Acórdão nº 23797/17.4T8SNT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-07-2022

Data de Julgamento07 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão23797/17.4T8SNT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. O relatório
A instaurou a presente ação sob a forma de processo comum contra B., sociedade comercial limitada unipessoal de direito Espanhol, pedindo que sendo recebida a ação:
a) “Seja declarado como incumprido o contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Ré";
b) “Seja, em consequência, a Ré condenada a liquidar à Autora, a título de Danos do Foro Patrimonial, montante não inferior a €2.069.530,43";
c) “Seja a Ré condenada em sede de Liquidação de Execução de Sentença em todos os montantes que advenham do apuramento de todos os montantes a que a mesma perca o seu direito fruto da conduta da R; Do apuramento de todos os montantes que a Autora ainda terá que liquidar à AKIN, constantes dos orçamentos previamente apresentados, fruto da conduta da R; E do apuramento dos lucros cessantes nos anos vindouros a titulo de produção da azeitona bem como os danos e encargos decorrentes do eventual incumprimento contrato oportunamente outorgado com a Sociedade Agrícola, pelo diferimento da entrada em produção".
d) “Seja a R condenada em custas e o demais legal".
*
Em 5/2/2018, foi enviada carta para citação por via postal, da ré, que a recebeu em 16/2/2018.
Em 28/2/2018, deu entrada em juízo requerimento da ré, com o seguinte teor:
Asunto: "Processo 23797/17.4T8SNT Ação de ProcessoComum" V Refer. 111294219 Copia para DirecçãoGeral da Administração da Justiça
Exmo.Señor Juez
B., es una sociedad comercial de derecho español con sede en el reino de España.
Lanotificación "Citação por carta registadacom AR" "Processo: 2397/17.4T8SNT"no es válida/ es nula por no respetar el reglamento CE n2 1393/2007 del Parlamento Europeo y del Consejo. Está escrita en Portugués, cuando debería estar escrita en castellano, observando las normas de derecho comunitario, para ser debidamente comprendida. No comprendemos plenamente su contenido, los derechos procesales deB, el plazo en que puede ser presentada la defensa o los medios de defensa y las consecuencias de nuestro silencio en el ámbito de un proceso que parece regirse apenas por las ley procesal del Estado Portugués, desconsiderando por completo el Derecho Comunitario.B está por eso en una inaceptable desventaja para ejercer sus derechos de defensa. Por lo que antecede invoca la nulidad de la notificación para todos los efectos legales y procede a su devolución (en anex).
Sumariotraducido: Notificação notificación "CitaçSo por carta registadacom AR" "Processo: 2397/17AT8SNT" ato nulo não observa Regulamento CE n® 1393/2007 do Parlamento Europeue do Conselho por obscuridade dos direitos de defesa.B é urna empresa de Direito español com sede em córdoba. A notificaçãodeve ser feita em castellano. É devolvida em anexo
A autor logo respondeu, nos seguintes termos:
1. Veio a R alegar, em língua portuguesa, alegar haver recebido citação por carta registada no âmbito dos presentes autos,
2. Invocando que o acto é nulo por não observar o regulamento CE nr° 1393/2007 do Parlamento Europeu do Conselho por obscuridade dos direitos de defesa.
3. Mais disse que a R é uma empresa de Direito Espanhol com sede em Córdoba e que notificação deve ser feita em Castelhano pelo que a devolveu.
Vejamos:
4. Conforme é manifesto a petição inicial da A cumpriu, de forma escrupulosa, os requisitos a que se encontrava obrigada nos termos do art° 552° do CPC.
5. Por essa razão foi admitida pelo Douto Tribunal e não recusada pela secretaria com base no art° 558° do CPC.
6. Alias, um dos fundamentos para a eventual recusa da petição pela secretária seria, precisamente, se não se encontrasse redigida em língua portuguesa.
7. Não se entende, assim, a pretensão da R, salvo se o seu fim for protelar a acção da justiça e usar de expediente dilatório.
8. Nestes casos entende-se, mas tal é condenável.
9. Por cuidado alerta-se, de acordo com a jurisprudência (vide AC do TRL de 23/2/2016 in Proc. 439/14.4TBVFX.L1-1) que "considera-se regularmente citada em íngua portuguesa uma empresa internacional (...)com sede em Atendas, que revela nos autos ter pessoal habilitado a compreender perfeitamente a íngua portuguesa)."
10. Ora resulta do requerimento datado de dia 21 de Fevereiro e entrado em Tribunal no dia 28 de Fevereiro, que a R se enquadra no acima aludido
Mas mais:
11. Como a mentira tem perna curta, conforme velho ditado português (que é conhecido em Espanha), a A anexa uma carta da R datada de 29/12/2017 escrita em português cristalino e assinada pela mesma pessoa que assina a carta de devolução. (Doc único).
12. Fica, assim, desde logo, cumprido o que dispõe o Artigo 8° nr°1 a) do regulamento em apreço, pelo que não se reconhece qualquer razão ao peticionado pela R (e face aos termos do próprio Regulamento que invoca).
13. Face ao exposto deverá a citação ser considerada como efectuada com as demais consequências legais.
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Em 12/3/2018, deu entrada ofício do Ministério da Justiça do Reino de Espanha, Secretria de Estado de Justicia, com o seguinte teor:
Em relacion al processo al margen referenciado adjunto se remite escrito presentado por la parte en el que manifesta su disconformidad com la notificación practicada por esse Tribunal por no haber acompanhado a la misma traduccion alguna al español.
Conforme a lo establecido en el artículo 8 del Reglamento (CE) n° 1393/2007, sobre notificación y traslado en los Estados miembros de documentos judiciales y extrajudiciales en materia civil o mercantil el destinatario podrá no aceptar el documento si no va acompañado de una traducción a una lengua que el destinatario entienda o bien a la lengua oficial del Estado miembro requerido.pudiendo ser subsanada la notificación mediante el traslado de la documentación acompañada con la traducción correspondiente.
Com data de 15/3/2018, foi proferido o seguinte despacho:
Junte ao processo o original do AR de citação da Ré, o qual se mostra digitalizado e disponível para visionamento apenas na plataforma citius com data de 5/3/2018, porque ao mesmo respeita, não se vislumbrando qualquer fundamento legal ou interesse na sua não junção.
***
No mais, desde já: Sem prejuízo para a circunstância de ser nos autos obrigatória a constituição de mandatário e uma vez que a pela própria Ré arguida nulidade da citação sempre seria de conhecimento oficioso, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 191º, nº 1, 195º, nº 1, e 196º, todos do CPC, podendo, por outro lado, ter-se a sua comunicação a fls. 78 como recusa nos termos e para os efeitos do disposto no art. 8º do Regulamento CE 1393/2007 de 13 de novembro de 2007, passaremos a decidir sobre a regularidade/nulidade da citação da Ré. Decidindo. A questão que se coloca é, em suma, saber se é válida a citação efetuada nos autos da Ré, sociedade de direito espanhol com sede em Espanha, a qual foi efetuada em português com o envio da petição inicial e documentos em português? Prescreve o art. 239º, nº 1, do CPC, que quando o réu resida no estrangeiro [ou tenha a sua sede no estrangeiro, como sucede no caso], deve observar-se o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais. Ora, entre o Estado Português e o Reino de Espanha rege o disposto no Regulamento CE nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de novembro de 2007 relativo à citação e à notificação de atos em matérias civil e comercial nos Estados Membros, o qual prevê que a citação seja feita através das entidades designadas ao abrigo do disposto no art. 2º (sendo certo que nos termos do Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à Cooperação Judiciária em matéria penal e civil, assinado em Madrid a 19 de novembro de 1997, entre ambos os países, as respetivas autoridades judiciárias e centrais prescindem de tradução, podendo comunicar-se entre si na respetiva língua, como bem evidencia a comunicação de fls. 88ss) ou, nos termos do art. 14º diretamente pelos serviços postais. Neste caso, da citação direta, ainda assim, deve ter-se por aplicável o disposto no art. 8º, o qual prevê no seu nº 1 o aviso do destinatário (citando) de que pode recusar a receção do ato, quer no momento da citação ou da notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas: a) Uma língua que o destinatário compreenda, ou b) A língua oficial do Estado membro requerido (leia-se, para o que ao caso releva, do Estado onde se efetua a citação, posto que não requerida à sua entidade central mas expedida por via postal). No caso de recusa, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa daquelas línguas. Ora, no caso vertente, cumpre notar que a citação postal expedida não contêm a advertência para esse direito de recusa, a qual foi, de qualquer forma efetuada, tornando irrelevante face àquela omissão se esta recusa foi ou não efetuada em prazo, posto que a parte não foi para tal efeito advertência não só do direito de recusa como tão pouco do respectivo prazo de exercício e não pode ser prejudicada por tal omissão da secretaria. Face a esta recusa e perante a invocação pela Autora de que a Ré bem compreende português e prova que a tal propósito pretende oferecer por meio do seu requerimento com a refª 28421194 de 7/3/2018, importa deixar expresso que nos casos em que se suscite a dúvida sobre se o destinatário compreende ou não a língua de origem, temos por melhor a posição a tal propósito defendida por Salazar Casanova a propósito do Regulamento CE 1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000 no seu texto “A Realidade Judiciária” in Revista da Ordem dos Advogados, ano 62 – Dezembro de 2002, págs. 778 a 804 (mas inteiramente aplicável ao
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