Acórdão nº 24405/16.6T8SNT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-10

Ano2022
Número Acordão24405/16.6T8SNT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
J……todos melhor identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa na forma de processo comum, contra:
C… LDA, com sede na Rua …pedindo:
- que se reconheça que a Ré quebrou o compromisso constante do acordo judicial referido na p.i.
- que se condene a Ré a reconhecer que violou o princípio da boa fé ao recusar-se a celebrar o contrato definitivo;
- que se condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores, relativamente ao imóvel a que se referem os autos e a entregá-lo, de imediato, livre e desocupado;
- se condene a Ré a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia de €2500,00/mês, desde a data da citação até efetiva restituição do imóvel.
Subsidiariamente pediram os Autores que:
- se declare formalizado o contrato de arrendamento, com as cláusulas constantes da transação judicialmente homologada;
- se declare a resolução do contrato, condenando a Ré a entregar o imóvel livre e devoluto, assim como a pagar as rendas vencidas e que se vencerem.
Para tanto, alegam, em síntese o seguinte:
São proprietários do prédio urbano sito na Rua ...
Por escrito particular, datado de 1 de Janeiro de 1994, os Autores e o anterior proprietário celebraram com a Ré um contrato promessa de arrendamento que teve por objecto o referido prédio, pela renda estipulada de 310 000$00, o qual se destinou ao exercício da indústria hoteleira, casa de hóspedes, pensão, residencial, lar de idosos e lar de estudantes, sendo que o contrato definitivo nunca chegou a ser celebrado.
Numa acção judicial que correu termos no Tribunal de Sintra, foi celebrado termo de transação entre os então autores e a Ré , no qual se comprometeram a celebrar um novo contrato de arrendamento relativo ao imóvel até ao dia 30-04-2015, pelo prazo de 5 anos e pela renda mensal de € 2500,00.
Após a celebração de tal acordo, no Tribunal, os Autores foram confrontados com sucessivas exigências da Ré, de introdução de novas cláusulas e alterações de outras, nomeadamente de data de início e duração do contrato.
Os Autores não aceitaram a alteração do prazo do contrato e , em 12 de Abril de 2016, remeteram à mandatária da Ré a última versão do contato, sendo que desde então, até ao presente, a Ré e o seu legal representante se remeteram ao silêncio.
Cansados, os Autores deram por encerradas as negociações, e requereram a notificação judicial avulsa da Ré, notificando-a para comparecer na sede da Associação Lisbonense de Proprietários, no dia 29-6-2016, para se proceder à assinatura do contrato. Porém, o legal representante da Ré não compareceu à assinatura do contrato e enviaram ao Autor uma carta referindo “o impedimento legal derivado da falta de licença de utilização e certificado energético, requisitos a cargo dos senhorios”.
Alegam que estas desculpas da Ré são infundadas.
De qualquer modo, independentemente de não ter assinado o contrato, a Ré liquidou as rendas referentes aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2015, o que parece significar que a Ré aceitou as condições principais do contrato, aceitando tal clausulado.
Porém, a Ré não pagou a renda de Outubro de 2015, nem as posteriores, no valor de € 2500,00 cada, o que constitui fundamento legal de resolução do contrato.
Terminam pedindo a procedência da acção.
Devidamente citada, veio a Ré contestar e deduzir pedido reconvencional.
Alegou a Ré que o contrato-promessa vigorou até à instauração da acção, pelo que os senhorios, mensalmente, passaram um recibo das rendas, sendo que à data da
instauração da acção, todas as rendas estavam pagas. Por outro lado, relativamente à essencialidade da licença e do certificado energético os mesmos eram absolutamente indispensáveis sob pena de nulidade do contrato. O acordo alcançado em termos de transação não pode vincular à outorga de um contrato em violação da lei. A Ré está pronta para formalizar e cumprir a transação, mas deverão primeiro ser sanadas, pelos senhorios, a falta de licença de utilização. A Ré ignorava que o edifício não tinha licença de utilização.
Em reconvenção, a Ré pede que se condenem os Autores a pagar-lhe a título de indemnização pela impossibilidade do exercício de actividade no locado, resultante da falta de licença, à razão de € 2000/mês contados desde o 1.º mês do contrato, até à obtenção da licença de utilização do locado pelos Autores, a liquidar em execução de sentença. Pede ainda que os Autores sejam condenados a reconhecerem o direito de retenção da Ré sobre o locado.
Termina, assim, requerendo a improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido e procedência da reconvenção.
Os Autores responderam pugnando pela improcedência da reconvenção.
Decorridos todos os trâmites legais, realizou-se o julgamento e seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente e, consequentemente:
(a)Condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores e habilitados sobre o prédio, constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua, descrito na Conservatória de Registo Predial de Queluz sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Massamá e Monte Abraão sob o artigo ...
(b) condenou a Ré a reconhecer o incumprimento definitivo do contrato promessa de arrendamento, celebrado através de transação judicialmente homologada;
(c) condenou a Ré a entregar aos Autores, livre e desocupado de pessoas e bens o imóvel descrito em a);
(d) condenou a Ré no pagamento aos Autores, a título de indemnização, da quantia de €2500,00 por cada mês de ocupação do imóvel, desde a citação até efectiva restituição do mesmo aos Autores.
Absolveu os Autores/reconvindos do pedido contra eles deduzido pela Ré.
Inconformada com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, formulando, no essencial, as seguintes conclusões:
4.ªA Douta Sentença recorrida encontra-se inquinada de erros sobre o julgamento da matéria de facto, conforme se irá expor nas subsequentes conclusões e que determinam a sua impugnação e reapreciação com base em prova gravada e outros elementos probatórios que constam dos autos, que expressamente se indicam a seguir, bem como sentido das decisões de facto que se devem proferir:
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO:
essencialidade de consignar nos factos provados a concreta utilização acordada entre as partes para o prédio prometido locar para poder conhecer da questão de existência, ou não, de necessária e adequada licença da utilização estipulada pelas partes (Qual a utilização que foi licenciada para tal prédio? Habitação OU comércio OU serviços OU outra utilização? A uitilização licenciada adequa-se, ou não, à prometida e convencionada pelas partes?).
A cláusula 7ª da minuta de contrato definitivo apresentada pelos Recorridos à Recorrente através da notificação judicial avulsa identificada no ponto nº 20 dos factos provados consta o seguinte, escrito pelo punho dos próprios Recorridos:
«7ª-O local arrendado destina-se à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia autorização escrita dos senhorios, reconhecendo estes que, nesta data, as fracções do imóvel se encontram remodeladas e já com todas as obras de adaptação executadas em função das finalidades ajustadas, isto é, de residencial, pensão, lar de idosos ou de estudantes, as quais foram realizadas pelo segundo outorgante, que suportou os seus custos, com o conhecimento e autorização dos senhorios»
Esta concreta finalidade do arrendamento prometido entre as partes é essencial ao julgamento da presente causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito - uma das operações realizadas pelo Tribunal “ a quo” no julgamento da presente causa foi a de apurar da existência, ou não, de licença de utilização referente ao locado.
- Para aferir da existência, ou não, de tal necessária licença, é forçoso saber que tipo de utilização foi convencionada entre as partes – o que erradamente não consta da matéria de facto provada, apesar de em sede de julgamento ter sido realizada toda a prova necessária para tal efeito, conforme se passará, a seguir, a indicar.
O tipo de utilização do locado definido pelas partes deverá – conforme exige o DL 64-A/2000, de 22.04 – encontrar-se licenciado pela respectiva Câmara Municipal, sob pena de nulidade do contrato de arrendamento.
O Tribunal “ a quo” não pode aferir da existência, ou não, de licença de utilização relevante para validade formal de um contrato de arrendamento, sem, antes, determinar a concreta finalidade do arrendamento, ou seja, o tipo de utilização do locado acordada entre senhorio e inquilino para o locado.
No caso dos autos, a Douta Sentença recorrida, em sede de “factos provados” e também a propósito do Direito, discorre sobre licença e utilização em termos genéricos, sem identificar: nem a concreta utilização determinada pelas partes para o locado, nem os termos de qualquer concreta utilização (Habitação? Comércio? Serviços? Outros fins?) que tenha sido “licenciada” para o prédio identificado nos autos.
É, assim, manifesto o erro grave de julgamento que a inquina “ab initio” – pois é certo que competiria aos Recorridos provar que o locado apresentaria todos os requisitos legais para outorga do contrato de arrendamento em 29/06/2016, nos termos da minuta que se encontra junta à notificação judicial avulsa que promoveram para tal efeito.
MEIOS PROBATÓRIOS QUE DETERMINAM DEVER SER JULGADO PROVADO E INSERIDO NOS FACTOS RELEVANTES QUE O ARRENDAMENTO PROMETIDO ENTRE RECORRENTE E RECORRIDOS através da transação referida no ponto 5. dos factos provados se destina “…à instalação de uma residencial, pensão e lar de idosos ou estudantes, não podendo dar-lhe outro uso, nem sublocá-lo, no todo ou em parte, sem prévia
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