Acórdão nº 2444/20.2T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25-01-2023
Data de Julgamento | 25 Janeiro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2444/20.2T8STB.E1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 2444/20.2T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:I – RELATÓRIO
1. AA, Autora no processo acima identificado, notificada do despacho saneador-sentença que absolveu da instância os Réus BB e CC[3], e não se conformando com tal decisão, apelou, formulando as seguintes conclusões:
«a) O Tribunal a quo proferiu uma decisão-surpresa, porquanto é incontroverso que as partes não foram previamente notificadas da possibilidade do Tribunal decidir com base nestes outros fundamentos: preclusão do direito invocado pela Autora, pela sua não dedução na contestação apresentada no processo n.º 1348/12.7TBSTB (primeiro processo) e a conclusão que esta ação não é o meio idóneo para que a A. logre uma decisão obstativa da eficácia de uma outra decisão transitada em julgado, o que é impeditivo ao conhecimento do mérito, pois o facto impeditivo da obrigação declarada por sentença só poderá / poderia ser deduzido em sede de oposição à execução e não num outro processo qualquer (vd. art.º 729, al. g), do CPC).
b) Com a notificação do despacho de 18-02-2022, o Tribunal a quo deu oportunidades às partes para se pronunciarem apenas sobre o seguinte: o facto de o argumento da A. de que só posteriormente ao trânsito em julgado da decisão proferida no pº que correu termos no Juízo Central Cível – J2, sob o n º 1348/12.7, é que teve conhecimento da existência do contrato de arrendamento escrito que apresentou, só poder ser invocado em sede de recurso de revisão, nos termos do disposto no artº 696º, al. c) do CPC, a ser apresentado junto do processo onde foi proferida a decisão já transitada em julgado.
c) Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do CPC, incorre-se numa nulidade da própria decisão por excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos art.s 615º, nº 1, al. d), 666º, n.º 1, e 685º, todos do CPC.
d) Nulidade que se invoca, desde já, para todos os efeitos legais.
e) O Tribunal a quo violou de forma clara a lei processual, por erro de interpretação e de aplicação de determinados preceitos legais e de determinados princípios, nomeadamente dos constantes nos art.ºs 564º, al. c), 573º, 576º, n.º 2, 729º, al. g), 728º e ss., todos do CPC, e do Princípio da preclusão e concentração dos meios de defesa.
f) As ações de simples apreciação são meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efetiva, quer receada. Versam, pois, situações em que se visa, apenas, a certificação do direito. Nas ações de simples apreciação, a apreciação é o fim único da atividade jurisdicional (sublinhado e negrito nossos) (Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 1981, pp. 126 – 127).
g) Dos autos resulta que a Recorrente intentou uma ação de simples apreciação sob a forma positiva, visando obter unicamente a declaração da existência de um facto, consistente no contrato de arrendamento rural sobre o prédio misto de que os Recorridos são os proprietários.
h) A presente ação é apenas uma ação de simples apreciação positiva, que tem como único objetivo pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência ou inexistência do contrato de arrendamento.
i) A presente ação tem como causa de pedir o Contrato de Arrendamento Rural em vigor entre a Autora e os Réus (pelo menos desde data anterior a 1960), o qual não foi objeto de discussão, nem de facto nem de direito, no Proc. n.º 1348/12.7, apesar de aí ter sido reconhecido e aceite por ambas as partes (cfr. n.ºs 4 e 6 dos Factos Provados, in Douta Decisão Recorrida).
j) Com a instauração dos presentes autos a Autora pretende obter unicamente uma decisão judicial de reconhecimento da validade e vigência do Contrato de Arrendamento em causa.
k) O reconhecimento da existência e validade do referido contrato, depende, desde logo, da existência e da exibição do respetivo contrato escrito.
l) A alegação da existência e validade do contrato de arrendamento rural deve ser acompanhada de um exemplar escrito do contrato, sob pena de extinção da instância nessa parte (cfr. art.º 35º, n.º 5 do RAR).
m) Só após a localização do Contrato de Arrendamento escrito (o que aconteceu posteriormente ao transito em julgado da sentença proferida no Proc. n.º 1348/12.7) foi possível invocar a sua existência, validade e vigência.
n) O reconhecimento da existência, validade e vigência do Contrato de Arrendamento em causa não obsta em nada ao efeito da decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 1348/12.7, pois em nada colide com o reconhecimento dos ora Réus (então Autores) como os únicos e exclusivos proprietários da Quinta ....
o) A decisão tomada no Processo n.º 1348/12.7 não poderá ser diretamente afetada por qualquer decisão que venha a ser tomada nos presentes autos, sendo imutável relativamente a esta.
p) O referido processo teve como causa de pedir a escritura pública de justificação notarial por usucapião, celebrada pelas então Rés (ora Autora) e junta à p.i. dos referidos autos como Doc. 1 (cfr. Certidão Judicial com o Código de Acesso: ..., junta aos autos com o Requerimento com a Ref.ª 39136923, em 11.06.2021).
q) No Processo n.º 1348/12.7 TBSTB (Ação de Impugnação de Justificação Notarial por Usucapião) discutiu-se, pois, exclusivamente o direito de propriedade sobre a Quinta em causa, a Quinta ..., tendo o Tribunal decidido que os então Autores eram os seus únicos e exclusivos proprietários.
r) No Processo n.º 1348/12.7 TBSTB não se discutiu nem se analisou, nem tinha que se discutir e analisar, o contrato de arrendamento existente e em vigor entre a ora Autora (Ré no Proc. n.º 1348) e os ora Réus (Autores no Proc. n.º 1348), já que se tratava exclusivamente de uma ação de justificação notarial por usucapião, estando apenas em causa o direito de propriedade sobre o prédio.
s) A sentença proferida no Proc. n.º 1348/12.7, que reconheceu os ora Réus como únicos e exclusivos proprietários do prédio em causa, não deixará, pois, de produzir os seus efeitos após ser proferida decisão nos presentes autos de reconhecimento da existência, validade e vigência do Contrato de Arrendamento em causa (cujo respetivo documento escrito só foi localizado posteriormente ao transito em julgado da sentença proferida no Proc. n.º 1348/12.7).
t) Os processos em causa são totalmente distintos, têm pedidos, causas de pedir e efeitos jurídicos distintos, pelo que os efeitos jurídicos da decisão a proferir nos presentes autos não impede nem obsta aos efeitos jurídicos da decisão que foi proferida no Proc. n.º 1348/12.7.
u) Com a instauração dos presentes autos, onde é junto o Contrato de Arrendamento escrito e invocado que o mesmo só foi localizado/obtido e conhecido posteriormente ao trânsito em julgado da decisão proferida no Proc. n.º 1348/12.7, a Autora (ora Recorrente) pretende apenas e só o reconhecimento da existência, validade e vigência do referido contrato.
v) A presente ação não representa uma reação da Autora, ora Recorrente, à execução contra si instaurada, pelos ora Réus e Recorridos, com base na sentença proferida no Processo n.º 1348/12.7TBSTB.
w) Não tem qualquer razão o Tribunal a quo quando conclui que o seguinte: “Mas ainda assim, estando em causa um facto extintivo da obrigação declarada por sentença, o mesmo só poderá / poderia … ser deduzido em sede de oposição à execução e não num outro processo qualquer …”
x) O Tribunal a quo acaba por concluir, e bem, que dos autos não constam elementos que permitam concluir pela preclusão do direito da Autora.
y) De acordo com o estabelecido no art.º 573º do CPC, na contestação devem ser esgotados todos os argumentos de defesa de que se dispunha àquele momento, ficando-se impedido de invocar, mais tarde, no próprio ou noutro processo, meios de defesa que tenham sido omitidos na contestação (sublinhado e negrito nossos).
z) No caso concreto, aquando da contestação deduzida no Processo n.º 1348/12.7TBSTB a Recorrente não dispunha nem tinha conhecimento do Contrato de Arrendamento Rural escrito, pelo que não o omitiu voluntariamente no primeiro processo. Só em momento posterior é que a Recorrente obteve e teve conhecimento do Contrato de Arrendamento Rural escrito. À data da apresentação da contestação no Processo n.º 1348/12.7 TBSTB, a Recorrente (então Ré) desconhecia e não tinha ao seu alcance um exemplar escrito do referido contrato de arrendamento.
aa) Tendo em conta o pedido deduzido na p.i. do Processo n.º 1348/12.7 TBSTB, não era relevante para a defesa da então Ré a alegação da existência e validade do contrato de arrendamento em causa (vd. Blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.pt/), Paper 199, de 03.05.2016, pág. 3, sob o título “Preclusão e caso julgado”, do Professor Teixeira de Sousa).
bb) Como é reconhecido na Douta Sentença Recorrida, “não está verificada a exceção de caso julgado: quer na vertente negativa, de restrição à posterior apreciação dos fundamentos ali invocados (no primeiro processo), quer na vertente positiva, de imposição da decisão ali proferida.” Por conseguinte, não se mostra impedido o prosseguimento da presente ação, por via da autoridade de caso julgado projetada pela decisão transitada em julgado na primeira ação (Processo n.º 1348/12.7 TBSTB).
cc) Contrariamente ao concluído pelo Tribunal a quo, na situação em apreço a existência e validade do contrato de arrendamento não teria que ter sido excecionada na contestação à ação n.º 1348/12.7 TBSTB, até porque a então Ré não disponha de um exemplar escrito do contrato para juntar à dita contestação.
dd) Com os presentes autos, a Autora, ora Recorrente, pretende obter unicamente uma decisão judicial de reconhecimento da existência, validade e vigência do Contrato de Arrendamento Rural em causa. Pelo que, a presente ação é o meio idóneo para que a Autora logre...
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