Acórdão nº 234/21.4T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão234/21.4T8STR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
P. 234/21.4T8STR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…) instauraram a presente acção contra (…) Seguros Gerais, S.A., pedindo que a condenação desta a pagar aos AA. a quantia global de € 97.086,80, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegaram, em síntese, terem sido vítimas de um acidente de viação, ocorrido no dia 10/7/2019, o qual foi provocado por uma viatura segurada na R., sendo que do referido sinistro resultaram danos não patrimoniais e patrimoniais, melhor descritos na petição inicial, os quais deverão ser ressarcidos pela R., atenta a transferência de responsabilidade decorrente do respectivo contrato de seguro.
Devidamente citada veio a R. contestar, aceitando a responsabilidade pela ocorrência do sinistro a que os autos se reportam e impugnando, parcialmente, a factualidade alegada pelos AA., considerando exagerados os valores por eles peticionados, a título de indemnização pelos danos sofridos.
Foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sendo que, posteriormente, veio a ser realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais e, de seguida, foi proferida sentença pelo Julgador a quo, a qual julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decidiu:
a) Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 55.000,00, a título de indemnização global por todos os danos não patrimoniais por ela sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento;
b) Condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 40.000,00, a título de indemnização global por todos os danos não patrimoniais por ele sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento;
c) Absolver a R. do pedido de condenação reportado à quantia de € 1.760,30, a título de danos patrimoniais, e respectivos juros moratórios.

Inconformada com tal decisão dela apelou a R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1ª – Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso da sentença proferida nos autos, nos termos da qual decidiu o Tribunal a quo julgar a ação parcialmente procedente, por provada, e, por conseguinte, «condenar a ré a pagar à autora (…) a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), a título de indemnização global por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento» e «a pagar ao autor (…) a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de indemnização global por todos os danos discriminados nesta sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento», e com a qual a Recorrente se não pode conformar.
2ª – No presente recurso, a Apelante não põe em causa a decisão proferida no que respeita à matéria de facto, que aceita nos precisos termos em que ficou consignada, quer relativamente ao acidente, quer relativamente às consequências dele resultante para os Apelados, não aceitando, porém, o arbitramento do quantum indemnizatório dos danos dos Apelados, tal como foi decido pelo douto Tribunal a quo, não só por carecer tal decisão de qualquer fundamentação e como também por serem os valores fixados totalmente desfasados dos critérios jurisprudenciais vigentes.
3ª – O douto Tribunal a quo em sede de sentença concluiu pela procedência do peticionado pelos Apelados, ainda que parcialmente e fá-lo depois de enquadrar a questão tal como as partes a apresentam, escrutinar o instituto jurídico em causa e os seus pressupostos de aplicação, pelo que se impunha que, de seguida, aplicasse o direito ao caso concreto, tendo presente a factualidade dada como provada, donde se retiraria, então a ratio dos valores indemnizatórios arbitrados, sendo que, quanto a este segmento decisório pouco ou nada é dito, apenas focando em termos amplos, conclusivos e conjuntos os parâmetros valorados na determinação do montante indemnizatório, ficando a Apelante sem perceber porque é que a decisão tomada vai no sentido de fixar o valor indemnizatório de € 55.000,00 para a Apelada (…) e de € 40.000,00 para o Apelado (…) e não outro.
4ª – Nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, cumprindo a fundamentação uma dupla função: de carácter objetivo – pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo – garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários, pelo que deve permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
5ª – O dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral encontra-se previsto e fundamentado no artigo 158.º do CPC, não se alcançando o cumprimento da mesma pelo Tribunal, já que não se sabe que premissas partiu para chegar à conclusão a que chegou e em que base legal se apoiou, dúvidas que a Apelante tem e não consegue superar porque não é explicado o caminho percorrido para lá chegar.
6ª – No caso em apreço não se trata de uma mera insuficiência ou incompletude da motivação, o que aqui se constata é uma inexistência de fundamentação ou uma fundamentação gravemente insuficiente (equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos), em termos tais que não permite à Apelante a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial proferida, não explicitando o Tribunal a quo, na designada fundamentação da decisão, o raciocínio que presidiu à subsunção dos factos (e quais factos) ao direito, socorrendo-se de considerações abstratas e conclusivas.
7ª – Da justificação da decisão supra apreende-se que o Tribunal valorou na determinação do montante indemnizatório um défice funcional da integridade físico-psíquica que não é reduzido para a autora e mediano para o autor, sendo que dos factos dados como provados sob os pontos 15 e 21 resulta que o Apelado, ficou a padecer de sequelas que determinam um défice de 3,97 pontos e que a Apelada, ficou a padecer de sequelas que determinam um défice de 6,88 pontos, sendo evidente a contradição da matéria constante dos factos dados como provados e a conclusão que o douto Tribunal dela retirou.
8ª – Primeiro porque o défice funcional fixado para a autora é superior ao do autor, resultando da “fundamentação”, precisamente o inverso: que o défice funcional da Apelada é inferior ao do Apelado (a expressão mediano é mais forte que a expressão não é reduzido), segundo porque a expressão «mediano» significa “aquilo que está colocado no meio”, e tendo presente que a escala de medição aplicada ao défice funcional, que vai dos 0 aos 100 pontos, indica que a valoração foi feita com base no facto do Apelado apresentar um défice funcional na ordem dos 50 pontos (mais coisa, menos coisa) e terceiro porque um défice funcional não ser reduzido é uma expressão que engloba tudo e nada, pois, mais uma vez partido da escala de 0 a 100 pontos, verifica-se que um défice funcional de 6,88% objetivamente analisado deve ser considerado reduzido ou mesmo muito reduzido.
9ª – Assim, a valoração do quantum indemnizatório partiu de factos distintos dos dados como provados e, para além da ausência de fundamentação do caso concreto, também as considerações de que terá partido o douto Tribunal a quo se revelam contraditórias, existindo uma divergência entre os factos provados e a solução jurídica, pelo que estamos perante uma nulidade da sentença, tal como prevista nas alínea b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
10ª – Acresce que, devidamente analisada a factualidade demonstrada nos autos e esta devidamente subsumida ao direito, aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, os critérios da equidade, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, resultará inevitavelmente a fixação de montantes indemnizatórios, em valores inferiores aos fixados pelo tribunal a quo.
11ª – Não existindo dúvidas de que o dano biológico – o dano corporal – pode acarretar danos patrimoniais e não patrimoniais e que os danos patrimoniais são as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, isto é, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e são qualificados como uma perda da capacidade geral de ganho é esta assim definida: A “perda da capacidade geral de ganho – quando não for, ou não for só, a perda concretizada de rendimentos da profissão (por a pessoa não estar a trabalhar, no caso de estar desempregado, ainda não trabalhar por ser estudante, já não trabalhar por ser aposentado/desempregado, ou não se verificar incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão habitual, apesar de o lesado ter de fazer esforços suplementares/acrescidos para o efeito – é indeterminável”.
12ª – Não podendo, pois, o seu cálculo ser feito por referência a lucros cessantes (no sentido dos rendimentos que deixou de obter por causa da lesão) ou de danos futuros (no sentido da perda de rendimento expectável em consequência da lesão) em virtude de, em bom rigor, inexistirem esses danos por impossibilidade legal, sendo totalmente irrelevante para este efeito os rendimentos dos Apelados auferidos no anterior ao do acidente, que se encontram refletidos no ponto 23 e 24 dos factos provados.
13ª – Não sendo possível determinar o valor exato deste
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