Acórdão nº 24964/19.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19
Ano | 2022 |
Número Acordão | 24964/19.1T8PRT.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Proc.º 24964/19.1T8PRT.P1
Sumário.
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Propuseram contra
CC, residente na Rua ..., ..., Porto
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que se decrete a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando-se o Réu despejar imediatamente o locado e a entregá-lo aos Autores livre de pessoas e bens e nas condições em que o recebeu.
O sustento de tal pedido consiste na alegada falta de residência no locado, propriedade dos Autores(senhorios) pelo Réu (arrendatário), há mais de três anos.
«I– Existem dois documentos, aceites pelas partes, que demonstram o não uso efectivo pelo locatário do locado, que mesmo dando um entendimento alargado a qualquer caso de força maior ou de doença, não se justifica uma decisão como aquela de que se recorre.
II – A empresa das Águas do Porto, dá a informação constante dos autos, assim como a empresa fornecedora de electricidade, resultando de ambas que não existiram fornecimentos de água durante 9 meses e de electricidade durante 31 meses.
III - Os consumos de electricidade só foram retomados quase passados três anos, curiosamente após a citação do réu para a acção de despejo, mas mesmo assim, estes consumos não ultrapassaram dois ou três KW.
IV – Existe um relatório médico nos autos e aceite pelas partes, resulta que o mesmo foi pedido pelo réu, e que sofre de esquizofrenia há vários anos e que estabilizou da doença em outubro de 2019, sendo que a esquizofrenia tem como sinais e sintomas de alucinações, delírios, pensamentos desordenados e distúrbios do movimento do corpo, ou seja, o apelado em 15 de Abril de 2020, em plena pandemia e em confinamento solicita um relatório clinico para o “Tribunal”. O estado de esquizofrenia não tem melhoras, mas somente controle de agravamento por meio de medicamentos.
V – Sofrendo o réu de esquizofrenia há vários anos não existe caso de força maior para o não uso efectivo do locado.
VI – Com o confinamento decorrente do estado de emergência, os centros de dia estiveram encerrados, pelo menos desde 18 de Março de 2020 até 2 de Maio de 2020, sendo completamente inverosímil que durante este período o ora apelado, tivesse retomado o locado, aí pernoitando, quer pelos consumos de energia elétrica quer pelos consumos de água, não tendo forma de ficar no centro de dia da manhã até ao final da tarde.
VII - Com base nos documentos de consumos de domésticos, no documento intitulado “relatório clinico”, não deveriam ter sido dados como provados os factos com o número 8 “Em Janeiro de 2020, o estado de saúde do R. melhorou, tendo este retomado ao locado, aí passando a pernoitar.”
VIII – de todo o modo, estaríamos a falar de 26 meses de ausência do locado, e nenhum caso de força maior ou de doença poderá perdurar tanto tempo no domínio do arrendamento, sendo facto que nunca os senhorios foram sequer informados da razão de abandono.
IX - Durante o confinamento não era possível um ser humano com o quadro clinico do réu, dado como provado, com o centro de dia que alegadamente frequentava diariamente, encerrado, ficar no locado a pernoitar, a confecionar refeições, tratar da sua higiene durante, pelos menos, dois meses.
X - Em face do alegado, parece-nos que deveria ter sido dado como provado que “o Réu não tem consumos domésticos nem de água e saneamento, nem de electricidade ou gás pelo menos até janeiro de 2010.”
XI – Depoimento da testemunha DD, refere o não uso efectivo do locado, precisando o facto que coincide com o abandono do locado e as visitas esporádicas após a entrada da acção e justificação dos consumos diminutos de energia.
XII - O depoimento da testemunha EE, descreve de forma esclarecedora o não uso efectivo do locado por parte do réu, precisando conhecimento de algumas visitas, após a entrada do processo em tribunal, e a realidade temporal a que as mesmas ocorriam.
XIII - O depoimento da testemunha FF, neste depoimento é notória a contradição de toda a história contada na contestação, pois refere que por causa do encerramento do centro de dia com origem no confinamento o réu, seu pai, foi viver para sua casa e para perto de si que estava em teletrabalho, tendo ocorrido o confinamento em Março 2020, não é possível dar como provado o ponto n.º 7 e o ponto n.º 8, uma vez que o réu só passou a residir consigo por causa do encerramento do centro de dia, da pandemia e do confinamento, tudo, pelos menos, em Março de 2020.
XIV - Deveria ter sido dado provado que o réu deixou de habitar e permanecer no locado visitando esporadicamente o locado a partir da entrada do processo, sem nele permanecer e sem pernoitar, indo habitar para casa da filha em ... com o encerramento do centro de dia e do estado de emergência que gerou o confinamento.
XV - O depoimento da testemunha GG, sendo este depoimento é completamente contraditório, para além de ser evidente o desconhecimento da vivência do Réu no locado, nomeadamente no que se refere ao período em que o centro de dia se encontrava encerrado por existência de confinamento; de salientar que a testemunha afirma perentoriamente que o réu não tinha condições em 2017 para ficar sozinho no locado, e que presentemente não fazia a sua higiene porque tinha medo de cair, porque a casa estava em mau estado. Não esclareceu onde o réu alegadamente fazia a sua higiene pessoal enquanto o centro esteve encerrado.
XVI - O depoimento da testemunha HH, é completamente destituído de verdade, é a testemunha que afirma que o réu nunca deixou de ocupar a casa mesmo durante a pandemia, ou seja, em contradição com as restantes testemunhas arroladas pelo réu, é um depoimento a raiar a falsidade intencional. Este depoimento não poderia provar nenhum facto dado como provado pela Sentença.
XVII - Devem ser dados como não provados os factos n.º 6, 7 e 8 dos factos provados constantes da sentença.».
Terminam pedindo que se revogue a sentença, com cessação do contrato de arrendamento e consequente despejo.
Apreciação da matéria de facto relativa à prova de:
- período em que o Réu não residiu no locado;
-. motivo de tal falta de residência.
Consequência jurídica da apreciação de facto – determinar se houve falta de uso do locado e se a mesma foi lícita devido a doença do arrendatário -.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
2.1 - Factos provados:
«1 – Encontra-se registada a favor dos AA., desde 16-1-2002, a aquisição do prédio urbano situado na Rua ..., Freguesia ..., Porto, o qual é composto por diversas casas independentes, descrito na Conservatória de Registo predial do Porto sob o nº ..../19... – ... e na matriz sob o art. ...
2 - Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1990, os AA. deram de arrendamento ao R., por contrato verbal, a casa nº ... do identificado prédio, pagando o R. uma renda que nunca foi alterada, excepto quanto à moeda, no montante de 11,22 €
3 – A referida casa nº ... objecto do contrato de arredamento destina-se a habitação do R..
4 – Em Novembro de 2017, o R. deixou de habitar e de permanecer no locado.
5 – O R. sofre de esquizofrenia há vários...
Sumário.
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1). AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ... Porto,Propuseram contra
CC, residente na Rua ..., ..., Porto
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que se decrete a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando-se o Réu despejar imediatamente o locado e a entregá-lo aos Autores livre de pessoas e bens e nas condições em que o recebeu.
O sustento de tal pedido consiste na alegada falta de residência no locado, propriedade dos Autores(senhorios) pelo Réu (arrendatário), há mais de três anos.
*
Citado o Réu, o mesmo contestou, alegando que, sempre residiu no locado, tendo havido apenas uma altura – de janeiro a novembro de 2019 – que teve de se ausentar por motivo de doença, pelo que a ação deve improcede*
Foi realizada audiência de julgamento, proferindo-se sentença que julgou improcedente a ação.*
Inconformado, recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões:«I– Existem dois documentos, aceites pelas partes, que demonstram o não uso efectivo pelo locatário do locado, que mesmo dando um entendimento alargado a qualquer caso de força maior ou de doença, não se justifica uma decisão como aquela de que se recorre.
II – A empresa das Águas do Porto, dá a informação constante dos autos, assim como a empresa fornecedora de electricidade, resultando de ambas que não existiram fornecimentos de água durante 9 meses e de electricidade durante 31 meses.
III - Os consumos de electricidade só foram retomados quase passados três anos, curiosamente após a citação do réu para a acção de despejo, mas mesmo assim, estes consumos não ultrapassaram dois ou três KW.
IV – Existe um relatório médico nos autos e aceite pelas partes, resulta que o mesmo foi pedido pelo réu, e que sofre de esquizofrenia há vários anos e que estabilizou da doença em outubro de 2019, sendo que a esquizofrenia tem como sinais e sintomas de alucinações, delírios, pensamentos desordenados e distúrbios do movimento do corpo, ou seja, o apelado em 15 de Abril de 2020, em plena pandemia e em confinamento solicita um relatório clinico para o “Tribunal”. O estado de esquizofrenia não tem melhoras, mas somente controle de agravamento por meio de medicamentos.
V – Sofrendo o réu de esquizofrenia há vários anos não existe caso de força maior para o não uso efectivo do locado.
VI – Com o confinamento decorrente do estado de emergência, os centros de dia estiveram encerrados, pelo menos desde 18 de Março de 2020 até 2 de Maio de 2020, sendo completamente inverosímil que durante este período o ora apelado, tivesse retomado o locado, aí pernoitando, quer pelos consumos de energia elétrica quer pelos consumos de água, não tendo forma de ficar no centro de dia da manhã até ao final da tarde.
VII - Com base nos documentos de consumos de domésticos, no documento intitulado “relatório clinico”, não deveriam ter sido dados como provados os factos com o número 8 “Em Janeiro de 2020, o estado de saúde do R. melhorou, tendo este retomado ao locado, aí passando a pernoitar.”
VIII – de todo o modo, estaríamos a falar de 26 meses de ausência do locado, e nenhum caso de força maior ou de doença poderá perdurar tanto tempo no domínio do arrendamento, sendo facto que nunca os senhorios foram sequer informados da razão de abandono.
IX - Durante o confinamento não era possível um ser humano com o quadro clinico do réu, dado como provado, com o centro de dia que alegadamente frequentava diariamente, encerrado, ficar no locado a pernoitar, a confecionar refeições, tratar da sua higiene durante, pelos menos, dois meses.
X - Em face do alegado, parece-nos que deveria ter sido dado como provado que “o Réu não tem consumos domésticos nem de água e saneamento, nem de electricidade ou gás pelo menos até janeiro de 2010.”
XI – Depoimento da testemunha DD, refere o não uso efectivo do locado, precisando o facto que coincide com o abandono do locado e as visitas esporádicas após a entrada da acção e justificação dos consumos diminutos de energia.
XII - O depoimento da testemunha EE, descreve de forma esclarecedora o não uso efectivo do locado por parte do réu, precisando conhecimento de algumas visitas, após a entrada do processo em tribunal, e a realidade temporal a que as mesmas ocorriam.
XIII - O depoimento da testemunha FF, neste depoimento é notória a contradição de toda a história contada na contestação, pois refere que por causa do encerramento do centro de dia com origem no confinamento o réu, seu pai, foi viver para sua casa e para perto de si que estava em teletrabalho, tendo ocorrido o confinamento em Março 2020, não é possível dar como provado o ponto n.º 7 e o ponto n.º 8, uma vez que o réu só passou a residir consigo por causa do encerramento do centro de dia, da pandemia e do confinamento, tudo, pelos menos, em Março de 2020.
XIV - Deveria ter sido dado provado que o réu deixou de habitar e permanecer no locado visitando esporadicamente o locado a partir da entrada do processo, sem nele permanecer e sem pernoitar, indo habitar para casa da filha em ... com o encerramento do centro de dia e do estado de emergência que gerou o confinamento.
XV - O depoimento da testemunha GG, sendo este depoimento é completamente contraditório, para além de ser evidente o desconhecimento da vivência do Réu no locado, nomeadamente no que se refere ao período em que o centro de dia se encontrava encerrado por existência de confinamento; de salientar que a testemunha afirma perentoriamente que o réu não tinha condições em 2017 para ficar sozinho no locado, e que presentemente não fazia a sua higiene porque tinha medo de cair, porque a casa estava em mau estado. Não esclareceu onde o réu alegadamente fazia a sua higiene pessoal enquanto o centro esteve encerrado.
XVI - O depoimento da testemunha HH, é completamente destituído de verdade, é a testemunha que afirma que o réu nunca deixou de ocupar a casa mesmo durante a pandemia, ou seja, em contradição com as restantes testemunhas arroladas pelo réu, é um depoimento a raiar a falsidade intencional. Este depoimento não poderia provar nenhum facto dado como provado pela Sentença.
XVII - Devem ser dados como não provados os factos n.º 6, 7 e 8 dos factos provados constantes da sentença.».
Terminam pedindo que se revogue a sentença, com cessação do contrato de arrendamento e consequente despejo.
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Não houve contra-alegações.*
As questões a decidir são:Apreciação da matéria de facto relativa à prova de:
- período em que o Réu não residiu no locado;
-. motivo de tal falta de residência.
Consequência jurídica da apreciação de facto – determinar se houve falta de uso do locado e se a mesma foi lícita devido a doença do arrendatário -.
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2). Fundamentação.2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
2.1 - Factos provados:
«1 – Encontra-se registada a favor dos AA., desde 16-1-2002, a aquisição do prédio urbano situado na Rua ..., Freguesia ..., Porto, o qual é composto por diversas casas independentes, descrito na Conservatória de Registo predial do Porto sob o nº ..../19... – ... e na matriz sob o art. ...
2 - Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1990, os AA. deram de arrendamento ao R., por contrato verbal, a casa nº ... do identificado prédio, pagando o R. uma renda que nunca foi alterada, excepto quanto à moeda, no montante de 11,22 €
3 – A referida casa nº ... objecto do contrato de arredamento destina-se a habitação do R..
4 – Em Novembro de 2017, o R. deixou de habitar e de permanecer no locado.
5 – O R. sofre de esquizofrenia há vários...
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