Acórdão nº 24871/20.5T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-09-14

Ano2023
Número Acordão24871/20.5T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.

1-JNV, instaurou, a 20/11/2020, acção declarativa, com processo comum, contra Empresa de Transportes, Lda., pedindo:
- A condenação da ré no pagamento da quantia de 5 298€, acrescidos de juros de mora.
Alegou, em síntese, que por mudar de residência e ser possuidor de muitos bens móveis e antiguidades, contratou a ré para que procedesse à desmontagem, embalamento, etiquetagem e transporte desses objectos, descarga, desembalamento e montagem de móveis e remoção do material utilizado na mudança. O preço da proposta pela ré foi de 9 963€ (IVA incluído) que o autor pagou. Ficou estabelecido que o serviço se iniciava a 03/07/2019 e com termo a 10/07/2019 com a entrega dos bens desembalados e os móveis montados. Mas até ao dia 10/07/2019, a ré não conseguiu desembalar todos os bens, aceitando o autor desembalar cerca 100 caixas das 500 que haviam sido entregues. Os trabalhos ficaram assim terminados por acordo no dia 11/7/2019.
Logo no dia 11/07/2019, na assinatura do inquérito habitual, o autor manifestou que tinham ocorrido danos, mas porque não estava tudo desembalado, não lhe pareceram significativos. Mais tarde, ainda no mês de Julho, contactou por telefone a ré manifestando-lhe os danos que os objectos haviam sofrido. A ré comunicou-lhe que mandasse fazer avaliações e orçamentos nas peças danificadas. Essas avaliações foram feitas e remetidas à ré em 19/12/2019.
Descreve os danos nas diversas peças e o custo da reparação avaliado em 5 298€; alega que os danos decorreram do deficiente embalamento e manuseamento dos móveis.
2- Citada, a ré contestou.
Requereu a intervenção acessória da seguradora Companhia de Seguros, SA.
Invocou a excepção de prescrição do direito do autor a ser indemnizado, baseando-se no artº 24º do DL 239/2003, que estabelece o regime jurídico do contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias.
Alega que somente a 09/10/2019 é que o autor comunicou que existiriam danos nos bens transportados, quando tinha o prazo de 7 dias para comunicar os defeitos. Não existe nexo causal entre os invocados danos e o transporte.
3- Notificado para responder à matéria de excepção invocada na contestação, veio o autor dizer nada ter a opor ao incidente de intervenção acessória da seguradora da ré.
Diz que entre ele e a ré não se celebrou um “simples contrato de transporte”, porque contratou a ré para desmontar, embalar, transportar e descarregar e desembalar todo o recheio da sua casa, pelo que o prazo prescricional invocado não se aplica aos danos causados.
4- Foi deferido o incidente de intervenção acessória da seguradora.
5- Citada a seguradora, contestou, alegando, em síntese, que os serviços da ré terminaram por acordo, segundo o próprio autor, no dia 11 de Julho de 2019, sendo que o mesmo não manifestou de forma detalhada, junto da ré, quaisquer avarias ou material acidentado, até ao dia 09 de Outubro de 2020. Defende que é aplicável ao caso concreto o disposto no Decreto-Lei 239/2003, sendo que, nos termos do artigo 12º desse diploma, o autor tinha que ter apresentado, por escrito, as reservas devidamente fundamentadas, no prazo de 8 dias, não o tendo feito.
6- O autor, convidado para o efeito, respondeu à matéria de excepção, pugnando pela respectiva improcedência, invocando, em síntese, que não celebrou com a ré um contrato simples de transporte, mas também de prestação de serviços.
7- Foi proferido despacho saneador.
8- Realizada audiência final, com data de 06/07/2022 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, decide-se:
a) Absolver a Ré EMPRESA DE TRANSPORTES LDA. do pedido;
b) Condenar o Autor JNV no pagamento das custas processuais.”
9- Inconformado, o autor apresentou o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I-A douta sentença caracterizou o contrato estabelecido entre a R. e o A. como um contrato de prestação de serviços amplos.
II-A douta sentença a possibilidade de aplicação a este contrato do regime de prescrição e denúncia de defeitos previsto no Decreto-Lei n. 239/2003, de 04 de Outubro.
III- Ao contrato de prestação de serviços dos autos, por ser amplo e inominado, nos termos do disposto no artigo 1156º do CC podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial.
IV-Face à natureza das obrigações da R. e do A., as normas mais adequadas à relação em causa serão as normas da empreitada uma vez que a R. se obrigou a realizar um certo serviço, mediante um preço.
V-Entende a douta sentença que a denúncia dos danos nos bens do A. deveria ter sido efectuada por escrito, no prazo de 7 dias, o que não terá ocorrido.
VI -Tal obrigação é aplicável ao caso dos autos por força do ponto 18 das condições gerais remetidas pela R. ao A..
VII -As condições gerais dos serviços de mudanças da R. não se encontram subscrito pela R. ou alguém e foram remetidas pela R. ao A., por email nunca tendo sido assinadas pelo A..
VIII- Trata-se de um documento redigido pela R., sem qualquer prévia negociação com o A. e com condições genéricas que a R. desejava impor.
IX- O orçamento dos serviços e as condições gerais da R. são dois documentos, distintos entre si.
X- O A. aceitou o orçamento da R. mas, ao contrário do que diz a douta sentença, nunca aceitou ou manifestou qualquer vontade de aceitar as suas condições gerais.
XI- O orçamento da R., que o A. aceitou, não contém quaisquer condições gerais nem sequer as refere ou para as mesmas remete.
XII- O A. não negociou ou subscreveu as ditas condições gerais ou sequer manifestou qualquer vontade de as aceitar.
XIII- O A. nem sequer as leu ou considerou.
XIV- A R. não produziu qualquer documento assinado pelo A. do qual constasse alguma dessas clausulas ou o conhecimento das mesmas.
XV- A R. não produziu qualquer prova testemunhal ou documental acessória que demonstrasse o mesmo facto acima indicado.
XVI- Nunca poderia a douta sentença dar como provado que o A. aceitou alguma das clausulas indicadas nessas condições gerais da R., muito menos a indicada no ponto 18.
XVII- Não estando provado a aceitação da mesma clausula, nunca poderia a douta sentença considerar que o A. não cumpriu as condições de denúncia fixadas nesse documento pela R. e julgar improcedente a presente acção judicial.
XVIII- As condições gerais citadas pela R. e consubstanciadas no documento junto pelo A. constituem, nos termos do disposto no artigo 1º do DL 446/85, clausulas contratuais gerais.
XIX- Tal tipo de clausulas têm limitações fixadas pela lei.
XX- Tendo em atenção a relação contratual dos autos, para efeitos do citado diploma legal, o A. é considerado um consumidor final.
XXI- A clausula referida no ponto 18 das condições gerais da R., na versão que foi entregue ao A. e que está junta aos autos, encontra-se redigida com o tipo de letra arial regular com o tamanho 7 ou seja inferior a 11 ou a 2,5 milímetros e com um espaçamento entre linhas muito inferior a 1,15, facto que pode ser comprovado com o uso de uma régua milimétrica depois de imprimir essa página.
XXII- Nos termos actual alínea i) do artigo 21º do citado DL 446/85 a clausula da R., com esta dimensão de letra e espaçamento, é absolutamente proibida.
XXIII- O tamanho de letra escolhido pela R., independentemente de violar o disposto na alínea i) do artigo 21º do citado DL 446/85, por ser muito pequeno (quase metade do que a lei designou como aceitável) torna a sua leitura extremamente difícil e quase impossível, não sendo exigível ao A. o seu cumprimento.
XXIV- Além disso, a redacção da dita clausula por afastar, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso e aos prazos para o exercício de direitos emergentes dos vícios da prestação e por exigir formalidades que a lei não prevê para o exercício dos direitos contratuais do A., nomeadamente o disposto nomeadamente as previstas no artigo 1220º do CC, determina também a sua proibição por violar o disposto nas alíneas g) e o) do nº 1 do artigo 22º do DL 446/85.
XXV- Por força do disposto no artigo 12º do citado diploma tal clausula é nula.
XXVI- Por outro lado, como resulta do documento 1 junto pela 1ª R., o referido documento não contém só os dizeres o que a douta sentença considerou como como provados no ponto 8.
XXVII- A alínea 10) do referido documento contém as seguintes perguntas: Durante a embalagem/transporte/desembalagem ocorreu algum sinistro? De que tipo?
XXVIII- O A., a esta pergunta, respondeu afirmativamente indicando que ocorreram avarias.
XXIX- Assim, a douta sentença tinha que ter dado como provado o seguinte: “No dia 11 de Julho de 2019, o Autor preencheu um formulário denominado Relatório da qualidade do Serviço”, entregue pela Ré e a ela destinado, fazendo constar, que durante a embalagem/transporte/desembalagem ocorreu um sinistro que provocou avarias nos bens do A. e mais adiante no espaço destinado a COMENTÁRIOS escreveu: Pequeno acidente embora bem embalado.”
XXX- A testemunha e funcionário da R., Sr. FFR no seu depoimento gravado nos ficheiros 20220615145552_20103864_2871111 20220615145953_20103864_2871111, ao minuto 3 diz lembrar-se de um telefonema que o A. lhe fez, já depois da mudança, no prazo de talvez 15 dias, a dizer-lhe que tinha encontrado mais umas coisas danificadas além das que já tinha indicado no relatório.
XXXI- Ao minuto 4:20 refere que o A. tinha reclamado estragos nos seus bens logo no relatório de entrega da R. e que continuava a queixar-se de coisas partidas à medida que ia abrindo as caixas, nomeadamente um quadro com um “furo”.
XXXII- Tudo isso é repetido ao minuto 10:10, a instâncias do Tribunal.
XXXIII- Por sua vez,
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