Acórdão nº 24/21.4BELRA-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão24/21.4BELRA-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I-RELATÓRIO


F…, SA, interpôs recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto o despacho que indeferiu a perícia, por “[s]e afigurar que a prova pericial requerida não é pertinente para a decisão final a proferir nos presentes autos (…) cf. artigo 476.º, n.º 1, do CPC, a contrario sensu, aplicável ex vi artigo 116.º, n.º 4, do CPPT.”


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A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A) O Tribunal a quo, indeferir a perícia requerida, limita-se a afirmar que a prova dos factos ou circunstâncias que a mesma visa demonstrar pode ser feita a partir de prova testemunhal, ou documental, não identificando, qual seja o objecto da perícia, com excepção da «matéria de perdas por imparidade, quanto ao crédito decorrente da assunção pela Impugnante de uma dívida da sociedade M…, LDA., a que se reportam os artigos 98.º a 138.º da petição inicial», para a partir daí - e necessariamente daí - aferir da relevância ou irrelevância ou inutilidade da perícia requerida.

B) De facto, o despacho sob escrutínio torna-se de impossível escrutínio, sem uma análise dos próprios fundamentos da impugnação deduzida pela Impugnante, que permitam aferir da utilidade da perícia para a demonstração das realidades aí alegadas.

C) O despacho proferido «não se mostra devidamente fundamentado quando não permite perceber as razões pelas quais se verifica a "clara desnecessidade" da prova requerida, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção dessa prova, o que tornava imprescindível essa fundamentação.»: o Ac. Do TCA Sul, de 10-12-2020, (P. nº 360/11.8BEBJA-A).

D) O direito à prova constitui uma dimensão essencial da tutela jurisdicional efetiva e do direito a um processo justo e equitativo consagrados no art. 20.º da CRP, daí resultando igualmente que só excecionalmente, nos casos em que se mostre impertinente, por recair sobre factos irrelevantes, ou dilatória, por incidir sobre matéria que não carece de especiais conhecimentos pode ser indeferida a prova pericial.

E) No que respeita aos factos relativos à arborização de zonas envolventes à pedreira, condicionantes legais aplicáveis e regime fiscal daí decorrente, o objecto da perícia reporta-se ao apuramento das razões que determinam a diferença de entendimentos e respectivos valores a considerar fiscalmente, inerentes ao dissídio entre o sujeito passivo e os serviços de inspecção tributária, designadamente, tendo em conta a necessidade de produzir prova quanto às espécies arbóreas utilizadas pela I. Na reabilitação do espaço envolvente à pedreira que explora e a sua aptidão para o efeito vs adequação às concretas especificidades do terreno e clima;

F) A intervenção dos peritos, corresponde neste caso a fazer a confrontação entre as facturas emitidas, as espécies arbóreas implementadas no terreno e a sua valência para os fins legalmente impostos, de modo a permitir a correspondência entre umas e outros.

G) E mesmo sem saber qual seja, quanto a tal matéria - atenta a ostensiva omissão de indicação de qualquer fundamento a tal propósito - a posição do Tribunal a quo, sempre se dirá que não se trata, obviamente de (simplesmente ... ) saber se determinadas despesas devem ou não ser consideradas como integrantes de certa categoria de custos previstos como dedutíveis, já que constitui pura questão de direito que escapa à prova pericial, que se restringe à apreciação de questões com carácter meramente técnico.

H) A matéria objecto da perícia requerida é, portanto, matéria sobre a qual, claramente, o tribunal a quo não tem conhecimentos específicos (tal como - e basta quanto a isso atentar à própria impugnação, no que às facturas emitidas pela sociedade "J…" diz respeito - a própria A.T.!), implicando a necessidade de um pré-juízo de adequação de uma despesa a um objectivo, função e circunstâncias específicas que a determinam, com subsequente subsunção jurídica.

I) O mesmo vale relativamente aos factos alegados relativamente à imparidade, a que o despacho recorrido faz leve referência, sem mencionar, porém, a noção legal de indispensabilidade recortada sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento, directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro, pelo que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito.

J) A tal propósito, a Impugnante alegou que contabilização das imparidades de crédito, tem de ser enquadrada no exercício normal da empresa, a que corresponde um crédito decorrente da assunção de uma dívida de outra sociedade, que teve como objetivo permitir a continuação da laboração desta, que por um lado, contribuiu de forma relevante para o início da atividade da Impugnante e de que resultou a obtenção dos rendimentos que têm vindo sujeitos a tributação de IRC, e por outro, tendo em vista que a mesma pudesse recuperar a sua capacidade financeira e comercial que lhe permitisse no futuro voltar a estabelecer parcerias comerciais.

K) A análise de tal realidade exige conhecimentos específicos, técnicos e científicos, que não se espera que sejam do saber do julgador, na medida em que importam, desde logo, a percepção de uma opção de gestão subjacente.

L) A tal respeito, é evidente que o juízo pericial não incide sobre a noção legal de indispensabilidade, mas sim, sobre os factos concretamente alegados pela Recorrente, máxime, sobre a adequação abstracta de uma assunção, pela I., de uma dívida da Marcofil, permitir a continuação da laboração daquela empresa, no pressuposto de a mesma ter contribuído de forma relevante para o início da atividade da I. no mercado de extração de rochas ornamentais, sem a qual não teria sido possível iniciar e desenvolver a sua atividade, de cujo exercício resulta a obtenção dos rendimentos que têm vindo sujeitos a tributação de IRC.

M) Os referidos temas probatórios constituem, manifestamente, matéria a que é inerente um juízo técnico extra-jurídico, o qual corresponde à verificação de circunstâncias ou condições prévias à opção tomada pelo Sujeito Passivo, e portanto, prévias à operação de subsunção, sendo pois aí, precisamente aí, que se coloca a questão da aptidão da prova pericial requerida para demonstração dos factos alegados pela ora Recorrente.

Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, sendo Despacho recorrido revogada por Acórdão que ordene a baixa dos autos para aí ser proferido novo despacho que admita a prova pericial requerida ou, em alternativa, declare a invocada falta de fundamentação,

Assim se fazendo sã e serena JUSTIÇA!”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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Os autos foram com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), ao abrigo do artigo 146.º, nº1, do CPTA, que proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Recorrente, foi objeto de uma ação inspetiva credenciada pela Ordem de Serviço nº OI20………., de natureza externa, e de âmbito geral, ao exercício de 2016, tendo sido realizadas, designadamente, correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC, particularmente, as que infra se descrevem:

a. Gastos não relacionados com a atividade da empresa;
b. Seguro de Saúde não aceite para efeitos fiscais- não estabelecidos para a generalidade dos empregados;
c. Perdas por imparidade em dívidas a receber (dívida Marcofil);
d. Gastos relacionados com a aquisição de licença de exploração de uma pedreira;
e. Regularizações nas contas de depósitos à ordem-entrada de meios financeiros;
f. Gastos não devidamente documentados;
g. Despesas de conservação e reparação;
h. Tributação Autónoma.

(facto que extrai do teor da p.i., corroborado pelo teor do RIT, junto aos de impugnação judicial 24/21, a fls.80 e seguintes dos autos numeração plataforma SITAF, referência 464207);

2. Em 10 de janeiro de 2021, deu entrada via plataforma SITAF, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ação de impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC, com o nº 2020………, referente ao exercício de 2016, emitida em resultado da ação inspetiva evidenciada no ponto antecedente, a qual corre termos sob o nº de processo 24/21.4BELRA e na qual se peticiona a realização de prova pericial, conforme infra se identifica:

“Prova Pericial:

Nos termos do art. 116º do CPPT, requer a realização de perícia colegial, tendo por objeto os factos referidos nos pontos 38 a 113;

A I. indica como perito:

A…, Contabilista Certificado, com domicílio profissional na Estrada N3…, nº 55, Campos, em 2…-009 M….”

” (cfr. p.i. de impugnação judicial a fls. 1 a 126 dos autos numeração plataforma SITAF, referência 004409874);

3. A 17 de novembro de 2021, a Mmª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, prolatou despacho do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Prova pericial requerida pela Impugnante:
A Impugnante requereu no final da petição inicial a realização de prova pericial nos termos do artigo 116.º do CPPT, tendo por objeto a matéria de facto a que aludem os pontos 38.º a 113.º da petição inicial, indicando como seu perito, A…, contabilista certificado.
A Exma. Representante da Fazenda Pública pronunciou-se na contestação, nos pontos 5.º a 14.º, no sentido do indeferimento da prova pericial requerida pela Impugnante, por não ter sido definido pela mesma o objeto da perícia e por ser suficiente para prova dos factos alegados a prova documental que consta dos autos e do processo administrativo tributário apenso aos autos.
Suscitou ainda a falta de imparcialidade e...

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