Acórdão nº 233/23.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão233/23.1T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Processo: 233/23.1T8BRG.G1
Tribunal Judicial da Comarca de Braga
Juízo Local Cível de … - Juiz ...
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Paula Ribas
2ª Adjunta: Sandra Melo
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AA, contribuinte fiscal n.º ...97, residente na Av. ..., ..., ..., veio propor a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra EMP01..., S.A., atualmente designada EMP02..., S.A. pessoa coletiva n.º ...31, com sede na Avenida ..., em ..., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia global de € 16.334,13, correspondente ao valor da reparação do veículo ..-AC-.., acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, veio alegar, em suma, que (i) é dono e legítimo possuidor do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ..., com a matrícula ..-AC-..; (ii) a ré celebrou com o autor contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a cobertura, além do mais, de danos próprio, com a apólice ...13; (iii) no dia 17/02/2020, pelas 12h00, na vigência do aludido contrato de seguro, BB, residente com o autor, teve um acidente ao conduzir o AC; (iv) na verdade, dirigindo-se para o Restaurante ..., onde ia almoçar, estacionou o AC em frente ao restaurante, na berma da EN ...01, sentido ...; (v) após o almoço, BB pôs o veículo a trabalhar, sendo que este, pouco depois e antes de iniciada a marcha, o motor do AC foi abaixo e, não obstante as duas tentativas subsequentes de o ligar, não mais funcionou; (vi) na expetativa de perceber o que se passava, BB abriu o capot do AC, constatando a existência de uma mancha de óleo no chão, posto o que acionou a assistência em viagem, chamando o reboque para encaminhar o veículo para a oficina; (vii) recordou nessa altura que ao estacionar, o AC tinha raspado numa guia de passeio em granito ali existente e que estava elevada em relação ao nível do solo; (viii) o autor participou à ré o sinistro vindo de descrever, tendo esta diligenciado pela realização, em 24/03/2020 da peritagem com o n.º ...11.02, separando os danos, por entender diferentes as respetivas origens, assumindo tão só a responsabilidade pelo pagamento de danos do valor de € 2.879,34, declinando a responsabilidade por danos que avalia em € 13.454,79, por ter concluído que o AC teria circulado após o embate e não obstante o alerta de falta de óleo, o que não corresponde à verdade, já que todos os danos decorrem do embate na guia de granito.
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Citada, a ré contestou a ação, mediante confirmação da existência do contrato de seguro que segurava o AC e a participação do evento em causa nestes autos em 20/03/2020, determinando a realização de peritagem que concluiu pela existência de danos de raspagem na zona frontal e inferior da viatura, e pela gripagem do motor, mais determinando a realização de averiguação.
Conclui-se que no dia e hora em apreço, BB, ao estacionar o AC, não guardou a devida distância do lancil de um passeio, passando por cima dele, o que determinou a raspagem da parte inferior dianteira do CA no lancil, e o embate no mesmo do radiador do óleo do motor.
Fruto da colisão, necessariamente percebida pelo condutor do AC, o radiador começou a verter óleo, que se espalhou sobre o pavimento da zona onde estava estacionado, tendo, durante o almoço de BB, o AC perdido a quase totalidade do óleo.
Regressado do almoço, BB acionou a ignição do AC, com o que surgiu no painel de instrumentos sinal luminoso indicativo de falta de óleo no motor, o que o fez sair do veículo vendo o lancil danificado e abundante quantidade de óleo na via, sendo que, em vez de chamar de imediato o reboque, decidiu sair dali ao volante do AC, que conduziu na EN ...4, sentido Porto ..., numa extensão de cerca de 100 metros, posto o que o motor deixou de funcionar, tendo BB imobilizado o AC na berma, já depois do Restaurante ... e a cerca de 100 metros do local onde estivera estacionado.
No local onde o AC foi recolhido pelo reboque não havia óleo, e isto por força do período em que esteve estacionado após o embate e, bem assim, por BB ter estado a falar ao telefone com o AC em funcionamento, após almoço.
Ora, os únicos danos no AC resultantes de colisão são do valor de € 2.879,34, e da aludida colisão não poderia resultar dano no motor, cujos danos decorrem da movimentação do AC após a colisão, com perda significativa de óleo do motor, cuja função é refrigerar o motor e assegurar a normal movimentação das peças do motor, e essa movimentação é imprevidência do condutor, que levou ao sobreaquecimento das peças do motor, que gripou.
Ou seja, a atuação culposa de BB, que omitiu o dever de contribuir para a limitação dos danos no AC, gerou a produção dos danos no motor, pelo que não pode a ré ser responsabilizada por eles, mas tão só pelo pagamento dos danos no valor de € 2.879,34, sem IVA, pois que o autor não comprova ter suportado o respetivo pagamento.
Conclui, pugnando por que seja a ação julgada improcedente.
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Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo a Ré, integralmente, do pedido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto, mostrando-se incorretamente julgados e dados como provados os factos constantes das alíneas 18, 19, 22, 24, 25, 28, 29, 40 e 42 da matéria de facto provada na sentença recorrida, que deviam ter sido julgados como não provados.
2. Mostra-se não provado o facto da alínea a) da matéria de facto não provada, quando a prova testemunhal produzida foi efetuada em sentido contrário, pelo que, o mesmo haveria de ter sido julgado como provado.
3. A imposição da alteração da matéria de faco referida supra, resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas CC, DD, BB e EE, que se transcreveram parcialmente e que se dão por integralmente reproduzidos.
4. Nenhuma prova nesse sentido foi produzida em audiência de discussão e julgamento que possa ter permitido ao Tribunal recorrido dar como provados e não provado os factos colocados em causa no presente recurso.
5. As duas únicas testemunhas que estavam o interior do veículo no momento do sinistro e que podiam ter-se percebido do raspão na parte inferior do veículo, referiram que não se deram conta de qualquer barulho ou embate.
6. A testemunha BB esclareceu mesmo que o lancil do passeio onde o AC raspou estava encoberto por ervas, facto que, como é provável, pode ter absorvido a propagação de ruido e o amortecimento do choque.
7. Perante o depoimento das testemunhas FF e EE não podia o tribunal recorrido ter concluído que o condutor do veiculo em causa nos autos e o ocupante do mesmo “necessariamente ouviram o barulho e sentiram o impacto e a única explicação para que venham a negar o óbvio e que, aliás, havia sido assumido por BB, é procurar afastar a responsabilidade pelos danos no motor, até porque, BB assumiu estar ciente da danosidade associada à circulação ou manutenção em funcionamento de um veiculo automóvel sem óleo…..”. Não pode, aliás, escamotear-se que estava em causa um condutor oriundo de uma família a operar no ramo da reparação automóvel, pelo que, terá conhecimentos acrescidos em termos mecânicos.”.
8. Estas considerações tecidas pelo MMº Juiz a quo na sentença em crise não fazem ou correspondem a uma análise crítica e global dos depoimentos prestados, a qual, levaria necessariamente a resposta diferente à matéria de facto supra enunciada.
9. Não se vislumbra qualquer motivo para o BB ter ouvido o barulho e sentido o impacto do embate e vir negar o óbvio, procurando afastar a responsabilidade pelos danos, uma vez que o veículo automóvel tinha seguro de danos próprios, com a cobertura de risco contratada de choque, colisão e capotamento, e os danos causados sempre se mostravam cobertos pelo seguro.
10. Também não se percebe por que razão sendo o condutor familiar de pessoas proprietárias de uma oficina tem que possuir conhecimentos de mecânica superiores ao de qualquer outra pessoa ou condutor.
11. É do conhecimento geral de todos os condutores, facto que o BB também admitiu saber, que um veículo sem óleo no motor não pode trabalhar, não se vislumbrando qualquer motivo para se considerar que, sendo o BB conhecedor desse facto, mesmo assim teria acionado a ignição do veículo sinistrado.
12. Não faz qualquer sentido lógico ou promana de algum juízo de normalidade do acontecer, a argumentação tecida na sentença em crise quanto ao conhecimento do embate, pois se o BB se tivesse apercebido do embate ao estacionar e perante a existência de seguro com danos próprios, bastava-lhe ter chamado o reboque pela assistência em viagem e encaminhar o veículo para uma oficina.
13. Do depoimento das testemunhas BB e EE, que o Autor prescindiu mas o Tribunal, e bem, entendeu ouvir, resultou demonstrado à saciedade que no momento em que o veículo foi estacionado não se aperceberam do embate.
14. Quando regressaram do almoço, o condutor BB ligou a ignição do veículo e o mesmo trabalhou por alguns momentos, desligando-se de seguida.
15. O condutor BB ainda tentou acionar o veículo mais duas ou três vezes mas já não foi possível colocar (o AC) a trabalhar.
16. Resultou ainda provado que o embate do veículo na guia do passeio onde se encontrava estacionado, não foi percetível, nem pela testemunha EE, nem pelo próprio condutor do veículo, únicas testemunhas que presenciaram os factos.
17. Não podia, assim, contrariamente à única prova produzida nesse sentido, e que são as declarações dos próprios, o tribunal recorrido ter considerado que o condutor e o ocupante do veículo se aperceberam do embate...

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