Acórdão nº 23857/20.4T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão23857/20.4T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I
I.A–
A requerente apresentou-se ao processo especial de revitalização, PER, por requerimento de 10.11.2020.
Em 10.12.2020 foi nomeado administrador judicial provisório (AJP).
No dia 11.1.2021 o AJP juntou lista provisória de créditos, a qual foi objecto de impugnações, apreciadas por decisão proferida em 28.4.2021, que não foi objecto de recurso.
Por acordo entre a devedora e o AJP foi prorrogado o prazo das negociações. O mesmo prazo foi ainda prorrogado nos termos previstos no art.2º da Lei n.º 75/2020, de 27 de Novembro.
Após uma primeira versão foi apresentada a versão final em 14.6.2021(ref.29524956) foi apresentada nova versão do plano que foi publicitado 15.6.2021(ref.406433017), dando conhecimento do seu depósito.

No ponto IV do Plano dedicado ao seu Conteúdo, prevê-se o seguinte:
1.–Estado/Fazenda Nacional-o pagamento da totalidade dos créditos em regime prestacional, até 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, não podendo nenhuma delas ser inferior a 1 (uma) unidade de conta (atualmente 102 euros);
2.–ESTADO/Instituto da Segurança Social-plano prestacional em 150 prestações no âmbito da execução fiscal, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao da votação do plano de revitalização;
3.–ESTADO /Fundo de Garantia Salarial-pagamento da dívida reconhecida (capital e juros) em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação aquando trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
4.–Créditos Privilegiados (Trabalhadores)- pagamento da totalidade da dívida reconhecida, em 108 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação;
5.–Créditos Comuns- pagamento de 20% da dívida reconhecida, em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, com carência total nos primeiros vinte e quatro meses, vencendo-se a primeira no último dia útil do vigésimo quinto mês seguinte àquele em que se verifique o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação.
6.–Créditos Subordinados-reembolso no final do prazo de pagamento dos demais credores e de acordo com as capacidades financeiras da devedora;
7.–Créditos Sob Condição-créditos cuja condição se verificou na pendência do processo ou, se venha a verificar, o pagamento será efectuado nos mesmos termos e condições dos créditos similares;
8.–A aprovação do Plano e subsequente homologação não afecta os privilégios creditórios dos credores sobre a devedora, nomeadamente os que resultam de aval ou fiança, nem exonera os responsáveis legais das dívidas remanescentes por que sejam pessoalmente responsáveis.

No prazo previsto no art.17º-F, n.º3, não foi requerida a não homologação do plano de revitalização.

Em 29.06.2021 o AJP procedeu à leitura dos votos escritos(ref.29663274).

E concluiu o seguinte:« c)-o quórum deliberativo encontra-se reunido, nos termos do disposto no n° 5, alínea a) do artigo 17° - F do CIRE, constituindo mais de um terço do total dos créditos com direito de voto: total dos créditos com votos emitidos/total dos créditos (4.190.790,02 € : 4.497.609,14 € = 93,18%);
d)-estando reunidos mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos em sentido favorável: 86,97%
e)-e mais de metade dos votos emitidos, em sentido favorável, correspondentes a créditos não subordinados: 65,47%»
O plano foi homologado por sentença de 06.07.2021(ref.406949613).

I.B–
Recorreu a credora L, S.A. concluindo que:
a)-A sentença de homologação do PER incorre numa dupla violação das disposições legais previstas no CIRE, não tendo a Mma. Juíza “a quo” sindicado devidamente a sua (in)observância pelo Senhor Administrador Judicial Provisório nem impedido que se concretizassem, através da recusa da homologação;
b)-De acordo com o disposto no artigo 212o, n.o 2, alínea a), do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano;
c)-Na página 22 do plano apresentado pela devedora, prevê-se que os créditos/credores subordinados são pagos em último lugar, depois de todos os outros credores terem recebido, mas tal disposição não constitui uma modificação do crédito, porque ao contrário do “corte” de 80% previsto para os credores comuns, os credores subordinados serão pagos pela totalidade dos seus créditos;
d)-A norma em apreço destina-se a evitar que credores que não sejam afectados pelo plano de recuperação possam «impor» aos credores que vejam os seus créditos substancialmente reduzidos, como é o caso, a aprovação de um plano que lhes é prejudicial, e, paralelamente, visa ainda impedir a aprovação de um plano que não seria aprovado se tais credores não votassem, por falta de maioria de votos em sentido favorável, como sucedeu no caso concreto;
e)-À luz da norma citada, o Senhor Administrador Judicial Provisório não deveria ter permitido a participação na votação dos credores, por si próprio qualificados como subordinados, B – Gestão de Sistemas, Lda., B – Livraria e Papelaria, Lda., EB, Herdeiros de ZB, Herdeiros de MG, e JR; f) A Mma. Juíza “a quo”, no exercício do seu papel fiscalizador e de controle da observância das disposições que norteiam a votação do PER, deveria ter excluído tais credores da votação;
g)-Não tendo sido exercida essa sindicância, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 212o, n.o 2, alínea a), do CIRE, que deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido de não permitir a participação na votação dos credores subordinados;
h)-Tendo sido violada uma formalidade essencial à aprovação do PER, este deve considerar-se não aprovado, com a consequente recusa da sua homologação, tendo a sentença recorrida violado o disposto no artigo 215o do CIRE, aplicável ao PER ex vi parte final do n.o 7 do artigo 17.o - F do CIRE;
i)-Andou mal o Tribunal “a quo” em sede de sindicância da maioria necessária à aprovação do PER, e ao decidir que o plano foi votado favoravelmente por credores que representam mais de dois terços dos votos emitidos e mais de metade correspondem a créditos não subordinados, de harmonia com o disposto 17o-F, no5, al. a), do CIRE;
j)-No que concerne ao quórum deliberativo, é inequívoco que não se verifica nenhuma das maiorias exigidas pelas alíneas a) e/ou b) do artigo 17o-F, n.o 5, do CIRE, que exigem que mais de metade dos votos emitidos correspondam a créditos não subordinados;
k)-Do mapa com a designação “Votação do Plano de Revitalização” conclui-se sem necessidade de esforço assinalável que da totalidade dos votos emitidos (artigo 17o-F, n.o 5, alínea a) do CIRE) pelos credores votantes, os votos emitidos pelos credores subordinados perfazem uma percentagem de 62,24 %;
l)-Ou seja, da totalidade dos votos emitidos pelos credores votantes, os votos emitidos pelos credores não subordinados perfazem apenas uma percentagem de 37,76 %, o que significa inexoravelmente que o PER foi, putativa e ilegalmente, «aprovado» por quase dois terços dos votantes que são credores subordinados;
m)-De igual modo, não se verifica a maioria prevista na alínea b) do artigo 17o-F, n.o 5, do CIRE, que exige que, para o PER se considerar aprovado tem de recolher o voto favorável de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados;
n)-Ou seja, em ambas as hipóteses os credores não subordinados são sempre menos de metade dos votantes ou menos de metade dos credores com direito de voto;
o)-De acordo com os cálculos acima referidos realizados pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, os mesmos exactos credores subordinados detêm 57,72 % da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto;
p)-Tendo sido o Senhor Administrador Judicial Provisório ele próprio a proceder à atribuição da respectiva percentagem aos créditos subordinados e ao cálculo das maiorias, deveria ele próprio ter concluído que não se verificava a maioria exigida pelas citadas disposições legais para que o PER fosse aprovado, tendo agido em grosseira violação dos deveres deontológicos e funcionais a que está adstrito, e fê-lo de forma consciente;
q)-O Tribunal “a quo” falhou rotundamente na sua função fiscalizadora, pois não escrutinou, como deveria ter feito, por força do disposto no n.o 7 do artigo 17.o - F, e do artigo 215o do CIRE, a verificação do quórum deliberativo necessário à aprovação do PER;
r)-Ao decidir como fez, a sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 17o-F, n.o 5, alíneas a) e b), e n.o 7, e o disposto no artigo 215o do CIRE, que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de concluir que não se encontrava verificado o quórum deliberativo exigido por lei, com a consequente decisão de não homologação do PER;
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que não homologue o PER aprovado pelos credores, assim se fazendo a costumada Justiça!

Em contra-alegações a apelada concluiu que:
A)-Invoca a Recorrente que os créditos subordinados não são modificados pela parte dispositiva do plano, pelo que não teriam direito de voto, nos termos do artigo 212o no 2 al. a) do CIRE.
B)-A verdade, porém, é que os créditos subordinados são totalmente modificados/afetados pela parte dispositiva do plano de recuperação pois, só serão temporalmente liquidados depois de todos os restantes créditos não subordinados estarem integralmente pagos nos termos em tal plano previstos e na medida em que a Recorrida venha a ter, eventualmente, disponibilidade futura para o fazer.
C)-De acordo com os termos do plano de recuperação aprovado de forma esmagadora pelos credores e judicialmente homologado, os créditos subordinados só poderão ser pagos
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