Acórdão nº 2493/20.0T8STS-C.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão2493/20.0T8STS-C.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 2493/20.0T8STS-C.P1
Comarca do Porto – Juízo do Comércio de Santo Tirso – Juiz 7
Apelação
Recorrente: AA
Recorrido: Min. Público
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Nos termos do disposto no art. 188º do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) veio a Sra. Administradora da Insolvência apresentar parecer de qualificação da insolvência, considerando que esta deve ser declarada como culposa, com afetação da devedora AA.
Foi declarado aberto o respetivo incidente de qualificação.
O Min. Público emitiu parecer também no sentido da qualificação da insolvência como culposa, entendendo estarem preenchidos factos integradores da previsão do art. 186º, nºs 1 e 2, al. a) do CIRE.
Citada, veio a requerida deduzir oposição ao presente incidente, considerando que a insolvência não deve ser considerada como culposa e impugnando os factos alegados no parecer de qualificação de insolvência.
Foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Efetuou-se depois audiência prévia a requerimento da insolvente.
Realizou-se, por fim, audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo depois sido proferida sentença que julgou procedente o presente incidente de qualificação de insolvência e, consequentemente, decidiu:
A) Declarar como culposa a insolvência de AA, declarando a mesma afetada por esta qualificação de insolvência;
B) Decretou a inibição de AA para administrar patrimónios de terceiro, pelo período de 2 anos;
C) Declarou AA inibida, pelo período de 2 (dois) anos, para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por idêntico período de 2 anos;
D) Determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA, bem como a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
E) Condenou AA a indemnizar os seus credores no montante dos créditos que não vierem a ser satisfeitos neste processo de insolvência.
Inconformada com o decidido interpôs recurso a requerida AA, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª Por apenso aos autos de insolvência, da declarada insolvente, pela Sra. Administradora da Insolvência foi apresentado parecer no sentido de ser declarada tal insolvência como culposa por se encontrar preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 186º do CIRE:
2ª O Tribunal a quo declarou como culposa a insolvência da recorrente, inibindo-a para administrar patrimónios de terceiro, pelo período de 2 (dois) anos; inibindo-a pelo período de 2 (dois) anos, para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, por idêntico período de 2 (dois) anos; determinou a perda de quaisquer créditos sobre a recorrente ou sobre a massa insolvente detido por ela, bem como a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos e ainda condená-la a indemnizar os seus credores no montante dos créditos que não vierem a ser satisfeitos neste processo de insolvência.
3ª No caso em apreço, a principal questão consiste em apreciar se será de qualificar a insolvência de AA como culposa e no caso afirmativo se deva a mesma ser afetada por tal qualificação.
4ª O artº. 186º do CIRE define o conceito de insolvência culposa, com o estabelecimento dos seus pressupostos, através da formulação de uma noção geral (nº. 1), que depois complementa e concretiza com o recurso a presunções (nºs 2 e 3).
5ª O nº. 1 do artigo 186º do CIRE diz que “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”
6ª Dessa noção geral, resulta que são pressupostos do conceito de insolvência: 1) que tenha havido uma conduta do devedor ou dos seus administradores, de facto ou de direito; 2) que essa conduta tenha criado ou agravado a situação de insolvência; 3) que essa conduta tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo que conduziu à insolvência; 4) e que essa mesma conduta seja dolosa ou praticada com culpa grave.
7ª A convicção do Tribunal a quo para declarar a insolvência como culposa foi da recorrente transferir a propriedade do veículo de matrícula TJ para o seu pai 17 dias antes de se apresentar à insolvência.
8ª O tribunal a quo no ponto 14 dos factos provados, deu como provado que no apenso de resolução que corre termos sob o apenso D que fora alcançado acordo entre o impugnante e a Massa Insolvente, do qual decorre a entrega à Massa Insolvente da quantia de €13.000,00, estando em curso o prazo para os credores se pronunciarem sobre aquela transação.
9ª Com o acordo alcançado no apenso da resolução em beneficio da massa insolvente, deixa de ter fundamento a qualificação da insolvência por inutilidade superveniente da lide, porquanto ainda que existem factos integradores da violação do artigo 186º n.º 2 alínea a) do CIRE, situação que só por mera hipótese de raciocínio se admite, com a transacção efetuada no apenso D, a decisão a proferir no incidente, já não tem qualquer efeito útil, pois se a resolução do negócio quanto ao veiculo de matrícula TJ, seria para garantir os créditos dos credores, com o acordo alcançado, tal pretensão fica satisfeita, a decisão da qualificação da insolvência deixa de ser verificar, já não pode ter qualquer efeito útil, porque o escopo visado foi atingido por outro meio.
10ª No presente caso, o tribunal a quo para considerar a insolvência como culposa foi com base no preenchimento da previsão contida no artigo 186 n.º 2 alínea a) e d) do CIRE.
11ª No caso sub judice, estamos perante um processo de insolvência de pessoa singular, que não dispõe de bens móveis ou imóveis, não faz qualquer sentido, no plano jurídico, a aplicação da alínea d), do n.º 2 do art. 186° do CIRE aos presentes autos.
12ª A recorrente não pode deixar de discordar quanto à decretação da sua inabilitação por um período de dois anos ao abrigo do disposto na al. b) e c) do n.º 2 do art. 189°.
13ª O Acórdão do Tribunal Constitucional n° 173/2009, de 04/05/2009, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do citado artigo 189º, n.º 2, alínea b), por violação dos artigos 26º e 18º, n.º 2, da CRP.
14ª O Ac. Trib. Rel. Porto de 15/7/2009 considera que a citada norma é inconstitucional não só nas situações diretamente abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, mas também nas situações em que o sujeito visado é a pessoa singular.
15ª A decisão impugnada não pode manter-se, pois fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei ao caso sub judice ao aplicar a al. b) e c) do n.º 2 do art. 189°.
16ª Ainda que se considerasse que a insolvência seria culposa, situação que só por mera hipótese de raciocínio se admite, quanto aos efeitos emergentes da qualificação da insolvência como culposa (cf. art. 189º, do CIRE), a sentença recorrida, pelo menos no que respeita à declaração de inabilitação, não seria de manter.
17ª No presente caso foi incorretamente aplicado e interpretado o artigo 186° do CIRE, na medida em que não se encontram verificados os pressupostos da aplicação do seu nº 2, alínea d), nem qualquer outra alínea ou número, pelo que o Tribunal a quo deveria ter aplicado o art. 186° do CIRE a contrario, ou seja, não se verificando nenhum dos pressupostos legais da insolvência culposa, deveria a mesma ter sido qualificada como fortuita.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e o encerramento do incidente por inutilidade superveniente da lide.
Caso assim não se entenda, pretende que se declare a insolvência como fortuita.
O Min. Público apresentou contra-alegações, pronunciando-se pela confirmação do decidido.
Formulou as seguintes conclusões:
1.º A sentença recorrida fez adequada integração dos factos invocados nos articulados em ordem à decisão do incidente de qualificação da insolvência de AA, julgando-a culposa.
2.º A mesma sentença valora adequadamente a prova documental e testemunhal produzida, acolhendo – e dando como provados – factos extraídos de alegações de credor e corroborados quer no parecer da administradora de insolvência, quer na pronúncia do Ministério Público.
3.º Nesse contexto não merece reparo a seleção dos factos dados como provados ou não provados na sentença, a respetiva motivação e a subsunção jurídica que da mesma resultou, norteada pelos princípios gerais aplicáveis como o da livre apreciação da prova, mas também alicerçada em documentação pertinente.
4.º Quanto à qualificação da matéria de facto, a verdade é que a argumentação da ora recorrente se traduz no questionar não da matéria de facto dada como provada mas no colocar em causa da convicção do julgador,
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