Acórdão nº 24390/20.0T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-21

Data de Julgamento21 Março 2024
Ano2024
Número Acordão24390/20.0T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
TT, Lda, intentou acção declarativa de condenação contra B, S.A, alegando, em síntese, que depois de visto um anúncio de um imóvel, onde constavam determinadas características que iam ao encontro do que a Autora pretendia e que eram determinantes para a formulação da sua vontade de contratar, nomeadamente a área da fracção, bem como os três lugares de parqueamento na garagem, e tendo percebido que o imóvel pertencia à gestão do B, S.A de Azeitão entrou em contacto com o réu, foram-lhe facultadas apenas as chaves da loja, mas nunca as chaves de acesso à garagem. Pelo réu sempre foi referido que a dita loja tinha cerca 63m2 e que continha três lugares de parqueamento na garagem. Perante isto, foi celebrada a escritura de compra e venda do imóvel, entre a Autora e o Réu, no dia 12 de Outubro de 2018, pelo valor acordado de €52.500,00. Acontece que, segundo alega, apenas teve acesso às chaves da garagem passados cerca de dois meses da celebração do negócio, altura em que verificou que era impossível o estacionamento de qualquer veículo automóvel uma vez que as dimensões reais não correspondem com a planta anexa à escritura fornecida pela Ré. Mais alega que nunca teria celebrado o referido negócio com o Réu, ou pelo menos não teria celebrado o negócio nos termos em que celebrou, se soubesse que nos três lugares de garagem não seria possível o estacionamento de um veículo. Por fim, alega que o Réu, apesar de interpelado para o efeito, nada fez com vista à resolução do problema. Com estes fundamentos, a autora peticiona que o réu seja condenado:
1) a eliminar os defeitos do imóvel, suportando todos os custos inerentes a essa reparação;
1.1) a pagar à autora a quantia de €6.578,1 (seis mil quinhentos e setenta e oito euros e um cêntimo) a título de compensação pelos danos patrimoniais;
1.2) a pagar à autora a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais, ou, caso não seja possível,
2) a pagar à autora a quantia de €26.100,00 a título da redução do preço pago pelo imóvel nos termos do artigo 911º do C.C;
2.1) a pagar à autora a quantia de €6.578,1 a título de compensação pelos danos patrimoniais;
2.2) a pagar à autora a quantia de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais.
O réu contestou, defendendo que estavam em causa 2 lugares demarcados: um identificado com o número 16 e outro com o número 17/18 e que a autora, antes da celebração do negócio, fez, pelo menos, duas visitas ao imóvel e que na segunda visita, a autora foi acompanhada pela comercial do réu que estava encarregado da venda do imóvel, ocasião em que ambos se deslocaram à garagem e confirmaram a existência e configuração dos lugares de estacionamento. Mais alega que este acesso à garagem foi efectuado através das escadas do prédio contíguo, sendo que a garagem é comum a ambos os prédios e, no momento, não estava disponível o respectivo comando, mas que este foi entregue à autora ainda antes da celebração da escritura e que esta declarou perante notário que visitou a fracção e que a mesma é conforme à descrição efectuada pelo Réu. Invoca, ainda, que mesmo que não tivesse sido concedido acesso da garagem à autora, tal não seria minimamente coerente com o facto de a autora ter avançado com a compra, tanto mais que, como a própria alega, a afectação dos aludidos lugares à fracção a adquirir foi essencial e determinante na formação da sua vontade em negociar. Defende que não obstante conhecer os vícios da mesma, a autora pretendeu adquiri-la no referido estado, sendo a mesma adequada para o uso específico para a qual a adquiriu, sendo o preço estabelecido adequado em função das circunstâncias. Por fim, alega que a admitir-se a possibilidade de redução do preço jamais poderia ocorrer pelo valor peticionado de € 26.100,00.
A autora respondeu à matéria de excepção e por requerimento de 11/6/2021, veio requerer a intervenção provocada do Condomínio..., Azeitão.
Por despacho de 4/11/2021, foi admitida a requerida intervenção principal provocada.
A 12/5/22, foi proferido despacho saneador que, ao abrigo do disposto no art. 6º do CPC, sustentando que nos pedidos deduzidos a autora nada refere quanto a uma eventual licença de utilização, a título principal, ou desanexação, a título subsidiário (a que se refere ao longo da petição inicial), decidiu que tais pedidos não seriam atendidos.
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Realizada audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Nesta conformidade, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência,
A- Condeno o Réu B, S.A a pagar à Autora TT, LDA, a título de redução do preço do contrato de compra e venda invocado nos autos, o valor de €13.125.00 (treze mil, sento e vinte e cinco euros).
B- Absolvo os Réus B, S.A e Condomínio… do demais peticionado.
Custas a cargo da Autora e Réu B., S.A, na proporção do respectivo decaimento, que fixo em 64% para a Autora e 36% para o Autor, ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Notifique”.
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O réu B, S.A interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. Discorda o Recorrente do critério utilizado pelo Tribunal recorrido para determinar o valor da redução do preço, o qual não respeitou o disposto no art.º 566.º, n.º 3 do CC.
2. O Tribunal recorrido atendeu à simulação apresentada pela Recorrida e efectuada no portal das finanças, determinando que, se de acordo com o resultado de tal simulação (€ 26.100,00), o VPT dos lugares de estacionamento corresponde a 25% do VPT do imóvel à data da escritura (€ 104.590,81), então, aplicando tal percentagem ao preço efectivamente pago pela fracção (€ 52.500,00), alcança-se o valor de redução de € 13.125,00 (€ 52.500,00*25%).
3. Uma das razões que sustenta a discordância do Recorrente prende-se com o facto de o Tribunal recorrido não ter distinguido o valor do m2 de acordo com a sua afectação – ou seja, o Tribunal não considerou o facto de estar em causa a área de parte da fracção adquirida destinada a estacionamento, equiparando o valor do respectivo m2 ao valor do m2 da fracção em si.
4. O preço da fracção englobou os lugares de estacionamento, mas os mesmos são suspectíveis de avaliação independente, sendo que, para efeitos de tal avaliação, não se pode admitir que o valor comercial da área destinada a estacionamento seja igual ao valor comercial da área da fracção principal, porque tal não corresponde à realidade.
5. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2005, proferido no âmbito do processo 04A4464 e disponível em www.dgsi.pt, identifica bem a questão ao colocar o acento tónico no valor mercantil da coisa e ao aplicar o critério objectivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa, com defeito.
6. O Tribunal recorrido não respeitou o referido critério objectivo de determinação do valor do bem com defeito, na medida em que não cuidou de apurar o valor objectivo daqueles, o que implicava que, por um lado, se considerasse que o mesmo está afecto ao estacionamento, com as necessárias consequências ao nível do respectivo valor do m2,
7. E, por outro, que se ponderasse se o bem, ainda que com defeito que impede a sua afectação normal, poderá, de alguma forma, proporcionar alguma vantagem ao seu proprietário, sendo esta a segunda razão que sustenta o presente recurso.
8. Com efeito, mesmo estando comprometida a utilização do espaço para efeitos de estacionamento, a Recorrida continua a ser proprietária do mesmo (“(…) a Autora continua a ser proprietária da área dos lugares de parqueamento, podendo utilizá-la para outros fins.”
9. O sócio gerente da Autora confirmou, em sede de declarações de parte, que, tendo autorização do condomínio para o efeito, poderia fechar o espaço correspondente aos lugares de estacionamento, transformando-o em arrecadação para arrumos, o que confirma a possibilidade de usufruir dos mesmos.
10. Logo, àquele bem, ainda que com defeito, tem necessariamente de ser atribuído um valor que considere a sua possível utilização para outro fim, sendo nesta medida devidamente ponderada a situação patrimonial do lesado, conforme dispõe o art.º 566.º, n.º 2 do CC.
11. Acresce que também não foi respeitado o n.º 3 da mesma norma, porquanto não se revela equitativa a situação já acima denunciada de equiparação do valor comercial do m2 dos lugares de estacionamento ao do m2 da fracção destinada a comércio.
12. Por outro lado, o Tribunal não estava na posse de factos que pudessem servir de limites à fixação da “indemnização” com recurso à equidade: não ficou provado o valor do m2 da área de estacionamento, na zona geográfica em causa e à data do negócio reduzido.
13. Não estando o Tribunal na posse de factos de onde pudesse extrair o valor de mercado do bem, com defeito - valor esse que, como se disse, não poderia deixar de considerar a utilização alternativa do bem -, não poderia ter recorrido à fixação da “indemnização” por via do critério de equidade, impondo-se que relegasse a determinação do valor a reduzir para sede de incidente de liquidação - nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.05.2022, proferido no âmbito do processo 10626/18.0T8LSB.L2-2 e disponível em www.dgsi.pt.
14. O Tribunal recorrido falhou na aplicação dos critérios equitativos a que apelou, incorrendo em violação do art.º 566.º do Código Civil, pelo que deverá a decisão recorrida ser substituída por outra que, para efeitos de redução do preço, considere que está em causa um espaço de estacionamento, cujo valor comercial é directamente afectado por tal finalidade e, portanto, distinto do valor
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