Acórdão nº 23200/22.8YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01-02-2024
Data de Julgamento | 01 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 23200/22.8YIPRT.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I- RELATÓRIO
EMP01... Ldª. intentou a presente ação declarativa com processo comum (que se iniciou como procedimento injuntivo) contra AA, na qual conclui pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €26.670,46, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até efetivo pagamento.
Para substanciar tal pretensão alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade profissional na área da construção civil prestou serviços à ré, mostrando-se ainda por liquidar a aludida importância.
A ré deduziu oposição alegando que solicitou à autora a prestação de serviços de mão-de-obra para reabilitação de uma moradia destinada à sua própria habitação, serviços esses que não incluíram, contudo, todas as diligências, deslocações e trabalhos necessários à reabilitação dessa moradia.
Refere que os serviços que foram solicitados à autora ficaram concluídos em outubro de 2017, tendo a ré passado a habitar com o seu agregado familiar a moradia a partir de 13.11.2017.
Aceita que a autora lhe remeteu a fatura com o nº ..., em 10.02.2021 e que lhe solicitou o seu pagamento, contudo argumenta que tal fatura não é devida, uma vez que, quando foi emitida, a ré já havia pago a totalidade dos serviços prestados.
Dispensada a audiência prévia, realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.
Não se conformando com o assim decidido, a autora interpôs recurso, admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
(I) O objeto do presente recurso versa sobre a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedente a ação declarativa proposta pela Recorrente, na qual pediu a condenação da Recorrida ao pagamento de 26.670,46€, correspondente a 24.600,00€ de capital, 1.764,46€ de juros de mora, 153,00€ relativo a outras quantias e 153,00€ de taxa de justiça.
(II) O ponto 3. do elenco dos factos provados, encontra-se parcialmente mal julgado, nomeadamente no que respeita ao termo dos trabalhos realizados pela Recorrente.
(III) Resulta da oposição apresentada pela Recorrida e pelo facto 5. do elenco dos factos provados que os trabalhos terminaram em outubro de 2017 e a última fatura foi emitida, pela Recorrente à Recorrida, em março de 2018, a qual, aliás, em sede de depoimento de parte confessou que os trabalhos terminaram apenas em 2018 e ter-se-ão iniciado no ano de 2013.
(IV) Em consequência da confissão da Recorrida e da conjugação da matéria factual, haveria o Tribunal a quo de ter dado como provado que “Os serviços prestados pela Autora à Ré iniciaram-se em 2013 e terminaram de 2018 e consistiram na reabilitação de habitação familiar, nomeadamente planificação, construção, pintura e acabamento das paredes mestras do imóvel”.
(V) O Tribunal a quo fundou a sua decisão neste facto concreto, julgando não ser crível que a Recorrente tenha aguardado entre 2016 e 2021 para cobrar as faturas em dívida, falecendo todo argumentativo decisório, em resultado da impugnação da matéria de facto alegada, cabendo, pois, revogar a decisão proferida, julgando procedente o pedido da A., porquanto é perfeitamente plausível, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica que – tanto mais em contexto de pandemia e no seio de relações societárias e familiares – a Recorrente possa ter aguardado entre 2018 e 2021 para cobrar os serviços que prestou à Recorrida, no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a mesma.
(VI) O hiato temporal foi, aliás, cabalmente esclarecido em sede de depoimento de parte do legal representante da Recorrente, que o esclareceu como consequência das relações familiares e do facto de a obra nunca ter sido dada como terminada, o que se percebeu apenas em decorrência de ação proposta pela Recorrida contra a Recorrente.
(VII) O ponto 1. do elenco dos factos não provados encontra-se erradamente julgado, porquanto resulta manifestamente da prova produzida nos autos, nomeadamente testemunhal, que, no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre Recorrente e Recorrida, foram prestados os serviços descritos no ponto 3. do requerimento injuntivo.
(VIII) Acresce que a Recorrida não impugnou, de modo algum, a prestação dos serviços por parte da Recorrente.
(IX) Encontrando-se amplamente demonstrado nos autos que a Recorrente prestou todos os serviços necessários à remodelação de uma moradia unifamiliar a solicitação da Recorrida, que nenhuma fatura relativa a mão de obra havia sido liquidada, que não existia autos de medição da obra, que a prestação de serviços pela Recorrente não foi impugnada pela Recorrida, que os trabalhos decorreram até 2018 e que a última fatura emitida reporta a março de 2018, não existe razão para que o Tribunal a quo considere não provado que a “A fatura referida em 47., n.º ... no valor de 24.600,00€, respeita aos serviços prestados pela Autora à Ré e descritos em 3”, com fundamento no hiato temporal decorrido entre a prestação dos serviços e emissão da fatura, importando considerar tal facto provado e condenar a Recorrida ao pagamento da referida fatura, conforme peticionado nos autos.
(X) Do elenco dos factos provados haveria ainda de constar, face à confissão da Recorrida, conforme assentada, que os trabalhos efetuados na piscina da sua habitação e a execução de uma laje de piso no mesmo imóvel não foram pagos à Recorrente, o que sempre importaria o pagamento de tais valores, cujo o valor, em sede de liquidação de sentença, se apuraria.
(XI) Nos termos do preceituado no art.º 342.º, n.º 1, do Cód. Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. A prestação do serviço/empreitada, por parte da Recorrente, é um facto constitutivo do seu direito, alegado nos presentes autos e cuja tutela requereu.
(XII) A prestação do serviço por parte da Recorrente, no âmbito do contrato de empreitada celebrado com a Recorrida, é fonte da obrigação de pagamento do preço por parte da Recorrida, facto esse que se encontra amplamente provado nos autos.
(XIII) A prestação de serviços por parte da Recorrente, no âmbito do contrato de empreitada celebrado, não foi impugnada pela Recorrida. A Recorrida limitou-se a alegar que todos os serviços prestados se encontravam pagos, sem que, contudo, tenha logrado provar o pagamento da fatura cujo pagamento a Recorrente requereu.
(XIV) O Tribunal a quo considerou não provado que “A fatura referida em 47., n.º ... no valor de 24.600,00€, respeita aos serviços prestados pela Autora à Ré e descritos em 3”. Sucede que não decorre da prova produzida, ou foi invocada que a referida fatura cujo pagamento se requer importe a quaisquer outros serviços ou que a mesma constitua, de algum modo, um erro.
(XV) Em consequência, provada a prestação de serviços – facto constitutivo do direito invocado pela Recorrente – não se perceciona de que modo pode o Tribunal a quo considerar que a referida fatura não importa aos serviços alegados.
(XVI) O Tribunal a quo funda tal entendimento no alegado tempo decorrido entre a prestação dos serviços e a emissão da fatura (2016 a 2021). Sucede que, conforme supra se deixou impugnado, por um lado, os trabalhos decorreram até outubro de 2017 e, por outro, a última fatura emitida corresponde a março de 2018. Se a tal raciocínio acrescentarmos o contexto de pandemia vivido entre março de 2020 e a data da emissão da fatura, claudica o raciocínio lógico dedutivo, alicerçado nas regras da lógica e da experiência comum efetuado pelo julgador em 1.ª instância.
(XVII) Acresce a tal contexto o âmbito familiar dos sujeitos da relação jurídica em causa nos autos. A sociedade Recorrente é detida pela própria Recorrida, pela sua irmã e pela sua mãe e gerida pelo seu pai, o que sempre justificaria a demora na emissão da fatura à Recorrida e que o gerente, em sede de depoimento de parte esclareceu.
(XVIII) Não tendo sido acordado um preço global pela prestação dos serviços, no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre Recorrente e Recorrida, não existe fundamento para que, provados os trabalhos efetuados pela Recorrente no âmbito de tal contrato, se pugne pela não obrigação de pagamento da Recorrida da fatura emitida.
(XIX) Decorre da prova documental junta aos autos pela própria Recorrida que as demais faturas relativas aos trabalhos prestados na sua habitação, contam com o descritivo “trabalhos efetuados em reabilitação de habitação unifamiliar”. A fatura cujo pagamento se reclama tem como descritivo “Mão de obra referente a trabalhos efetuados em reabilitação de habitação unifamiliar” e os trabalhos minuciosamente descritos pela prova testemunhal, pelo que é notória a identidade entre ambas, não havendo razão para considerar não provado que tal fatura importe aos trabalhos efetuados por conta da Recorrida.
(XX) Acresce que o ónus da prova de que tal fatura não dizia respeito aos serviços reclamados impendia sobre a Recorrida, nos termos do n.º 2, do art.º 342.º, do Cód. Civil. A Recorrida não produziu qualquer prova nesse sentido, quer documental, quer testemunhal, quer pericial.
(XXI) O grau de convicção do julgador tem de ter suporte objetivo, em resultado de um percurso lógico. Sucede que o percurso lógico efetuado pelo Tribunal de 1.ª instância assenta num pressuposto inexistente, o de que entre a prestação dos serviços e a emissão da fatura decorreram mais de 4 anos, quando, na verdade, decorreram cerca de 3 anos, 1 deles em contexto de pandemia, pelo que a convicção do julgador tem, necessariamente, de ser abalada e repensada, de acordo com o suporte objetivo presente nos autos.
(XXII) Sucede ainda que o facto constitutivo do direito...
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