Acórdão nº 24964/19.1T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão24964/19.1T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc.º 24964/19.1T8PRT.P1

Sumário.
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1). AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ... Porto,
Propuseram contra
CC, residente na Rua ..., ..., Porto
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que se decrete a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, condenando-se o Réu despejar imediatamente o locado e a entregá-lo aos Autores livre de pessoas e bens e nas condições em que o recebeu.
O sustento de tal pedido consiste na alegada falta de residência no locado, propriedade dos Autores(senhorios) pelo Réu (arrendatário), há mais de três anos.
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Citado o Réu, o mesmo contestou, alegando que, sempre residiu no locado, tendo havido apenas uma altura – de janeiro a novembro de 2019 – que teve de se ausentar por motivo de doença, pelo que a ação deve improcede
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Foi realizada audiência de julgamento, proferindo-se sentença que julgou improcedente a ação.
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Inconformado, recorrem os Autores, formulando as seguintes conclusões:
«I– Existem dois documentos, aceites pelas partes, que demonstram o não uso efectivo pelo locatário do locado, que mesmo dando um entendimento alargado a qualquer caso de força maior ou de doença, não se justifica uma decisão como aquela de que se recorre.
II – A empresa das Águas do Porto, dá a informação constante dos autos, assim como a empresa fornecedora de electricidade, resultando de ambas que não existiram fornecimentos de água durante 9 meses e de electricidade durante 31 meses.
III - Os consumos de electricidade só foram retomados quase passados três anos, curiosamente após a citação do réu para a acção de despejo, mas mesmo assim, estes consumos não ultrapassaram dois ou três KW.
IV – Existe um relatório médico nos autos e aceite pelas partes, resulta que o mesmo foi pedido pelo réu, e que sofre de esquizofrenia há vários anos e que estabilizou da doença em outubro de 2019, sendo que a esquizofrenia tem como sinais e sintomas de alucinações, delírios, pensamentos desordenados e distúrbios do movimento do corpo, ou seja, o apelado em 15 de Abril de 2020, em plena pandemia e em confinamento solicita um relatório clinico para o “Tribunal”. O estado de esquizofrenia não tem melhoras, mas somente controle de agravamento por meio de medicamentos.
V – Sofrendo o réu de esquizofrenia há vários anos não existe caso de força maior para o não uso efectivo do locado.
VI – Com o confinamento decorrente do estado de emergência, os centros de dia estiveram encerrados, pelo menos desde 18 de Março de 2020 até 2 de Maio de 2020, sendo completamente inverosímil que durante este período o ora apelado, tivesse retomado o locado, aí pernoitando, quer pelos consumos de energia elétrica quer pelos consumos de água, não tendo forma de ficar no centro de dia da manhã até ao final da tarde.
VII - Com base nos documentos de consumos de domésticos, no documento intitulado “relatório clinico”, não deveriam ter sido dados como provados os factos com o número 8 “Em Janeiro de 2020, o estado de saúde do R. melhorou, tendo este retomado ao locado, aí passando a pernoitar.”
VIII – de todo o modo, estaríamos a falar de 26 meses de ausência do locado, e nenhum caso de força maior ou de doença poderá perdurar tanto tempo no domínio do arrendamento, sendo facto que nunca os senhorios foram sequer informados da razão de abandono.
IX - Durante o confinamento não era possível um ser humano com o quadro clinico do réu, dado como provado, com o centro de dia que alegadamente frequentava diariamente, encerrado, ficar no locado a pernoitar, a confecionar refeições, tratar da sua higiene durante, pelos menos, dois meses.
X - Em face do alegado, parece-nos que deveria ter sido dado como provado que “o Réu não tem consumos domésticos nem de água e saneamento, nem de electricidade ou gás pelo menos até janeiro de 2010.”
XI – Depoimento da testemunha DD, refere o não uso efectivo do locado, precisando o facto que coincide com o abandono do locado e as visitas esporádicas após a entrada da acção e justificação dos consumos diminutos de energia.
XII - O depoimento da testemunha EE, descreve de forma esclarecedora o não uso efectivo do locado por parte do réu, precisando conhecimento de algumas visitas, após a entrada do processo em tribunal, e a realidade temporal a que as mesmas ocorriam.
XIII - O depoimento da testemunha FF, neste depoimento é notória a contradição de toda a história contada na contestação, pois refere que por causa do encerramento do centro de dia com origem no confinamento o réu, seu pai, foi viver para sua casa e para perto de si que estava em teletrabalho, tendo ocorrido o confinamento em Março 2020, não é possível dar como provado o ponto n.º 7 e o ponto n.º 8, uma vez que o réu só passou a residir consigo por causa do encerramento do centro de dia, da pandemia e do confinamento, tudo, pelos menos, em Março de 2020.
XIV - Deveria ter sido dado provado que o réu deixou de habitar e permanecer no locado visitando esporadicamente o locado a partir da entrada do processo, sem nele permanecer e sem pernoitar, indo habitar para casa da filha em ... com o encerramento do centro de dia e do estado de emergência que gerou o confinamento.
XV - O depoimento da testemunha GG, sendo este depoimento é completamente contraditório, para além de ser evidente o desconhecimento da vivência do Réu no locado, nomeadamente no que se refere ao período em que o centro de dia se encontrava encerrado por existência de confinamento; de salientar que a testemunha afirma perentoriamente que o réu não tinha condições em 2017 para ficar sozinho no locado, e que presentemente não fazia a sua higiene porque tinha medo de cair, porque a casa estava em mau estado. Não esclareceu onde o réu alegadamente fazia a sua higiene pessoal enquanto o centro esteve encerrado.
XVI - O depoimento da testemunha HH, é completamente destituído de verdade, é a testemunha que afirma que o réu nunca deixou de ocupar a casa mesmo durante a pandemia, ou seja, em contradição com as restantes testemunhas arroladas pelo réu, é um depoimento a raiar a falsidade intencional. Este depoimento não poderia provar nenhum facto dado como provado pela Sentença.
XVII - Devem ser dados como não provados os factos n.º 6, 7 e 8 dos factos provados constantes da sentença.».
Terminam pedindo que se revogue a sentença, com cessação do contrato de arrendamento e consequente despejo.
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Não houve contra-alegações.
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As questões a decidir são:
Apreciação da matéria de facto relativa à prova de:
- período em que o Réu não residiu no locado;
-. motivo de tal falta de residência.
Consequência jurídica da apreciação de facto – determinar se houve falta de uso do locado e se a mesma foi lícita devido a doença do arrendatário -.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
2.1 - Factos provados:
«1 – Encontra-se registada a favor dos AA., desde 16-1-2002, a aquisição do prédio urbano situado na Rua ..., Freguesia ..., Porto, o qual é composto por diversas casas independentes, descrito na Conservatória de Registo predial do Porto sob o nº ..../19... – ... e na matriz sob o art. ...
2 - Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1990, os AA. deram de arrendamento ao R., por contrato verbal, a casa nº ... do identificado prédio, pagando o R. uma renda que nunca foi alterada, excepto quanto à moeda, no montante de 11,22 €
3 – A referida casa nº ... objecto do contrato de arredamento destina-se a habitação do R..
4 – Em Novembro de 2017, o R. deixou de habitar e de permanecer no locado.
5 – O R. sofre de esquizofrenia há vários
...

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