Acórdão nº 245/15.9BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-05-18

Ano2023
Número Acordão245/15.9BEPDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

B…, melhor identificada nos autos, na qualidade de revertida, deduziu oposição no processo de execução n.º 2992201401228110, instaurado pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada e originariamente instaurado contra a sociedade T… – T… Eletrónica, Lda, com vista à cobrança de € 5.023,13.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, por decisão de 21 de Fevereiro de 2019, julgou a oposição procedente e, em consequência, extinguiu o processo de execução fiscal.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«A) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar os argumentos apresentados pela oponente para daí extrair a prova de que à oponente não é imputável a responsabilidade pela falta de pagamento das dívidas exequendas;

B) A oposição à execução proposta adveio da não entrega ao Estado pela devedora originária do pagamento referente a retenções de IRS, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 02 de junho de 2014, tendo a revertida vindo invocar que não tinha responsabilidade pelo não pagamento das dívidas em causa, pelo que tentou ilidir a presunção de culpa que sobre ela impendia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária;

C) O fundamento do presente recurso é, no essencial, a consideração pelo Tribunal a quo de ter sido a atuação da oponente (gerente de facto e de direito da sociedade), consentânea com a diligência exigida a um gestor médio que se encontrasse na posição da recorrida;

D) Em síntese, o Tribunal a quo entendeu que a apresentação da empresa ao S…, em outubro de 2014, seguida da apresentação a um Plano Especial de Revitalização (PER), em 2015 e, finalmente, o decretamento da insolvência, em 2016, eram suficientes para demonstrarem a falta de culpa da administradora e gerente na insolvência em questão, atribuindo a diminuição de receita a uma quebra progressiva de clientes, que, por sua vez, vem sustentada na crise económica que atravessou o país;

E) Estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT que «Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento», instituindo-se uma presunção «iuris tantum» a favor do Fisco, de culpa na insuficiência patrimonial para a solvência dos créditos exequendos, fazendo impender o ónus probatório da sua inexistência ao obrigado subsidiário;

F) No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), prolatado no âmbito do processo n.º 00921/03, de 03/30/2004, determina-se que «A culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto (a diligência de um bom pai de família), quer no que respeita à responsabilidade extracontratual, quer no domínio da responsabilidade contratual - cf. artigos 487º, n.º 2 , e 799º , n.º 2 do Código Civil; Culpa, no sentido restrito traduz-se na omissão da diligência exigível:- o agente devia ter usado de uma diligência que não empregou - devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar e nem sequer o previu. Ou, se previu, não fez o necessário para o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele se não produzisse»;

G) No mesmo aresto se dispõe que «III- Operando com a teoria da causalidade adequada que se consagra no nosso ordenamento jurídico, para que a actuação do recorrente se pudesse dizer causa do prejuízo era mister que, em abstracto, aquela fosse adequada a produzi-lo, que o prejuízo fosse uma consequência normal típica daquela. E para se poder dizer que a acção ou omissão do recorrente foi adequada à insuficiência do património da empresa para a satisfação dos créditos parafiscais, deve seguir-se o processo lógico da prognóse póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo «ex ante» .

IV- E a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano e que não pode existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.

V- Pode dizer-se que o resultado danoso se ficou a dever fundamentalmente a deficiente gestão do oponente que sabia que a empresa vinha enfrentando dificuldades para solver os créditos, e, apesar disso, manteve a situação de crise financeira não accionando um dos meios legais atinentes de protecção dos credores, «maxime» a falência, quando o património societário já era manifestamente insuficiente para que os créditos fossem satisfeitos.

VI- Assim, o recorrente não fez o que lhe era exigível perante a situação económica e financeira em que se encontrava a empresa, sendo censurável o se comportamento como gerente ao deixar a sociedade "em roda livre"».

H) Daqui se extrai que o resultado danoso ficou a dever-se «fundamentalmente a deficiente gestão do oponente que sabia que a empresa vinha enfrentando dificuldades para solver os créditos, e, apesar disso, manteve a situação de crise financeira não accionando um dos meios legais atinentes de protecção dos credores, «maxime» a falência, quando o património societário já era manifestamente insuficiente para que os créditos fossem satisfeitos»

I) No caso sub judice, o que o Tribunal a quo conclui é diametralmente oposto a este Acórdão que, inter alia, estabelece critérios de aferição da culpabilidade do gestor, visando a proteção dos credores, pois verificou o Meritíssimo Tribunal a quo que «os documentos juntos aos autos demonstram uma progressiva “quebra” de faturação e resultados líquidos negativos francamente mais volumosos a partir de 2014 e 2015», e que «a sociedade devedora originária declarou, em 2011, ter prestado serviços e vendas no valor global de € 2.723.938,17, sendo o resultado líquido negativo de apenas € 1.090,07»

J) Não se compreende o facto de o Tribunal a quo admitir que a testemunha C… foi contratada em novembro de 2014, tendo a empresa não procedido ao pagamento do IRS retido, cujo pagamento era devido junho de 2014, e daí não extrair conclusões clarividentes acerca da gestão medianamente «diligente» e da não produção de prova de falta de responsabilidade na não solvabilidade das dívidas fiscais da empresa da recorrida;

K) A testemunha D… explicou as razões para a quebra de faturação, sendo atribuída à dependência quase exclusivamente de um cliente, o que, no entendimento da Fazenda Pública, não é avisado fazer depender a faturação quase exclusivamente de um cliente, ainda que a testemunha tenha afirmado que o cliente tenha acabado por pagar a totalidade do que devia;

L) Sobre este último aspeto, estabelece o corpo do Acórdão do TCAS, no âmbito do processo n.º 08445/15, de 05/21/2015, que «para precaver a situação de quase total dependência da empresa face a um único fornecedor, devia a gerência procurar novos fornecedores de serviços. Se acaso tal não fosse possível, então devia ponderar o pedido de insolvência em momento temporal anterior àquele em que se viria a verificar, assim prevenindo o aparecimento de dívidas da sociedade», podendo concluir-se que não pode ser atribuído apenas ao incumprimento deste cliente da devedora originária a falta de solvabilidade das obrigações fiscais da empresa, pois um gestor medianamente diligente não acumularia dívida nos termos em que o gestor da devedora originária acumulou, com os resultados que se conhecem;

M) Tendo o principal cliente da devedora originária procedido ao pagamento da totalidade do que devia e não tendo, ainda assim, o administrador/gerente procedido à regularização das dívidas fiscais que detinha, in casu, em sede de IRS (e de IVA), recorda-se aqui que o IVA – como bem entendeu o Tribunal a quo – nem é um encargo da devedora originária, devendo entregá-lo após o seu recebimento, funcionando como fiel depositário, pois o dinheiro foi-lhe entregue pelo consumidor final para ser depositado nos cofres do Estado, não cabendo a um gerente medianamente diligente colocá-lo no fluxo financeiro da empresa para solver outras obrigações;

N) E o mesmo se diga do IRS retido, que foi declarado como tendo sido retido na fonte por se referir aos rendimentos dos trabalhadores, não tendo sido posteriormente entregue ao Estado, embora os trabalhadores em referência tenham, certamente, declarado o IRS do seu salário que foi retido na fonte e tenham beneficiado das retenções-fantasma declaradas e nunca entregues;

O) O Tribunal a quo determinou em 20) dos factos dados como assentes que «Em 2011, 2012 e 2013, a sociedade T…, Lda., pagou diversos montantes a título de IVA, IRS e coimas fixadas em processos de contraordenação, nos termos do doc. n.º 6, apresentado com a petição inicial, de fls. 55 a 101 do suporte físico do processo», o que, desde logo, demonstra um histórico de incumprimentos e de cumprimentos forçados, que não poderá abonar em favor da diligência do gestor mediano, antes podendo ler-se como a prática reiterada de omissões de diligência na solvabilidade das dívidas fiscais;

P) Conforme se dispõe no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), no âmbito do processo n.º 00334/04, de 09/22/2005,...

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