Acórdão nº 2456/20.6T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão2456/20.6T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: João Moreira do Carmo
Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA, instaurou contra Generali Seguros, S.A ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Alegou, em síntese:

Celebrou com a ré contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, incluindo várias coberturas facultativas, entre as quais “choque, colisão ou capotamento” e um complemento de “indemnização extra max”.

Sofreu um despiste e que, depois de acionar as referidas coberturas, a ré declinou a assunção da responsabilidade pelo sinistro.

Pediu:

A sua condenação no pagamento da quantia de €14.813,86, a título de indemnização por danos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, a quantia de €3.800,00 a título de indemnização pelo atraso na comunicação da assunção de responsabilidade e €5.954,57 a título de complemento indemnização extra, acrescida de juros.

A ré contestou.

Por exceção, alegou verificar-se uma exclusão contratual na situação em que o sinistrado voluntariamente abandone o local do acidente.

No mais impugnou os factos alegados.

Pediu

A improcedência do pedido.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Atento o exposto, e em consequência, decide-se:---

I – Absolver a ré Generali Seguros, S.A. (anteriormente denominada “Seguradoras Unidas, S.A.”) de todos os pedidos deduzidos pelo autor AA, com as legais consequências.-»

3.

Inconformado recorreu o autor.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Exmo. Senhor Juiz do Juízo Local Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, que ABSOLVEU A RÉ GENERALI SEGUROS S.A. DE TODOS OS PEDIDOS DEDUZIDOS PELO AUTOR, ORA RECORRENTE.

2. Com base na factualidade provada, o Tribunal de 1ª Instância julgou improcedente a ação, por falta de fundamento legal, absolvendo assim na totalidade a Ré de todos os pedidos deduzidos pelo A., ora recorrente, sustentando que: “No caso dos autos, o autor, ao pretender prevalecer-se de um comportamento da ré que apontava num determinado sentido (in casu, formando a expectativa de que iria ser indemnizado em face da proposta da ré) estará a pretender prevalecer-se de um direito que, formalmente, será válido (houve proposta de indemnização e aceitação, logo irrevogabilidade: cf. C. Civil. art. 230º-1), mas na substância, materialmente, é injusto, por exceder os limites impostos pela boa-fé, porquanto não cumpriu com as suas obrigações contratuais, integrando-se os factos que praticou na prevista exclusão contratual de abandono do local do sinistro, pois, ao fazê-lo, ao abandonar o local do sinistro, inviabilizou o apuramento de toda a verdade, nomeadamente, como acima se explanou, se estava ou não a cumprir as prescrições legais que enformam a condução rodoviária.---

Razão por que, ao reclamar da ré o pagamento das quantias peticionadas, actua em evidente abuso do direito ao pretender prevalecer-se da referida expectativa ou esperança que a ré inicialmente lhe criou ou num apenas aparente e colidente venire contra factum proprium da ré seguradora e que consistiria que dar o dito pelo não dito, ou seja, oferecer e depois retirar a proposta indemnizatória, dando origem à presente acção – cf. C. Civil, art. 334º.---

Atento o exposto, conclui-se que à ré assiste o direito legítimo em declinar a responsabilidade pela regularização do sinistro e em recusar o pagamento da indemnização reclamada, com base na supramencionada exclusão contratual, razão por que a acção deve improceder, por falta de fundamento legal.---” (sublinhado nosso).

3. O âmago da divergência do recorrente à aliás douta sentença é quanto a determinação da existência de exclusão da responsabilidade, nomeadamente quanto ao conceito de abandono do local do sinistro.

4. Dos factos assentes não existe nenhum indício que o condutor do veículo, o ora recorrente, tivesse abandonado o local do sinistro para efeitos da exclusão da responsabilidade contratualmente prevista

5. A douta decisão proferida não efetuou uma correta ponderação da prova junta aos autos.

6. O Tribunal a quo considerou para formar sua convicção a prova documental – DOCUMENTO ... – que se reporta à declaração escrita em 19-06-2017, entregue a ré, assinado pelo Autor – ora recorrente, onde refere que “ausentei-me do local de táxi, uma vez ter compromissos muito importantes e estava com pressa.”

7. E, por outro lado e conjugadamente, considerou o depoimento da testemunha BB que “referiu não ter presenciado o acidente, tendo apenas visto uma viatura acidentada na via (…), tendo visto instantes depois “carros enfaixados”, razão por que chamou a polícia, não tendo visto o condutor no local (…)”.

8. Quanto a restante prova testemunhal, nenhuma faz inculcar a ideia de que o recorrente tivesse abandonado o local do acidente para efeitos de exclusão da responsabilidade.

9. Ficheiro_20211125145545_3993154_ 2870955 Testemunha CC

4’55 Mandatária do Autor: E então quando chegou ao local do acidente, encontrou o Senhor AA… 4´59 Testemunha: Ele já não… já não se encontrava no local do acidente. Estava aqui um pouco mais abaixo do local do acidente. Depois, apanhei-o. * * 6’04 Mandatária do Autor: E ele estava sozinho? Havia outras pessoas ali à volta, no passeio, na via…. 6’09 Testemunha: Não… Não havia lá ninguém à volta. * * 17’17 Testemunha: Só ‘Tor… ele pediu me para o transportar ao ..., em .... Foi onde o transportei. Tinha lá a rapariga a espera dele e que não… não sabia do telefone, não tinha telefone para entrar em contacto com (não se percebe) e foi essa a razão que…

10. Ficheiro_20211125152004_3993154_ 2870955 Testemunha DD

8’01 Mandatária do Autor: Na continuidade do Exmo. Senhor Doutor Juiz estava aqui a dizer do hospital, então e se o acidentado não tivesse meios de vos comunicar, podia se deslocar diretamente ao posto para assinalar o acidente? Ou tinha mesmo que ficar lá a espera sem meios de comunicar com o posto? 8’25 Testemunha: Alguém comunicou a ocorrência, não é? Nos dirigimos ao local do acidente e o mesmo já não se encontrava lá. 8’31 Mandatária do Autor: Mas o autor não sabia que alguém tinha comunicado… 8´35 Testemunha: …Comunicado. * * 9’23 Mandatária do Autor: Abandonou o local porque não tinha meios de entrar em contacto consigo certo? 9’23 Testemunha: Certo.

11. Ficheiro_20211125153323_3993154_2870955 Testemunha EE

14’34 Testemunha: O que é importante é… junto da autoridade, tentamos também perceber quem fez o contacto. Esta informação não nos foi dada. Portanto, temo o relato que terá sido pela testemunha.

12. Ficheiro_20220218135333_3993154_2870955 Testemunha BB

2’32 Testemunha: Não presenciei acidente nenhum. * * 3’07 Testemunha: Chamei as autoridades. * * 3’12 Mandatário da Ré: Mas o senhor chegou a ver o condutor a ausentar-se do local. 3’15 Testemunha: Não… Não me recordo não… acho que não. Não estava lá ninguém. * * 8’46 Testemunha: Senhor Doutor, vi o condutor do veículo, do ... branco quando parou à porta a perguntar se o estabelecimento ainda estava aberto. 8´51 Juiz: Ah, mas isso foi antes… 8’52 Testemunha: Foi antes. Agora no embate não vi.

13. Salienta-se desses depoimentos que efetivamente, o condutor do veículo seguro na ré, o ora recorrente, deixou o local onde ocorreu o acidente e se dirigiu, de táxi, para um hotel, sem ter chamado as autoridades policiais (estando sem telemóvel – cf. Testemunha CC) que o vieram a ser mais tarde, por um terceiro, in casu, a testemunha BB e que, portanto, quando a PSP chegou ao local, aquele já não se encontrava no local do acidente.

14. Mas, em nenhum momento é dito pela testemunha BB – alias, nem por qualquer outra, nem se salienta de qualquer prova documental junta aos autos -, que foi comunicado ao condutor do veículo, o ora recorrente/A., que tinha sido efetuado a dita chamada para as autoridades policiais.

15. Ora, o art.º 40º, n.º 1, alínea d) das cláusulas do contrato dispõe: (PONTO 21 DOS FACTOS PROVADOS)

“40.º - Exclusões 1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: (…) d) … bem como quando, voluntariamente e por sua iniciativa, abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade.” (sublinhado nosso).

16. Porquanto, só ocorre a exclusão da responsabilidade, se a autoridade policial já tiver sido chamada no momento do abandono, mais se esse chamamento tiver sido efetuado por terceira pessoa, o condutor do veículo seguro tem de ter conhecimento desse facto.

17. Tal como bem explica o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. 1542/19.0T8LRA.C1.S1, Relator Maria do Rosário Morgado, 18-03-2021, in www.dgsi.pt, jurisprudência a que se adere:

“ (…) na referida cláusula é possível descortinar dois momentos relevantes para a verificação da exclusão: o do abandono do local do acidente antes da chegada das autoridades e o da chamada das autoridades policiais.

Neste contexto, somos levados a considerar que a exclusão da cobertura do sinistro só tem razão de ser se o condutor do veículo, sem motivo que o justifique, abandonar o local do acidente, depois de saber que as autoridades policiais foram chamadas para tomar conta da ocorrência.

Aliás, o segmento final da referida cláusula apenas adquire alguma utilidade quando interpretado no sentido que acabamos de enunciar, ou seja o de que a seguradora apenas poderá opor a exclusão da garantia contratada ao tomador se a autoridade policial tiver sido chamada ao local pelo condutor do veículo ou por outra entidade e, não obstante, aquele, depois disso, tiver voluntariamente e por sua iniciativa,...

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