Acórdão nº 2423/22.5T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-12-19

Ano2023
Número Acordão2423/22.5T8BRG-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, NIF ...02, residente na 17 Rue ..., vem propor Ação Declarativa de Condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., ... ..., e CC, NIF ...58, residente na Rua ..., ... ..., pedindo seja julgada procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente:
- Judiciar pela existência de um contrato de mútuo formalmente nulo por vício de forma, com as respetivas consequências legais ínsitas no artigo 289.º do CC, devendo os Réus ser solidariamente condenados a restituir à Autora o valor de 97.550,00 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 € desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, ou, caso assim não se entenda, desde a data da citação, e até efetivo e integral pagamento;

Ou ainda, caso divirja o entendimento,
- Condenar os Réus, solidariamente, em obrigação de indemnização a favor da Autora, no montante de 97.550,00 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 € desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, ou, caso assim não se entenda, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, pelo exercício abusivo do direito;
Caso seja distinto o douto entendimento,
- Condenar os Réus, solidariamente, na obrigação de restituição perante a Autora, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, plasmado no artigo 473.º do CC, devendo restituir à Autora a quantia mutuada, no valor de 97.550,00 € €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 €.€ desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, ou, caso assim não se entenda, desde a data da citação, e até efetivo e integral pagamento;
Ou ainda, caso se perscrute pela existência de múltiplos contratos de mútuo, com validade formal,
- Condenar os Réus, solidariamente, a restituir à Autora a quantia de 97.550,00 €, em virtude do contrato de mútuo celebrado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 € e até efetivo e integral pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 1142.º do Código Civil;
Ou, caso se perscrute pela necessidade de resolução do contrato,
- Declarar a justa causa de resolução do contrato pelo inadimplemento contratual dos Réus, com a as respetivas consequências legais, nos termos dos artigos 432.º, 562.º, 798.º e 1142.º do Código Civil, e condenar os Réus, solidariamente, a indemnizar a Autora no montante da quantia mutuada, no valor de 97.550,00 €, acrescida de juros à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 €. €;

Em todo o caso,
- Condenar os Réus, solidariamente, a pagar à Autora o valor de 97.550,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da interpelação extrajudicial para pagamento, contando-se vencidos no valor de 24.940,73 €. ou, caso assim não se entenda, desde a data da citação, e até efetivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que emprestou aos réus 100 mil euros e que estes apenas lhe devolveram a quantia de €2.450,00.
Assim, com base no incumprimento do contrato de mútuo e sua nulidade, invocando subsidiariamente outros institutos, termina formulando os indicados pedidos.

Citados os RR., estes contestaram, deduzindo excepção do caso julgado e outras exxcepções e impugnaram a versão dos factos vertida na petição inicial, pugnando que seja julgada verificada a exceção do caso julgado ou, subsidiariamente, a demais matéria de exceção e impugnação, sendo a ação julgada totalmente improcedente.

Os RR., sob o ponto III al. A) e F) do seu requerimento probatório requereram o seguinte:
“A – Requerem, nos termos e para os efeitos previstos no art. 7º do CPC – a notificação da Autora para juntar aos autos as declarações fiscais de rendimentos por si apresentadas junto da Administração Fiscal portuguesa, relativa aos anos de 2004 a 2010, para prova dos arts. 92º a 97º supra.
(…)
F – Requerem – nos termos e para os efeitos previstos no art. 436º do CPC, a notificação da Segurança Social Francesa [Ministère des Affaires Sociales et de la Santé - DSS (Direction de la Sécurité Sociale), 14, Avenue ..., ..., ...] para informar aos autos, para prova dos arts. 92º a 97º supra:
a) que rendimentos auferia a Autora entre 2004 e 2010 sujeitos a contribuições para a Segurança Social;
b) que prestações sociais auferia a Autora entre 2004 e 2010.”

Os RR. juntaram aos autos a gravação áudio de conversas que tiveram com a Autora no decurso do ano de 2014, onde, alegadamente, “é audível a voz da Autora, a mesma refere expressa e diretamente:
a) os alegados negócios de compra dos apartamentos pelos Réus;
b) as diversas entregas de fundos em numerário e sem comprovativo pelos Réus à Autora;
c) a alocação dos fundos referidos em b) aos negócios mencionados em a);
d) a existência de alegados problemas da Autora com a Administração Fiscal francesa resultantes de uma acusação feita pelo genro da mesma e que motivava o sucessivo adiamento da celebração dos alegados contratos de compra e venda.”

O Autora exerceu o contraditório relativamente à matéria das excepções, e documentos juntos, e, quanto aos pontos III. A) e F) do requerimento probatório, a mesma opôs-se às diligências probatórias aí requeridas, alegando que violam o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade da prova, extravasando em larga medida o período em discussão nos presentes autos, em nada contendendo com o objeto do processo, e representando um atentado e uma devassa à vida privada da aqui Autora, pelo que deverá ser indeferido. A Autora opôs-se também à junção das referidas gravações áudio juntas pelos réus.

Em sede de despacho saneador, fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, foram indeferidos os meios de prova indicados sob o ponto III, al. A) e F).
Relativamente aos registos de áudio, foi proferida decisão nos seguintes termos:
- “Pelo exposto, determino que as gravações juntas pelos réus configuram prova ilícita que não pode ser valorada, devendo a mesma ser desentranhada dos autos”.

Inconformados, os RR. recorreram dessa decisão, formulando as seguintes conclusões:

Quanto ao segmento decisório 1:

I - O pedido formulado na ação é quantitativamente muito gravoso, no plano objetivo, cifrando-se em 97.550,00 € acrescidos de juros vencidos de 24.940,73 € e vincendos. 21

II - Os Recorrentes pretendem demonstrar que a Recorrida não possuía qualquer atividade conhecida nem meios que lhe permitissem dispor daquele volume de valores que pudesse emprestar nos termos em que esta o alega ter feito.

III - Trata-se de facto que se afigura essencial ao exercício do direito de defesa dos Recorrentes, com um interesse inegável na valoração global da prova produzida e a produzir, sendo um elemento suscetível de poder determinar uma decisão num ou noutro sentido.

IV - Não se afigura, pois, indiferente para o conjunto da valoração da prova apurar se a Recorrida podia ter rendimentos em termos tais que lhe permitisse emprestar aquele volume de quantias que invoca, num contexto factual atípico, que envolve indícios da prática de crimes pelo menos no Ordenamento Jurídico francês, onde decorreu o grosso da factualidade relevante.

V - Não se aceita, pois, que se possa considerar a factualidade em referência como irrelevante para o objeto do processo, desde logo porque, de acordo com as regras normais da experiência, quem alega efetuar empréstimos de 100.000,00 € e quem exibe sinais exteriores de riqueza e prosperidade tem – necessariamente – que possuir bens e rendimentos em volume amplamente superior, em termos tais que lhe permitam expor-se ao risco inerente a um qualquer empréstimo e ficar privada de tais fundos por um período de tempo maior ou menor. 22

VI - Trata-se, por isso, de um aspeto que não pode deixar de pesar, de forma relevante – senão mesmo decisiva – no julgamento de facto subjacente à apreciação do mérito da causa.

VII - O invocado princípio da proporcionalidade deve considerar os dois pratos da balança, possibilitando aos Recorridos lançar mão de meios de contraprova que permitam defender-se face ao risco subjacente a um pedido objetivamente elevado, cuja materialização traduziria, seguramente, um relevante prejuízo patrimonial e a própria lesão de direitos de personalidade merecedores de tutela (cfr. art. 70º n.º 1 do CC), como o direito à tranquilidade e à segurança patrimonial, tratando-se de emigrantes que trabalharam toda uma vida no sentido de poderem beneficiar de algum conforto, tranquilidade e estabilidade que o objeto da ação é suscetível de prejudicar gravemente.

VIII - O art. 418º n.º 1 do CPC abrange os dados e informações sujeitos a sigilo fiscal e contém os critérios de ponderação a observar pelo Julgador, com primazia para a essencialidade à justa composição do litígio, ao qual subjaz uma ideia de proporcionalidade, com os seus subprincípios da proporcionalidade em sentido restrito, necessidade e adequação, mobilizando uma valoração entre os interesses contraditórios e conflituantes em jogo, com a busca de um justo equilíbrio entre eles e, ainda, a consideração das circunstâncias do caso concreto, à luz dos princípios da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio consagrados no art. 411º do CPC. 23

IX - No caso concreto, o risco de um prejuízo de 100.000,00 € para os Recorrentes afigura-se suficientemente grave para que a Recorrida não se possa escudar no sigilo fiscal num quadro factual em que, inevitavelmente, uma das partes é merecedora da mais elevada censura.

X - As diligências de prova afiguram-se perfeitamente razoáveis, tratando-se da única informação oficial que pode, de forma fidedigna, confirmar a ausência...

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