Acórdão nº 2440/21.2T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21-03-2024

Data de Julgamento21 Março 2024
Ano2024
Número Acordão2440/21.2T8VCT-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA, veio instaurar ação declarativa, com processo comum, contra:
1. BB;
2. EMP01..., Lda; e
3. CC,
deduzindo impugnação pauliana, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, declarada a ineficácia em relação ao autor dos negócios identificados na PI, em concreto:
a) do negócio realizado entre o primeiro réu e a terceira ré, que implicou a transmissão da quota (única) de que aquele era titular na sociedade DTC Inc Unipessoal, Lda, também aqui ré, para a sua mãe, a terceira ré; e
b) do negócio de aquisição de mobiliário, formalmente concretizado pela segunda ré, dos bens já discriminados, mas de que foi materialmente beneficiário o primeiro réu.
Para tanto alega, em síntese, que lhe foi proposto pelo primeiro réu a aquisição de metade do capital de uma sociedade comercial de que aquele era sócio, bem como 50% do imóvel onde aquela desenvolvia a sua atividade comercial e, atendendo às informações que lhe foram veiculadas pelo primeiro réu, o autor acabou por aceitar, tendo entregue àquele a quantia de €130.000,00, tendo o réu omitido ao autor que a referida sociedade se encontrava em falência técnica e o imóvel pertencia a uma sociedade financeira, com a qual o primeiro réu, juntamente com outras duas pessoas, estabelecera um contrato de locação financeira.
Em face do exposto, o autor intentou ação declarativa com processo comum, que correu termos junto do Juiz ... do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, sob o nº 1002/18...., contra o primeiro réu, em 19 de março de 2018, tendo este sido condenado, por decisão proferida em 09 de setembro de 2019, que transitou em julgado, após recurso, a pagar ao autor a quantia de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação em relação a si promovida nos autos em que a sobredita decisão foi proferida, até efetivo e integral pagamento, e a pagar ainda a quantia de €1.000,00 (mil euros), também ela acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento.
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Os réus DTC Inc., Unipessoal, Lda e CC apresentaram contestação onde concluem entendendo que deve a presente ação ser julgada inteiramente improcedente, por não provada, dela se absolvendo os 2º e 3º réus do pedido formulado pelo autor.
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B) Foi elaborado despacho saneador onde se decidiu julgar parcialmente nulo o processo, com fundamento na parcial ineptidão da petição inicial, relativamente ao peticionado na alínea b), do petitório, e, consequentemente, foi absolvida a ré EMP01..., Lda da instância relativamente a esse pedido.
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C) Inconformado, veio o autor AA interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, tendo sido proferido Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, na parte em que declara a ineptidão parcial da petição por contradição entre a causa de pedir e o pedido.
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D) Os autos baixaram à 1ª instância tendo sido proferido o despacho de 08/01/2023, com o seguinte teor:
Na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos presentes autos (no apenso A) e do despacho de 07.10.2022, passa-se a conhecer da manifesta inviabilidade do peticionado na alínea b), do petitório.
O autor peticionou, na referida alínea e estribando-se no regime da impugnação pauliana (cfr. artigos 610º, e seguintes, do Código de Processo Civil), a ineficácia “do negócio de aquisição de mobiliário, formalmente concretizado pela segunda ré, dos bens já discriminados, mas de que foi materialmente beneficiário o primeiro réu”.
Ainda que perfunctoriamente passemos os olhos pelo regime da impugnação pauliana.
Os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor se concorrerem as circunstâncias seguintes:
a) ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
b) resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa possibilidade (artigo 610º do Código Civil) (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1987, pp. 625 e seguintes).
Através da impugnação pauliana o credor reage contra os atos celebrados pelo devedor em seu prejuízo. O devedor vende ou doa os seus bens, tornando-se insolvente ou criando uma situação de provável insolvência. Tais atos poderão ser impugnados pelo credor.
Exige a lei, como primeiro requisito, que o ato envolva diminuição da garantia patrimonial, isto é, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601º do Código Civil, respondem pelo cumprimento da obrigação. Essa diminuição tanto pode resultar da diminuição do ativo como do aumento do passivo. Mas esta exigência deve ser interpretada em harmonia com o disposto na alínea b). É necessário que resulte do ato a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade. Conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 1972, “é à data do ato impugnado que se deve atender para determinar se dele resulta a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade; por isso, se, nessa data, o obrigado ainda possuía bens de valor bastante superior ao montante do crédito, a impugnação deve ser julgada improcedente”.
Exige ainda o artigo que o ato praticado pelo devedor não seja de natureza pessoal.
Exige, por último, a alínea a) que o crédito seja anterior ao ato ou, sendo posterior, tenha sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
Conforme preceitua o artigo 611º do Código Civil, “incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do ato a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor”. Quando no artigo 611º do Código Civil se estipula que, numa ação de impugnação pauliana, incumbe ao credor a prova do «montante das dívidas», tal preceito deve ser interpretado em termos hábeis, relacionando-o, na sua apreciação, com o artigo 610º, alínea b), do mesmo diploma legal. Assim, e porque nesse dispositivo não se encontra consagrado o puro e simples requisito da insolvência ou do seu agravamento, apenas compete ao credor, em tal ação, fazer prova, além dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do citado artigo 610º, do montante da sua própria dívida.
A procedência da impugnação pauliana proposta dependerá da data da constituição dos créditos aqui em causa, do carácter oneroso ou gratuito do ato impugnado e, também, da intenção e conhecimento dos intervenientes sobre o negócio em causa – cfr. artigos 610º e 612º do Código Civil -, salientando-se aqui a diferença entre o carácter doloso pressuposto na alínea a), do artigo 610º, da má-fé pressuposta no artigo 612º, ambos do Código Civil.
Lida e relida a petição inicial, e de acordo com o alegado, não houve nenhum negócio entre o primeiro réu (alegado devedor do autor) e a segunda ré. O que existiu foi uma aquisição de mobiliário pelo primeiro réu a uma empresa/sociedade que comercializa mobiliário (e que nem sequer é parte nos autos), com dinheiro do primeiro réu e que este "faturou" à segunda ré, sendo que, sempre de acordo com o alegado, tais móveis se encontram na residência do primeiro réu.
Sendo a impugnação pauliana, como se referiu, um instituto que visa tornar ineficaz relativamente ao credor negócios celebrados pelo devedor que ofendam a respetiva garantia patrimonial, torna-se patente que o peticionado na alínea b) do petitório carece de objeto, uma vez que a causa de pedir não sustenta o pedido formulado.
Em face do exposto, e por manifesta inviabilidade, julgo improcedente o pedido enunciado na alínea b) do petitório e, consequentemente, absolvo a ré EMP01..., Lda. do mesmo.
Custas pelo autor.
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E) Inconformado, veio o autor AA interpor recurso (ref. ...06), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito...

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