Acórdão nº 2399/22.9T8VFX.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2023

Data de Julgamento18 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão2399/22.9T8VFX.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório:
A , com domicílio em Portugal, na Rua …, e também em Angola na morada que indica, veio, em 12.7.2022, requerer contra B, residente na Rua …, junto do Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira, a presente ação para regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos de ambos, C e D , nascidos em …, no concelho de Vila Franca de Xira. Alega, além do mais, que não vivendo requerente e requerida como casal, nem residindo na mesma casa, em Dezembro de 2020 a requerida solicitou ao requerente autorização para levar consigo as crianças a Manchester, no Reino Unido, pelo período de 15 dias, sendo que desde então estes ali permanecem à revelia do requerente, tendo a progenitora entretanto solicitado autorização de residência dos menores naquele país. Refere desconhecer o paradeiro concreto dos filhos e não conseguir manter contactos regulares com os mesmos. Diz também continuar a enviar as quantias solicitadas pela requerida para, alegadamente, assegurar a subsistência dos menores, pelo que aquela apenas se mantém no Reino Unido, onde não trabalha, graças às quantias monetárias que o requerente lhe remete. Sustenta que sendo aplicável às relações entre o Reino Unido e Portugal a Convenção de Haia de 1996, será Portugal o país competente para conhecer da presente causa, por ser este o da residência habitual dos menores, sita na morada do domicílio do requerente em Portugal. Propõe o regime provisório que entende ser o adequado à situação, reclamando, no essencial, que os filhos fiquem consigo a residir, ao requerente cabendo em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais e todas as decisões de particular importância para a vida dos menores, sem prejuízo da fixação ulterior de uma “residência alternada, assim que a progenitora demonstre condições para o efeito”.
Em 21.9.2022, foi proferida a seguinte decisão: “(…) De acordo com os factos alegados, o requerente reside em Portugal e em Angola, ao passo que a requerida e as crianças residem, desde Dezembro de 2020, no Reino Unido.
Conforme estipula o artº 59° do C.P.C. "Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º."
Ao caso "sub judice" aplica-se a Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças, adoptada em Haia em 19 de Outubro de 1996, à qual Portugal aderiu.
De acordo com o disposto no art° 5º, n° 1 da mencionada Convenção, "As autoridades jurídicas ou administrativas do Estado Contratante no qual a criança tem a sua residência habitual possuem competência para tomar as medidas necessárias à protecção da pessoa ou bens da criança.".
Assim, de acordo com o referido preceito legal, conclui-se que competente para conhecer da presente acção são os tribunais ingleses.
Acresce que, no caso em análise, não é de aplicar o previsto no nº 7 do art. 9º do RGPTC, o qual pressupõe que o tribunal português tenha competência internacional, o que não se verifica in casu.
Por último, refira-se, ainda, que uma vez que as crianças residem no Reino Unido há quase dois anos, os tribunais deste país encontram-se em melhor posição para decidir da causa, melhor salvaguardando o superior interesse das crianças.
Face ao supra exposto, considero que a competência para o conhecimento da presente acção é dos tribunais ingleses e, consequentemente, declaro a incompetência internacional deste Tribunal.
Custas pelo requerente, com o mínimo de taxa de justiça.
Valor da acção e tributário: 30.000,01.”
Inconformado, interpôs recurso o requerente, A , apresentando alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que declarou a incompetência internacional do Tribunal a quo.
B. Ora, o Apelante intentou a ação especial para regulação do exercício das responsabilidades parentais, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (Juízo de Família e Menores de Vila Franca de Xira) por ser o Tribunal territorialmente competente.
C. A título de questão prévia, na Petição Inicial, o Apelante aludiu à competência internacional dos tribunais portugueses, referindo que pese embora os menores passarem temporadas no Reino Unido (contra a sua vontade), os menores são naturais e têm residência em Portugal.
D. Contudo, pese embora o circunstancialismo mencionado em sede de Petição Inicial, o Tribunal a quo verteu, na douta sentença, que "uma vez que as crianças residem no Reino Unido há quase dois anos, os tribunais deste país encontram-se em melhor posição para decidir da causa, melhor salvaguardando o superior interesse das crianças", concluindo que "a competência para o conhecimento da presente acção é dos tribunais ingleses e, consequentemente, declaro a incompetência internacional deste Tribunal".
E. Inconformado com a decisão, o Apelante considera que na sentença recorrida as normas jurídicas aplicáveis foram incorretamente interpretadas e aplicadas, apesar de em sede de Petição Inicial, o Apelante ter discorrido e cronologicamente narrado todo o enredo subjacente à relação (que apresenta um histórico conturbado) dos progenitores (ali Requerente e Requerida) dos menores.
F. Efetivamente, em sede de Petição Inicial, o Apelante alegou factos que fundamentam a causa de pedir daquela ação para efeitos da competência internacional, pelo que não entende nem concebe as razões pelas quais o Tribunal a quo se declarou incompetente internacionalmente.
G. Isto porque, os menores não residem habitualmente no Reino Unido.
H. Em dezembro de 2020, a progenitora dos menores informou o Apelante que iria ausentar-se de Lisboa para o Reino Unido (Manchester) durante um período de 15 (quinze) dias — período que se prolongou (astuciosamente e) à revelia do Apelante até à presente data, tendo a progenitora requerido, unilateralmente, sem solicitar o consentimento do Apelante, autorizações de residência em nome dos menores, no Reino Unido.
I. Os menores encontram-se alternadamente no Reino Unido e em Portugal, sendo que os menores apenas passam meses no Reino Unido porque a progenitora se arroga na legitimidade de exigir do Apelante a transferência de avultadas quantias monetárias para lá permanecer, com os menores.
J. Efetivamente, desde que "decidiu" passar temporadas no Reino Unido, levando consigo os menores sem informar o Apelante, a progenitora dos menores tem vindo a solicitar quantias monetárias ao Apelante, alegadamente para assegurar a subsistência dos menores — só no mês de junho de 2022, o Apelante enviou 11.500,00 EUR.
K. A progenitora dos menores não se encontra a trabalhar — o que poderia ser comprovado nos autos caso os mesmos tivessem seguido os seus termos e, em consequência, a progenitora lograsse juntar aos autos comprovativos de rendimentos (designadamente de trabalho) passiveis de sustentar os menores (para efeitos da ação em apreço).
L. Assim, os menores apenas passam meses no Reino Unido dada a anuência do Apelante em remeter avultadas quantias monetárias, ou seja, o Reino Unido não é a residência habitual dos menores — a residência habitual dos menores é, e sempre foi, em Portugal, sendo que os menores começaram a passar temporadas no Reino Unido sem que o progenitor/Apelante houvesse consentido ou fosse consultado/informado.
M. Ora, no cenário (hipotético) de o progenitor/Apelante deixar de enviar tais quantias, a progenitora e os menores teriam sempre de terminar com o regime alternado de residência entre Portugal e o Reino Unido, unilateralmente imposto pela progenitora — e, consequentemente, voltar para Portugal a tempo inteiro (definitivamente).
N. Não existe, assim, estabilidade ou carácter de permanência relativamente à alegada residência dos menores no Reino Unido no cenário (hipotético) do progenitor/Apelante deixar de enviar as avultadas quantias monetárias.
O. Todo este circunstancialismo não poderá ser ignorado (como foi pelo Tribunal a quo), na medida em que, a ser assim, qualquer mãe/progenitora levaria os filhos menores para onde quisesse, sem consentimento do pai/progenitor, e lá regularia o exercício das responsabilidades parentais.
P. Tudo mostrando que o Reino Unido não é a residência habitual dos menores, mas sim Portugal — ou, no limite, poderia considerar-se que os menores têm residência alternada, uma vez que a alegada residência no Reino Unido é, por demais evidente, transitória e ocasional.
Q. O Tribunal a quo, ao considerar sem mais, que os menores residem no Reino Unido, parece ter ignorado o motivo justificativo do Apelante subjacente à ação intentada: requerer a guarda total dos menores, salvaguardando e garantindo o desenvolvimento físico e psíquico das crianças, o seu bem-estar, segurança e formação das suas personalidades, atenta a postura e condutas da progenitora, que apenas vê nos menores uma fonte de rendimento.
R. Sem que nada o fizesse prever, o Tribunal a quo fez tábua rasa de todo o circunstancialismo alegado pelo Apelante e declarou-se incompetente internacionalmente.
S. Todavia, bastará um cauteloso olhar para a factualidade descrita para concluir que as normas jurídicas aplicáveis foram incorretamente interpretadas e aplicadas pelo Tribunal a quo.
T. Isto porque, por remissão do artigo 59.º do CPC, quanto ao fator de atribuição da competência internacional relevante, dispõe a alínea b) do artigo 62.° do CPC que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes se tiver "sido praticado em território português o facto que serve de causa
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