Pré-Contratual tendente à revogação da “adjudicação à L..... - T......., SA (…) e respetivo ato que suporta a mesma serem revogados por nulidade dos mesmos, sendo a proposta excluída” relativamente “celebração de contrato de Prestação de Serviços de Desenvolvimento do “Projeto n.º 0….. - FdD + Juntos pela Eficiência”. (Procº n.º 25/21.2BEPRT).
Do mesmo modo, a A.... – A....., S.A., intentou Processo de contencioso pré-contratual contra a Fundação do Desporto, tendente à anulação do ato que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da proposta da Autora e a adjudicação da proposta da Contrainteressada, relativamente à “celebração de contrato de Prestação de Serviços de Desenvolvimento do “Projeto n.º 0…. - FdD + Juntos pela Eficiência” (Procº nº 6/21.6BELRA).

Tendo ambos os Processos sido apensados, foi em 28 de setembro de 2021 proferida Sentença no TAF de Leiria, na qual se decidiu julgar “totalmente improcedentes as ações n.ºs 6/21.6BELRA e 25/21.2BEPRT” e absolvida “a Entidade Demandada dos pedidos.”

Inconformada com a decisão proferida, veio em 14 de outubro de 2021, a Autora A.... – A....., S.A., recorrer da referida Sentença para esta Instância, tendo concluído:
“1. Na presente ação de contencioso pré-contratual (Proc. n.º 6/21.6BELRA, apenso), a Autora, ora recorrente, impugnou o ato que aprovou o relatório final do júri e determinou a exclusão da sua proposta e a adjudicação do procedimento à C...., S.A. (doravante Link), proferido no procedimento de concurso público para “Prestação de serviços de desenvolvimento do projeto n.º 0….. – FdD + Juntos pela Eficiência”, pedindo a anulação desse ato e a condenação da Entidade Demandada a aprovar um Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.
2. Como fundamento essencial da sua pretensão, a Autora alegou que o ato impugnado é inválido, porquanto o júri do procedimento entendeu que a proposta foi apresentada na modalidade de agrupamento de concorrentes, quando não existe nem nunca existiu um agrupamento, reputando igualmente de ilegal a aplicação analógica do disposto no artigo 168.º, n.º 4, do CCP ao procedimento em apreço, incorrendo em erro de Direito ao excluir a proposta nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CCP.
3. Por outro lado, a Autora alegou ainda que as normas relativas ao critério de adjudicação e ao modelo de avaliação fixadas no programa do procedimento que foram objeto de aplicação e das quais resultou a avaliação e ordenação das propostas contidas no relatório final do júri e a adjudicação da proposta da Contrainteressada, também padecem de ilegalidade, uma vez que os subfactores “IA- Adequação aos Requisitos Funcionais”, “IB – Adequação aos Requisitos Técnicos e Arquitetura da Solução”, “IC- Adequação da Equipa Proposta” e “ID – Adequação das Metodologias e do Plano do Projeto” mostram- se manifestamente ilegais.
4. A sentença recorrida não concedeu provimento a nenhum dos pedidos, decidindo que, nos termos do artigo 168.º, n.º 4, do CCP, a recorrente estava obrigada a apresentar com a sua proposta uma declaração de compromisso da subcontratada e que o modelo de avaliação não viola o disposto no artigo 139.º do CCP, nem tão pouco os princípios da transparência e da concorrência, por se mostrar um critério legítimo no âmbito da margem de apreciação técnica atribuída pelo programa ao júri do procedimento.
5. No entanto, o tribunal a quo cometeu um grave erro de julgamento.
6. Em primeiro lugar, o tribunal a quo faz uma aplicação direta do artigo 63.º da Diretiva ao caso sub judice, o que afronta o decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos Acórdãos Van Duyn, de 4 de dezembro de 1974, e Ratti, e 5 de abril de 1979. Como é do conhecimento geral, a Diretiva foi integralmente transposta para a ordem jurídica nacional através do CCP e, na sentença recorrida, o tribunal invoca a sua aplicação contra a aqui recorrida. Deste modo, é insofismável que a sentença recorrida contraria a jurisprudência doo TJUE, não podendo o artigo 63.º da Diretiva ser aplicado ao presente procedimento (ou a qualquer outro), por via do efeito direto.
7. O tribunal a quo decidiu ainda aplicar analogicamente ao presente caso o artigo 168.º, n.º 4, do CCP, que é uma norma perfeitamente clara, que o legislador transpôs para o ordenamento jurídico português nos exatos termos do disposto na Diretiva (i.e., prevendo a sua aplicação apenas e só aos procedimentos de concurso limitado por prévia qualificação). Com efeito, o entendimento do tribunal a quo de que o artigo 63.º da Diretiva e, por conseguinte, o artigo 168.º, n.º 4 do CCP, se aplicam a todo o tipo de procedimentos previstos, configura uma violação dos princípios da separação de poderes e da segurança jurídica, previstos, designadamente, no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e no Tratado da União Europeia. Para além do mais, impede a aplicação do Princípio da interpretação conforme, segundo o qual os tribunais nacionais devem interpretar a lei nacional de transposição de uma diretiva à luz do seu texto e finalidade, estando sujeito aos limites dos princípios gerais de direito.
8. Assim, os artigos 63.º e 58.º, da Diretiva, e o artigo 168.º, n.º 4 do CCP, só são aplicáveis ao procedimento de concurso limitado por prévia qualificação, no qual a entidade adjudicante fixa uma série de requisitos de capacidade técnica dos quais depende o acesso dos operadores económicos à fase de apresentação de propostas. Ou seja, por força das características do contrato a celebrar, a entidade adjudicante entende que o interesse público subjacente à necessidade aquisitiva só pode ser adequadamente satisfeito pelos operadores económicos que demonstrem ter determinados requisitos, que podem ser de experiência, organização, recursos técnicos ou humanos, etc. (cfr. artigo 165.º do CCP).
9. E uma vez que a lei abre a possibilidade de o operador económico recorrer a entidades terceiras para demonstrar o cumprimento de tais requisitos é natural que o acesso à fase de apresentação de propostas dependa da apresentação de um documento em que tais entidades terceiras assumam o compromisso de execução de determinadas prestações contratuais. Nada disso se passa no procedimento de concurso público, em que o acesso à possibilidade de apresentar propostas é livre, não estando dependente do preenchimento de quaisquer requisitos de capacidade técnica (ou financeira) que a entidade adjudicante repute essenciais para a adequada prossecução do interesse público subjacente ao contrato a celebrar.
10. Mostra-se, portanto, absolutamente carecida de sentido a invocação e aplicação analógica do artigo 168.º, n.º 4 do CCP ao caso dos autos. No procedimento de concurso público, como demonstrámos, inexiste qualquer obrigação de instruir a proposta com documentos subscritos pelas entidades terceiras a quem o concorrente pretenda recorrer através subcontratação.
11. Por fim, mas também erradamente, o tribunal a quo vem afirmar que “É entendimento corrente que a disposição do n.º 4 do artigo 168.º do CCP deve ser aplicada analogicamente em qualquer procedimento concursal”. Com o devido respeito que este tribunal nos merece, que é muito, mas esta afirmação não corresponde à verdade. Nem os tribunais têm decidido neste sentido, nem este entendimento é maioritário na doutrina. O trecho da obra do Prof. PEDRO COSTA GONÇALVES transcrito na sentença, não faz tem qualquer referência à aplicação analógica do n.º 4 do artigo 168.º a outro tipo de procedimento concursal. Ademais, é um trecho que está inserido na parte da obra relativa aos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira exigidos aos candidatos nos procedimentos de concurso limitado por prévia qualificação, por força da sua aplicação exclusiva a este tipo de procedimento.
12. Deste modo, e ao contrário do que resulta do relatório final do júri, que constitui a fundamentação per relationem do ato impugnado, não se verificam os fundamentos previstos no artigo 70.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CCP para a exclusão da proposta da recorrente, por violação do artigo 168.º, n.º 4, do CCP. Preceitos que o ato impugnado e a sentença recorrida aplicou erradamente, incorrendo, assim, aquele ato em vício de violação de lei, que o invalida e acarreta a respetiva anulabilidade, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.
13. A sentença recorrida mostra-se também errada, na parte em que decidiu que o modelo de avaliação não viola o disposto no artigo 139.º do CCP, nem tão pouco os princípios da transparência e da concorrência, por se mostrar um critério legítimo no âmbito da margem de apreciação técnica atribuída pelo programa ao júri do procedimento,
14. Nesta, o tribunal a quo demitiu-se por completo de analisar e apreciar os descritivos do modelo de avaliação e o critério de adjudicação, optando por se refugiar na fundamentação utilizada pelo júri do procedimento no relatório preliminar, para concluir que, “pese embora os termos previstos nos subfactores possam intuir uma avaliação meramente formalista da proposta enquanto documento em si mesmo”, o que se avaliou foram verdadeiros atributos da proposta e não os aspetos formais das mesmas.
15. Tanto na sua Petição Inicial, como nas suas Alegações finais, a aqui recorrente demonstrou cabalmente que a recorrida desrespeitou gritantemente os...

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