Acórdão nº 2386/12.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 02-02-2023

Data de Julgamento02 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão2386/12.5BELRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

N........., LDA., deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 2006 e 2007, no montante de 16 317,95 € e de 63 191,18 €, respetivamente.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 12 de outubro de 2020, julgou procedente a impugnação,

Inconformada, a Fazenda Publica (FP) veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela N........., LDA., com o NIPC 500….., com as consequências aí sufragadas, relativamente às liquidações adicionais de IRC, dos exercícios de 2006 e 2007, melhor identificadas nos autos, no montante de €16.317,95 e de € 63.191,18, respetivamente.

I - ENQUADRAMENTO PRELIMINAR

B. Os presentes autos têm por objeto as correções à matéria tributável da Impugnante dos exercícios de 2006 e 2007 que foram objeto de regularizações voluntárias, na sequência de uma ação de inspeção externa realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em sede de IRC, a coberto das Ordens de Serviço n.° …..87 e …..08, e que originou as liquidações ora em crise.

C. Inconformada com o entendimento da AT, a Recorrida apresentou os competentes meios de defesa. Assim, numa fase inicial os meios administrativos, através da apresentação de Reclamações Graciosas e de Recursos Hierárquicos, que foram todos indeferidos, e posteriormente, por a AT não ter acompanhado a sua posição, apresentou a Impugnação Judicial, no âmbito da qual foi proferida a decisão objeto do presente recurso.

D. Em síntese, a Recorrida veio invocar a errónea qualificação e quantificação da matéria coletável e vício da fundamentação legalmente exigida, por reinvestimento do valor de realização, na aquisição de um elemento do ativo imobilizado afeto à sua exploração comercial não ter sido aceite pelos Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), porque entre a Recorrida e o vendedor daquele imóvel existiam relações especiais, o que impedia a aplicação da mais-valia fiscal, de beneficiar do direito à não sujeição previsto no artigo 58.° do Código do IRC.

E. Neste âmbito, dissentindo do sentido da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, por entender que a mesma padece de vício de erro de julgamento, ao não manter, na ordem jurídica os atos de liquidação em crise, vem, a agora Recorrente, interpor o presente recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul.

II - MATÉRIA DE FACTO

F. Dão-se aqui por reproduzidos todos os factos provados, enunciados na sentença. [Factos A a T) da sentença]

G. Com efeito, motivou o Meríssimo Juiz a quo a escolha dos factos dados como provados “(...) atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório, não impugnados (...)”.

H. Apesar dos factos considerados como provados, não pode a Recorrente concordar que os mesmos revelem a totalidade da verdade material em causa nos presentes autos, por se encontrar a mesma incompleta e insuficiente, o que acarretou numa consequência jurídica injusta e desmedida, a qual merece censura.

I. Pelo que é firme convicção da ora Recorrente, que a sentença, enferma de erro na interpretação dos factos e, consequentemente na aplicação do Direito aos mesmos, razão pela qual apresenta o presente recurso, com os fundamentos que se aduzem.

III - DA DECISÃO RECORRIDA

J. Com vista à decisão se, a quantificação da matéria coletável, para efeitos de liquidação do IRC referentes aos anos de 2006 e 2007, com a invocação de existência de relações especiais entre a Recorrida e um terceiro está provada e fundamentada, entendeu o Tribunal a quo, o seguinte:

“(...) O artigo 45. ° do CIRC com a epígrafe Reinvestimento dos valores de realização, na redação em vigor, nos anos de 2006 e 2007, a dada pela Lei n. ° 109-B/2001 de 27/12 previa:
“ 1 - Para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, o valor de realização correspondente à totalidade dos referidos elementos seja reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração, com excepção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC, com o qual existam relações especiais nos termos definidos no n.° 4 do artigo 58. °.
(…)
5 - Para efeitos do disposto nos n. °s 1, 2 e 4, os contribuintes devem mencionar a intenção de efectuar o reinvestimento na declaração a que se refere a alínea c) do n.° 1 do artigo 109. ° do exercício da realização, comprovando na mesma e nas declarações dos dois exercícios seguintes os reinvestimentos efectuados.
(...)
O artigo 45. ° do CIRC remete para a existência de relações especiais definidas nos termos do artigo 58.°, n.° 4 do CIRC, preceito que estipula, com a epígrafe “Preços de Transferência
1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
(...)
4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;
(…)".
A fundamentação de decisão com invocação de relações especiais carece de especialidades, como resulta expressamente, do artigo 77.°, n.°3 da Lei Geral Tributária (LGT), preceito com a epígrafe Fundamentação e eficácia:
“(...)
3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento com a qual esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
d) Quantificação dos respectivos efeitos.
(...).
Articulando os preceitos indicados apura-se que, as correções motivadas pela existência de relações especiais entre contribuintes devem legalmente, obedecer a fundamentos específicos. Nos termos do citado n.° 3 do artigo 77.° da LGT, para além da fundamentação constante do n. ° 1, daquele preceito, nos casos de correções motivadas por relações especiais entre entidades, deverá constar a descrição das relações especiais, nos termos em que houve condições diferentes das que normalmente seriam acordadas entre pessoas independentes conduzindo a que o lucro apurado fosse diverso daquele que se apuraria na ausência dessas relações.

Em suma, para aplicação do regime dos preços de transferência previsto no artigo 58. °, n.° 4 do CIRC é necessário cumulativamente, o preenchimento de três requisitos:
a) existam relações especiais entre o contribuinte e uma outra entidade sujeita ou não ao regime do IRC;
b) em virtude dessas relações sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes;
c) conduzindo ao apuramento de uma base tributária distinta da que seria apurada na ausência de tais relações.

A Jurisprudência sobre esta temática também se tem pronunciado, como por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 01508/02 de 12-03-2003: “I - Nos termos do disposto no art. ° 57° do CIRC (artigo 58. ° do CIRC), a Administração Fiscal pode proceder a correcções ao lucro tributável declarado desde que existam relações especiais entre o contribuinte e outra empresa que levou ao estabelecimento de condições diferentes das que se fixariam entre pessoas independentes.
II - Compete à Fazenda Pública o ónus da prova da...

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