Acórdão nº 24/21.4T8VLFA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-01-09

Ano2024
Número Acordão24/21.4T8VLFA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE VILA NOVA DE FOZ CÔA)
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Rui Moura
Fernando Monteiro

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A..., CRL, intentou a presente ação declarativa comum contra B..., S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 22 497,75, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 15.4.2020 até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de seguro multirriscos empresas, sem que tivesse negociado qualquer cláusula, destinado a assegurar o risco resultante de sinistros causados a um imóvel e que, na sequência dos danos originados por uma tempestade/intempérie, a Ré recusou pagar o valor da reparação, inexistindo fundamento para a não assunção de responsabilidade.

A Ré contestou, concluindo pela impossibilidade de acionar as coberturas da apólice e consequente improcedência da ação. Invocou, ainda, que o capital seguro para a verba edifício era inferior ao seu valor real, pelo que, a proceder a ação, sempre seria aplicável, de acordo com as condições gerais da apólice, a franquia acordada e, nomeadamente, a cláusula 19º, que prevê a regra da proporcionalidade entre capital seguro e risco.

A A. respondeu, referindo, designadamente, que a Ré não leu nem lhe explicou, nem antes nem quando o seguro foi celebrado, o teor e alcance da citada cláusula 19º, não sendo expectável que dele tivesse conhecimento, pelo que deverá ser excluída, não se aplicando à relação contratual. Concluiu pela improcedência da matéria de exceção.

Foi proferido despacho saneador que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 09.5.2023, julgou a ação totalmente procedente, condenando a Ré a pagar à A. o montante de € 22 497,75, acrescido de juros de mora, à taxa legal fixada para os juros civis, calculados desde 28.4.2020 até integral pagamento.

Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - O presente recurso visa a revogação da Sentença porquanto se discorda que a recorrente é contratualmente responsável pela totalidade do valor total apurado, por se tratar de valor inferior ao capital seguro e não ter aplicação a regra da proporcionalidade prevista no art.º 134º da LCS e no art.º 19º da Condições Gerais.

2ª - No que ao recurso interessa, o Tribunal recorrido considerou desta forma:

(...) conclui-se, pois, ter-se verificado sinistro do qual resultaram danos no imóvel segurado, ocorridos em consequência de uma tempestade de chuva, uma tromba de água e ventos fortes, sendo o sinistro enquadrável nas coberturas previstas no contrato de seguro, inexistindo fundamentos que excluam ou reduzam a responsabilidade da ré. E, assim, é a ré responsável pelo pagamento dos danos ocorridos à autora, no valor de € 22 497,75, devendo ser condenada nesse pagamento.

3ª - A oposição da recorrente reside, fundamentalmente, em que, sendo o valor comunicado superior ao valor em risco apurado e capital seguro, teria que ser aplicada a regra proporcional, ou seja, a interpretação que a Ré efetua do clausulado fá-la chegar à conclusão de que, a impender sobre si a obrigação de pagamento por ter havido sinistro, se deverá recorrer à aplicação da regra proporcional.

4ª - Dispõe atualmente o art.º 134º da aludida lei do contrato de seguro, sob a epígrafe subseguro, que, salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção.

5ª - Ou seja, existe a correlação entre o montante do prémio de seguro e o risco assumido. A regra é simples e resume-se assim: quanto maior o risco, maior o prémio; o segurador deve pagar indemnização correspondente ao prémio percebido e o segurado deve ser indemnizado em função do prémio suportado.

6ª - A situação de subseguro pode derivar da vontade do segurado, por querer pagar prémios mais baixos, de erro de avaliação, de alteração de preços no decurso do contrato ou de outras circunstâncias. Não há lei que obrigue ao seguro pleno.

7ª - Certo que resultou provado que a ré não leu nem explicou à autora, nem antes nem aquando da celebração do acordo, o teor e alcance da cláusula 19ª das condições gerais, a qual não é percetível pela generalidade das pessoas que contratam com a ré.

8ª - No entanto, não resultou provado nem alegado que a A. não teria acordado celebrar o contrato de seguro em causa se tivesse conhecimento da aplicação da cláusula 19ª das condições gerais.

9ª - Estabelece o artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro que “salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção”.

10ª - Ou seja, mesmo que se desconsidere o estipulado na Cláusula 19º das Condições Gerais da Apólice, o que certo é que não foi convencionado nada que contratualmente afaste aquela imposição legal.

11ª - Mesmo que aquela Cláusula não constasse das CGA, então ter-se-ia de aplicar o regime legal constante do art.º 134º da Lei do Contrato de Seguro, uma vez que da Apólice não consta nenhuma disposição em contrário.

12ª - Tudo funcionaria como se tal cláusula não existisse no contrato e não existindo convenção em contrário, aplicar-se-ia o regime legal.

13ª - Por exigência legal, ficará a cargo do Segurado a parte proporcional dos prejuízos provocados nos bens seguros sempre que o capital seguro, à data do sinistro, for inferior ao valor dos mesmos.

14ª - O valor em risco ascendia a € 631 000; ora, pela aplicação da norma legal referida, foi apurou um coeficiente seguro de 38 %, atendendo ainda a uma área privativa de 730 m2, um valor de reconstrução por m2 de € 300, uma área dependente de 2060 m2, e um valor de reconstrução desta de € 200, e ainda aplicação de indexação automática e tolerância de 85 %.

15ª - Resultou, ainda, provado que o valor de reconstrução do imóvel cifra-se em € 360 000, tendo por referência uma área de 1 200 m2, e um valor de € 300/m2 - vide doc. 15 junto com a petição inicial.

16ª - Assim, o Tribunal a quo deveria ter dado razão à Ré e considerar que, aplicando aos prejuízos apurados a regra do proporcional em virtude da situação de subseguro, bem como deduzida a franquia contratual, a indemnização seria de € 8 548,86 (€ 22 497,75 x 38 %), satisfazendo o valor dos prejuízos contratualmente indemnizáveis.

17ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 128º e 134º do DL n.º 72/2008.

A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa decidir/reapreciar a questão da indemnização a fixar, ponderando a factualidade apurada, o regime jurídico aplicável e a eventual existência de subseguro.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1) O prédio urbano sito no Lugar ..., ..., constituído por um conjunto de pavilhões industriais, mais concretamente instalações tecnológicas de fabrico, armazenamento e receção de uvas, vinhos, aguardentes e depósitos anexos, encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...23, em nome da A. e encontra-se inscrito na matriz predial da Freguesia ... ...08, na titularidade da mesma.

2) O prédio referido em 1) destina-se à atividade da A., de viticultura, designadamente, a receção e transformação de uvas.

3) A A. celebrou com a Ré, no âmbito da atividade desta, um acordo denominado “seguro Multirriscos Empresas”, titulado pela apólice n.º ...55, mediante o qual a A. transferiu para a Ré, além do mais, a responsabilidade pelos danos causados no imóvel descrito em 1), por sinistros ocorridos nas situações descritas nas coberturas definidas no mencionado acordo, nomeadamente, nas cláusulas 36ª e 39ª a 44ª das “condições gerais”.

4) Da cláusula 36ª das condições gerais do acordo celebrado entre as partes consta que “1 – Designa-se por cobertura base do seguro facultativo a garantia de ressarcimento, nos termos previstos na secção seguinte, dos prejuízos em consequência direta de: (…) – ação de ventos (Cl. 40.ª); - inundações (Cl. 41.ª); (…) – danos por água (Cl. 43.ª)”.[1]

5) Da cláusula 40ª das condições gerais do acordo celebrado entre as partes consta que “1 - Garante a cobertura dos danos causados aos bens seguros em consequência de: a) tufões, ciclones, tornados, granizo e toda a ação direta de ventos fortes ou choque de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos (sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, objetos ou árvores num raio de 5 km envolventes dos bens seguros); b) alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em a), na condição que estes danos se verifiquem 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício seguro (…).[2]

6) Da cláusula 41ª das condições gerais do mesmo acordo consta que “1 – Garante a cobertura dos danos causados aos Bens Seguros em consequência de: a) Tromba de água ou queda de chuvas torrenciais, precipitação atmosférica de intensidade superior a dez milímetros em dez minutos no pluviómetro. 2 - São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro, os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os Bens Seguros sofram os primeiros danos. 3 - Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3ª e 38ª das presentes Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos desta cobertura quaisquer perdas ou danos ocorridos ou provocados: a) Por subidas de marés, marés vivas e, mais genericamente, pela acção do mar e outras superfícies marítimas, naturais ou artificiais; b) Em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de...

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