Acórdão nº 2392/21.9T8BCL-I.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2392/21.9T8BCL-I.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA instaurou contra BB processo tutelar de resolução de diferendo entre progenitores em questão de particular importância relativamente aos filhos de ambos CC e DD pedindo que seja permitida a transferência das crianças do estabelecimento escolar Conservatório de Música de ..., que atualmente frequentam, para a Escola EB 2,3 ....

Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, por força do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais estabelecido por acordo no apenso F e judicialmente homologado, o qual se encontra em vigor desde 27.10.2022, as crianças encontram-se a residir consigo, em ..., tendo ficado acordado que, até ao final do presente ano letivo, os filhos continuarão a frequentar o Conservatório de Música de ..., sendo essa decisão reponderada consoante os resultados que as crianças venham a obter no final desse período letivo.

Sucede que o acordo provisório se tem mostrado impraticável pois as crianças, uma vez que vivem em ..., têm de acordar diariamente às 6 h para apanharem o autocarro que lhes permite a deslocação até ao Conservatório de Música de ..., o qual dista da sua residência 52,5 Km, fazendo uma viagem que tem a duração de 50 m a 1 h, quer na ida quer na volta, e regressando a casa apenas pelas 19 h 30 m.
Esta rotina diária é extremamente morosa, cansativa e contraproducente pois as crianças acordam desmotivadas e sem interesse de ir para a escola e chegam a casa exaustas e sem vontade de estudar ou realizar qualquer outro tipo de atividade.
Em consequência, os seus resultados escolares têm sido inferiores aos que obtiveram no primeiro período do ano letivo anterior.
Por outro lado, o Conservatório é uma instituição privada, cuja frequência implica o pagamento de uma mensalidade, a qual é cumprida de forma irregular, estando em falta o pagamento das mensalidades de novembro e dezembro.
Considera que estas situações não ocorreriam caso as crianças frequentassem a Escola EB 2,3 ..., que é um estabelecimento público, sendo que as crianças estão integradas em ..., onde se sentem felizes e tranquilas, e manifestam vontade de frequentar o aludido estabelecimento de ensino.
Entende que esta mudança de estabelecimento de ensino é a que melhor salvaguarda o interesse das crianças pelo que considera que deve ser autorizada.
*
O requerido pronunciou-se invocando a exceção de caso julgado porquanto considera que nestes autos a requerente veio apresentar novo pedido sobre a mesma matéria que já foi discutida, apreciada e objeto de decisão, já transitada em julgado, no apenso E, autos onde foi apresentado pedido de transferência de estabelecimento de ensino das crianças no ano letivo de 2022/2023.

Caso assim não se entenda, considera que as dificuldades financeiras invocadas pela requerente quanto ao pagamento da mensalidade do Conservatório não se verificam, pelo que não podem servir de fundamento para a pretendida mudança de escola.
Mais alega que as crianças frequentam o Conservatório desde o 5º ano, aí tendo o seu grupo de amizades.
O Conservatório constitui uma mais valia curricular fornecendo-lhes valências que noutra escola não dispõem.
Por conseguinte, considera que o interesse das crianças impõe que continuem a frequentar o Conservatório de Música de ..., pelo que pugna pelo indeferimento do pedido formulado pela requerente.
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Notificada para se pronunciar sobre a exceção de caso julgado, veio a requerente dizer que, embora a questão suscitada nestes autos seja a mesma que foi objeto de apreciação no apenso E, houve uma alteração das circunstâncias, designadamente a alteração do regime das responsabilidades parentais, pois na altura vigorava a guarda/residência alternada e atualmente esse regime foi modificado, estando fixada a residência das crianças com a progenitora, sendo, por isso, necessário reapreciar este aspeto da vida dos filhos.

Por outro lado, a frequência do estabelecimento de ensino, sendo uma questão de particular importância na vida das crianças, tem e deve ser reapreciada as vezes que se afigurem necessárias para salvaguardar o seu interesse e bem-estar.

Considera, em suma, que, dada a alteração do quadro factual vigente, não ocorre exceção de caso julgado.
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Foi proferida decisão que julgou verificada a invocada exceção de caso julgado, que considerou não existir fundamento para alterar a decisão, ao abrigo do disposto no art. 988º, nº 1, do CPC, e, em consequência, absolveu da instância o requerido BB, tendo fixado à causa o valor de € 30 000,01.
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal, por sentença datada de 23 de fevereiro de 2023, concluiu pela verificação da exceção de caso julgado invocada pelo requerido, absolvendo-o da instância.
2. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
3. A Recorrente não se coaduna com a decisão proferida, dado não se verificar qualquer exceção de caso julgado. Isto, porque:
4. A sentença proferida no âmbito do apenso E, em 16.07.2022, teve por respaldo, o acordo de regulação das responsabilidades parentais que pernoitava, desde 27.05.2022, e que determinava a guarda/residência alternada dos menores CC e DD.
5. Todavia, e dado que tal regime não se coadunava com os interesses dos menores, foi fixado, em 27.10.2022, um novo regime provisório da regulação da responsabilidades parentais, que veio estabelecer a residência dos menores com a progenitora, em ....
6. Ora, apesar da questão suscitada nos presentes autos ser a mesma que já foi objeto de apreciação no Apenso E, a verdade é que houve uma alteração das circunstâncias, nomeadamente, a fixação da residência permanente dos menores CC e DD com a progenitora.
7. Assim, este novo incidente foi instaurado na pendência de um outro regime provisório da regulação das responsabilidades parentais.
8. Sendo, portanto, necessário reapreciar este aspeto de particular importância na vida dos menores, face à vigência de um novo regime provisório da regulação das responsabilidades parentais.
9. Além disso, o facto de a questão de alteração do estabelecimento de ensino já ter sido alvo de decisão no âmbito de um determinado processo, não constitui motivo lógico para que esta não possa ser reapreciada novamente.
10. Isto porque, tratando-se de uma questão de particular importância na vida dos menores, esta tem e deve ser reaparecida as vezes que se afigurarem necessárias para salvaguardar os interesses e bem-estar dos menores.
11. Desde que, conforme asseverado pela jurisprudência difundida, haja circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, entendendo-se como supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. Isto é, basta a existência de um diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.10.2020, relativo ao processo nº 4797/15.5T8BRG-E-E-G1, de 29-10-2020; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2016, relativo ao processo nº 671/12.5TBBCL.G1.S1 D).
12. Veridicamente, no caso em apreço, verifica-se uma circunstância superveniente, que justifica a propositura do presente incidente, nomeadamente, a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais e, consequentemente, a fixação da residência dos menores com a sua progenitora.
13. Ademais, cumpre referenciar que, quando proferida a sentença datada de 16.07.2022, relativa ao processo nº 2392/21...., ainda que, de facto, os menores estivessem a residir com a progenitora em ...,
14. A verdade é que a decisão foi tomada tendo em conta o cumprimento do acordo provisório da regulação das responsabilidades parentais, que à data pernoitava, isto é, a residência alternada, pois naquela sentença, proferiu o Tribunal o seguinte:
“Por outro lado, e salvo o devido respeito, não é argumento para justificar essa sua pretensão o facto de agora ter emprego e partilhar casa com os seus pais em ..., e ter aí retaguarda destes. Tal como está fixado o regime provisório no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevendo uma residência alternada com periodicidade semanal, uma eventual mudança de estabelecimento de ensino para ... não obviaria às deslocações que as crianças sempre teriam que realizar nas semanas que passam com o pai”.
15. Com efeito, o Tribunal decidiu naquela sentença que, a factualidade de os menores residirem com periodicidade semanal, com a progenitora em ..., não constituía motivo suficiente para determinar a mudança do estabelecimento de ensino dos menores, dado que, ao frequentarem escola em ..., na semana em que estariam a residir com o pai, em ..., não obviaria àquelas grandes deslocações.
17. Ora, se tal fundamentação ditou o indeferimento da pretensão da Requerente, agora, a decisão a tomar nunca poderia ter a mesma fundamentação.
18. Pois, os menores residem agora, não com periodicidade semanal, mas de modo permanente em ....
19. E vêm-se obrigados, sem necessidade – dado existirem vagas na escola ... – a acordarem às 06h00, para poderem apanhar um autocarro que lhes permite a deslocação até ao Conservatório de Música de ..., sendo certo que o mesmo dista não menos de 52,5 km, da residência destes, em ..., falando- se aqui numa viagem de autocarro de cerca de 50 min/1 hora, uma vez que de carro não demora menos que 40 min.
20. Uma viagem de autocarro de cerca de 50 min/1 hora quer de ida, quer de volta, pelo que os menores não chegam a casa antes das 19h30.
21. Estando, portanto, obrigados a uma rotina diária morosa e extremamente extenuante e desaconselhada.
22. Agora, o Tribunal não pode fundamentar a...

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