Acórdão nº 24623/21.5T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-01-09

Ano2024
Número Acordão24623/21.5T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
TRIBUNAL DE ORIGEM: JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LISBOA



APELANTE (nesta decisão também recorrente ou autora): B…;
APELADA (nesta decisão também recorrida ou ré): C…SA.


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO


1–A autora/ora recorrente demandou a ré pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes quantias:
-€7.841,25, correspondendo ao valor da comissão (IVA incluído) que a Autora tem ainda a receber da Ré, e que esta não lhe pagou;
-€2.500,00, correspondendo ao pagamento do tempo que a Autora teve de gastar para reclamar o cumprimento da obrigação que a Ré ilicitamente incumpriu;
-€159,40, por despesas efetuadas com a obtenção de documentos necessários à apresentação da ação, e as demais que, entretanto, venha a ter de suportar por causa da conduta ilícita da Ré;
-€7.841,25, correspondendo ao enriquecimento da Ré em consequência da sua conduta ilícita,
Perfazendo tudo a quantia total de €18.341,90, a que devem acrescer os juros que se venham a vencer até integral pagamento, e demais custas processuais previstas nos termos da lei.
2–Alegou, em síntese, que no exercício das funções de consultora imobiliária para a sociedade, M…Lda. angariou um cliente interessado em adquirir um imóvel cuja venda a ré promovia. Que, nessa sequência foi celebrado contrato de parceria com a ré, com vista à repartição do montante da comissão. Que, realizado o negócio, a ré não cumpriu o acordo relativo à repartição da comissão.
3–Que tal conduta da ré causou à ré prejuízos e que ao não entregar o montante devido, a ré se enriqueceu ilicitamente.
4–A ré contestou suscitando a sua ilegitimidade passiva. Quanto à ação, alegou que não incumpriu o contrato, na medida em que um dos adquirentes do imóvel já era seu cliente, razão pela qual a repartição da comissão refletiu essa realidade.
5–O tribunal de primeira instância julgou improcedente a exceção de ilegitimidade deduzida e realizado julgamento proferiu sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a ré dos pedidos formulados.
6–A apelante, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:

CONCLUSÕES DA APELANTE

I.–A sentença recorrida fez uma errada aplicação do artigo 607.º, do Código de Processo Civil, ao ter desconsiderado os factos alegados, necessários às várias soluções plausíveis de direito, violando ainda os princípios da igualdade das partes, e da imparcialidade, que devem presidir à prolação de uma sentença.
II.–A sentença recorrida deve considerar como provados os factos constantes dos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 7.° a 10.°, 16.°, 17.°, 30.°, 31.°, 33.°, 36.° a 40.°, e 53.° todos da petição inicial, por referência aos meios de prova e razões aduzidas para cada um desses factos, para os quais se remete por manifesta desnecessidade da sua repetição.
III.–A sentença recorrida decidiu erradamente, por considerar provados os factos constantes dos n° 18, 22, 23, e 24 dos factos provados na sentença, o que, por referência aos meios de prova e razões aduzidas para cada um desses factos, para os quais se remete por manifesta desnecessidade da sua repetição, deve ser alterado, devendo ser excluídos esses factos da sentença como factos provados.
IV.–A sentença recorrida ao não ter considerado que foi celebrado um acordo entre a Autora e a Ré para partilha da comissão do negócio a realizar, na proporção de 50/50, violou o enunciado no artigo 23.° da Lei n° 15/2013, de 8 de Fevereiro.
V.–A douta sentença recorrida ao ter considerado a essencialidade da exigência feita por parte da Ré, relativa à suposta obrigação da Autora em informar a Ré quanto ao nome do marido da compradora, fez uma errada aplicação do artigo 252.º e artigo 253.° do Código Civil e violou o disposto no artigo 397.º do mesmo diploma, porquanto o cumprimento daquela obrigação pressupunha a violação do RGPD.
VI.–O entendimento de que o direito à confiança por parte da Autora não é atendível, traduz uma errada interpretação do artigo 334.º do Código Civil, na medida em que a conduta da autora relativa à informação dos intervenientes do negócio foi lícita e justificada.
VII.–A Autora, tendo tido intervenção e colaboração direta, quase exclusiva, para a concretização do negócio realizado, tinha direito a ser paga pela ré nos termos antes acordados entre ambas, pelo que a douta sentença recorrida ao ter decidido pelo contrário violou o disposto no artigo 19.° da Lei n° 15/2013.
VIII.–A sentença errou ao ter considerado que foi celebrado um novo acordo para efeitos do pagamento parcial dos valores antes acordados pagar, em violação do disposto nos artigos 218.º do código civil, e os artigos 342.º, n.°2 e 346.º do mesmo diploma.
IX.–A Autora tem o direito de reclamar da ré os valores que aquela ilicitamente não lhe pagou, também em violação do disposto no artigo 19.° da Lei n° 15/2013, seja por um direito próprio com base no artigo 1180.° do Código Civil, ou artigo 794.° do mesmo diploma, ou subsidiariamente, se assim não se entendesse, por força do direito de indemnização previsto no artigo 483.° do código civil, face à ilicitude da conduta da Ré.
X.–Para além do valor que sempre seria devido à Autora pelo cumprimento do acordado entre Autora e ré, deve esta também ser condenada a pagar-lhe o valor que não entregou também à M…Lda, sob pena de se verificar o enriquecimento sem causa da ré, pelo que ao decidir de forma oposta a douta sentença recorrida fez errada aplicação do artigo 473.° do código civil.

7–A apelada respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão.

OBJETO DO RECURSO

8–O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).

9–À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir o seguinte:
1.- Questão relativa à impugnação da matéria de facto;
2.- Erros de julgamento do Direito:
2.1.- Direito da recorrente de reclamar da ré os valores que a ré não lhe pagou;
2.2.- Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária;
2.3.- Mandato sem representação;
2.4.- Commodum de representação;
2.5.- Responsabilidade Civil;
2.6.- Enriquecimento sem causa.

10–Os fundamentos fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório desta decisão, a que acrescem os seguintes factos, que o tribunal decidiu julgar provados.

FUNDAMENTOS DE FACTO

FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
1)-A Autora exerce as funções de técnica de mediação imobiliária na empresa, M…Lda., que opera sob a marca “R…”.
2)-A Ré exerce a sua atividade em Portugal, enquanto empresa de mediação imobiliária, sob a marca “J...”, aceitando e propondo acordos de parceria com outras empresas, tendo um departamento exclusivamente dedicado ao registo e aprovação de parcerias, departamento jurídico, departamento financeiro.
3)-Em 14 de Abril de 2020, Ré e M…Lda. acordaram, por documento escrito denominado “Acordo de Parceria” o estabelecimento de um acordo de parceria, com vista à apresentação de potenciais interessados na compra e no arrendamento de imóveis angariados no âmbito de acordos de mediação que a outra haja celebrado com terceiros.
4)-Do aludido acordo constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

2.–Registo de Cliente
Para efeitos do disposto no número anterior, deverá ser efetuado um registo entre as partes de eventuais clientes interessados, respetivamente, em qualquer dos negócios acima descritos, por forma a assegurar que os clientes apresentados por qualquer uma das partes não constam já da base de dados da outra. Para tanto, ambas as partes deverão comunicar à outra para os endereços eletrónicos indicados por escrito para o efeito. Primeiro e último nome do potencial cliente; nacionalidade; 5 primeiros caracteres do email do cliente; Indicativo de País + 5 primeiros dígitos do telefone do cliente; data pretendida para a visita e Imóveis selecionados.
As Partes obrigam-se a responder, pela mesma via e no prazo de 24 horas úteis, transmitindo à outra se o cliente apresentado já consta ou não da sua base de dados. Se o estiver, a visita não poderá ser efetuada pela outra Parte.
Caso o registo for confirmado o mesmo tornar-se-á efetivo e as partes terão direito à paternidade do cliente, durante um período de 60 dias, caso se efetue uma visita no prazo de 7 (sete) dias a contar da comunicação do nome do cliente.
O prazo de 60 dias acima referido poderá ser prorrogado por períodos de 30 dias, nos casos em que comprovadamente se demonstre o interesse do cliente em que o Parceiro mantenha o acompanhamento do cliente.
Fica expressamente entendido que a presente parceria apenas se aplica a clientes novos e ou que não sejam já clientes da outra parte ou não constem da respetiva base de dados.

3.–Remuneração
A Parceira que tiver indicado o cliente, terá direito a uma remuneração da outra, no caso de se concretizar uma venda ou arrendamento com o cliente por si indicado que tenha sido previamente registado e aceite nos termos do número anterior, calculada nos seguintes termos:
Quando acompanha o seu cliente, a remuneração de cada Parceira será de 50% (cinquenta por cento) da comissão efetivamente recebida pela outra do proprietário/promotor do imóvel.
Quando não existe acompanhamento do seu cliente, a remuneração da Parceira será de 30% (trinta por cento) da comissão efetivamente recebida pela outra do
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