Acórdão nº 2449/21.6T8PRD-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-30

Ano2022
Número Acordão2449/21.6T8PRD-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 2449/21.6T8PRD-B.P1

Sumário.
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1). Relatório.
O Ministério Público veio instaurar, na sequência de pedido da congénere suíça da Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, autoridade central para a Convenção de Haia sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças, de 25/10/1980,
Processo para entrega judicial de crianças, nos termos dessa convenção e do disposto no artigo 49.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, contra
AA, residente na Rua ..., ..., Felgueiras, pai de BB e CC, também filhos de
DD, residente em ..., ..., ... ..., Suíça.
Os presentes autos iniciaram-se por apenso ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais referente àquelas crianças, entretanto declarado suspenso, por força do disposto no artigo 16.º, da aludida Convenção.
A progenitora impulsionou, em 16/11/2021, junto da autoridade competente na Suíça, o pedido de regresso imediato das crianças, alegando que, por volta de 27/10/2021, o pai levou os filhos, de carro, para Portugal, sem o seu consentimento.
O progenitor, tendo tido conhecimento da atuação da mãe das crianças por a Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais o ter notificado para aferir se entregava as crianças voluntariamente, pronunciou-se sobre o mesmo, alegando em resumo que:
. viveu em situação análoga à dos cônjuges com a requerente desde 2014, sempre residindo na Suíça;
. apesar de terem regulados as responsabilidades parentais em 03/03/2020, continuaram a viver juntos, só se tendo desentendido um com o outro em julho de 2020, mas voltando a viver juntos pouco tempo depois;
. por serem ambos consumidores de substâncias estupefacientes, a progenitora várias vezes lhe dizia para trazer as crianças para Portugal;
. depois de ter sofrido um acidente na Alemanha, decidiu que não voltaria a consumir e, agravando-se o estado da progenitora, com o acordo desta, trouxe os filhos para Portugal, onde chegou em 25/10/2021;
. a progenitora assinou um documento a autorizar um acordo de promoção e proteção;
. os menores são felizes e estão bem adaptados à vida em Portugal.
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Foi marcado dia para audição da criança BB (artigo 49.º, n.º 2, do R. G. P. T. C.), com acompanhamento de técnico da E. M. A. T. e também para se ouvirem os pais e a gestora do processo que correu seus termos na C. P. C. J. P. de ....
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Em 21/02/2022 a progenitora apresentou articulado onde manifesta a sua adesão ao pedido do M.º P.º, alega que o pai veio para Portugal para se eximir à atuação da justiça alemã e por causa do acidente que sofreu (conduzia sob a influência de substâncias psicotrópicas e feriu gravemente um cidadão alemã) e nega que tenha dado consentimento a tal vinda dos filhos para Portugal.
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Realizou-se a mencionada diligência, em 24/02/2022, foram ouvidas as pessoas acima referidas e designado dia para audição de testemunhas indicadas pelos progenitores.
Mais se consignou que «iniciada a diligência …a Mm.ª Juíza de Direito determinou se iniciasse com a inquirição da criança BB, na ausência dos ilustres mandatários e das partes e com a presença da Sr.ª Técnica da Segurança Social, Dra. EE, indicada para o acompanhar nesta diligência dada a sua idade, mais determinando que as declarações sejam reduzidas a escrito, uma vez que a sala em que se realiza a diligência (biblioteca) tem sistema de som deficiente, não sendo possível assegurar a sua fiabilidade.».
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Em 11/03/2022 realizou-se a mencionada diligência, tendo sido juntos documentos (prints de conversações telefónicas).
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O M.º P.º, finda a produção de prova, pronunciou-se no sentido de ser ordenado regresso dos menores à Suíça.
Em 29/03/2022 o tribunal recorrido profere decisão com o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo procedente a ação e determino o regresso imediato de BB e de CC à Suíça, onde devem ser entregues a DD, sua progenitora.
Fica o progenitor requerido notificado para, em 10 dias, proceder à entrega das crianças nesse país à progenitora, na morada desta, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (artigo 49.º, n.º 6, do RGPTC).
No fim deste prazo, determino que se contacte a progenitora e seu ilustre mandatário, por contacto telefónico, para informar se as crianças lhe foram entregues, subsequentemente se concluindo os autos com a sua resposta.».
Após várias vicissitudes, tendo sido ordenada a entrega dos menores através de entidade policial, a referida entrega efetivou-se, à progenitora, em 22/04/2022, às 18.00 horas.
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Em 22/04/2022, dá entrada de recurso, incidente sobre a decisão de regresso dos menores à Suíça, interposto pelo progenitor, com as seguintes conclusões:
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Contra-alegou o M.º P.º, pugnando pela manutenção do decidido.
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As questões a decidir são:
. validade das transcrições, em autos, das declarações da criança BB, progenitores e Presidente da C. P. C. J. P. de ....
. preenchimentos dos pressupostos para se ordenar o regresso das crianças para a Suíça, ao abrigo da acima referida Convenção de Haia sobre os aspetos civis do rapto internacional de crianças.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
Resultaram provados os seguintes factos:
«a) BB e CC nasceram, respetivamente, nos dias ... de ... de 2015 e ... de ... de 2019, em ..., Suíça, e são filhos de AA e DD.
b) Os progenitores viveram em condições análogas às dos cônjuges desde data não determinada do ano de 2014 até data não concretamente apurada do ano de 2019, em que cessaram o seu relacionamento pessoal e a sua convivência em comum.
c) Após a rutura do seu relacionamento, os progenitores continuaram ambos a cuidar das crianças, de acordo com as respetivas disponibilidades profissionais e pessoais, tendo o progenitor passado a residir sozinho noutra habitação e mantendo-se a progenitora com as crianças na casa em que anteriormente todos habitavam.
d) O progenitor deslocava-se com muita frequência a casa das crianças e da progenitora, aí convivendo com os filhos e tomando por vezes algumas refeições, assim como ambos os progenitores continuaram a fazer atividades de lazer e passeio juntos com as crianças.
e) Por decisão do Serviço de Proteção de Menores e Adultos, de Thun, de 03/03/2020, foi aprovado o acordo dos pais relativamente à obrigação alimentar a prestar pelo progenitor às crianças, tendo nessa sede os progenitores declarado que não viviam no mesmo agregado familiar e que exerciam em comum os direitos em relação aos seus filhos, residindo estes com a mãe em ..., ..., ... ....
f) Por seu turno, o progenitor residia então em ... ..., ..., ....
g) As crianças encontravam-se a viver com a sua mãe naquela morada, nas circunstâncias acima descritas, até ao passado dia 27 de outubro de 2021, data em que o progenitor, sem o comunicar previamente à progenitora e sem obter o acordo desta, foi buscar as crianças a casa de uma amiga da progenitora, onde se encontrava com os filhos para convívio, levando-as consigo, sem informar para onde ia e fazendo-a crer que as iria levar a casa, tendo ido buscar os seus pertences, deslocando-se de seguida e de imediato para Portugal, de veículo automóvel, até Felgueiras, onde fixou residência em casa dos seus avós paternos.
h) O progenitor inscreveu o seu filho BB na escola da sua área de residência, frequentando atualmente o primeiro ano de escolaridade. i) A criança está ainda inscrita em centro de atividades de tempos livres e frequenta a catequese.
j) Na Suíça, BB frequentava estabelecimento de ensino pré-escolar e CC era cuidado por uma ama em período diurno, nas ausências em trabalho dos pais.
k) A progenitora beneficia de apoio familiar, nomeadamente dos seus pais e de outros familiares próximos, que residem nas imediações da sua habitação, colaborando estes, quando necessário, com cuidados a prestar às crianças.
l) O progenitor tem o auxílio dos seus avós, de 68 e 71 anos de idade, reformados, no cuidado diário às crianças, desde que estas se encontram na respetiva residência, colaborando com o progenitor.
m) A criança BB declarou que gostaria de permanecer em Portugal, nos termos e pelas razões descritas na ata da diligência de 24/02/2022, cujo teor se daqui por integralmente reproduzido.
o) Ambos os pais consumiam, em data aproximada àquela em que o progenitor se deslocou para Portugal com as crianças, substâncias estupefacientes (canabinóides), em contexto recreativo, sendo que o progenitor consumira também no passado anfetaminas.
p) Atualmente, não existe registo conhecido de consumo dessas substâncias estupefacientes por qualquer dos progenitores.
q) Desde que se encontram em Portugal, as crianças têm mantido contacto com a mãe, através de videochamadas diárias, e em visitas que a progenitora tem feito pessoalmente aos filhos, tendo-se deslocado da Suíça a Portugal para esse efeito, por várias vezes, até à presente data.
r) Ambos os progenitores se encontram empregados, trabalhando o progenitor numa empresa de cortes, em Felgueiras, em horário de trabalho de oito horas diárias, e a progenitora como assistente num lar de idosos na cidade suíça em que habita, com horários rotativos, especialmente ocupando a parte da manhã e com saída geralmente às 16 horas.
s) No dia 16/11/2021, a progenitora, junto das autoridades competentes para o efeito na Suíça, requereu o regresso imediato das crianças.».
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E resultaram não provados:
«1. À data em que foi proferida a decisão referida em e) dos factos provados, os progenitores mantinham ainda o seu relacionamento pessoal, vivendo com as crianças na mesma habitação, em condições análogas às dos cônjuges.
2. Os progenitores apenas declararam junto dos Serviços de Proteção a Menores e Adultos de Thun, no sentido aí plasmado, com objetivo de que fossem concedidos e entregues a progenitora benefícios sociais e prestações de valor monetário superior ao que recebiam até então, por as
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