Acórdão nº 232/20.5T8SPS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão232/20.5T8SPS.C1
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Relator: Arlindo Oliveira
1.º Adjunto: Emídio Francisco Santos
2.º Adjunta: Catarina Gonçalves

Processo n.º 232/20.5T8SPS.C1 – Apelação

Comarca de ..., ..., Juízo Central Cível

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA e cônjuge, BB, residentes em ..., e CC e cônjuge, DD, residentes em ..., intentam a presente acção declarativa constitutiva e de condenação com processo comum contra EE, residente em ..., ..., FF e cônjuge, GG, residentes em ..., ..., pedindo a condenação destes no seguinte:

a) Que não existe qualquer declaração expressa ou tácita, nomeadamente nos termos do disposto no artigo 2.049º do Código Civil, de aceitação por parte de HH do legado em substituição da legítima constante do testamento outorgado por seu falecido marido, II em .../.../1997, Livro ...4... a fls. 81 do Cartório Notarial ...;

b) Que é falsa a declaração prestada por EE constante da escritura de Habilitação de Herdeiros outorgada no dia 31 de maio de 2019, Livro ...42... a fls. 16 do Cartório Notarial ... na parte em que se declara “… tendo esta aceitado o legado,…” pretendendo a declarante atribuir a HH a aceitação do legado em substituição da legitima constante do testamento de II;

c) Que, seja porque o legado em substituição da legitima não retira a posição de herdeiro legitimo ao seu beneficiário e aceitante, seja porque não existe aceitação expressa ou tácita do referido legado em substituição da legitima nem nunca a HH foi chamada, no momento da morte de seu falecido marido ou em vida e notificada para aceitar ou repudiar o legado, esse legado não tem validade nem eficácia e os réus não são herdeiros legais ou testamentários ou por qualquer outra forma, do falecido II;

d) Que HH foi a única e universal herdeira de seu falecido marido II;

e) Que são nulos quaisquer registos de propriedade efetuados ou que se venham a efetuar tendo por suporte documental a escritura de Habilitação de Herdeiros exarada e outorgada por EE no dia 31 de maio de 2019 no Cartório Notarial ...,

Livro ...42... a fls. 16 e testamento a ela junto, seja porque contém falsas declarações seja porque, não constando dessa escritura qualquer prova documental da aceitação expressa ou da notificação judicial nos termos do disposto no artigo 2.049º n.º 1 do Código Civil, a mesma é insuficiente para a prova da qualidade de herdeiros dos réus e da aquisição de propriedade de quaisquer prédios do acervo hereditário da herança de II;

f) que é nulo e como tal deve ser rejeitado ou, se, entretanto, efetuado, ordenado o cancelamento de quaisquer registo de propriedade e inscrição a favor dos réus no que respeita aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, efectuados com base na escritura de Habilitação de Herdeiros referido em e);

g) Que os autores são proprietários, em partes iguais, dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, atuais artigos matriciais ...7, urbano e ...25, rústico, da União das freguesias ... e ... e de todo o recheio do mesmo, móveis e utensílios diversos e;

h) Mais devem os réus ser condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores referido no pedido anterior, a retirar o cadeado referido no artigo 85º da P.I. e a absterem-se de qualquer outro ato perturbador desse direito de propriedade.

Para tal, alegam – e muito resumidamente – que HH não aceitou o legado que, em substituição da legítima, lhe foi instituído pelo testamento outorgado pelo seu falecido marido, II, pelo que os réus dele não são herdeiros, antes o é, e unicamente, aquela sua viúva, e assim pedem a nulidade de todos os registos que tiveram por base a escritura de habilitação de herdeiros onde, falsamente, foi declarado que a ré EE era herdeira daquele seu falecido tio, que antes devem ser os autores declarados proprietários dos bens em apreço.

Contestam os réus EE e FF, avançando – e também em muito breve síntese – que a legatária aceitou aquele testamento, e assim os familiares do falecido II são os seus universais herdeiros, pois que a consorte viu os seus direitos enquanto herdeira legitimária serem substituídos pelo legado que aceitou, na medida em que tomou conta dos bens e deles usufruiu em conformidade. Concluem, assim, pedindo a sua absolvição.

Em réplica, os autores mantêm o anteriormente afirmado.

Teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador tabelar e proferido despacho que procedeu à identificação do objecto do litígio, e à enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 213 a 219, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Julgo a presente acção provada e procedente, pelo que declaro que, contrariamente ao afirmado por EE, aquando da outorga da escritura de habilitação de herdeiros lavrada a 31 de Maio de 2019 no Cartório Notarial ..., HH, foi a única e universal herdeira do seu falecido marido, II, pelo que são nulos os registos lavrados com referência aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob os números ...35 e ...37, suportados pela referida escritura de habilitação de herdeiros e pelo testamento lavrado pela mesma EE, e determino o cancelamento das referidas inscrições.

Custas pelos réus.”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus EE e FF, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 274), rematando as respectivas motivações, com o que apelidam de “conclusões”, reproduzindo as alegações (ao longo de 25 páginas), em completo desrespeito pelo comando imposto pelo artigo 639.º, n.º 1, do CPC “de forma sintética”, pelo que aqui não se reproduzem, sem embargo de se conhecerem e decidirem as questões suscitadas.

Contra-alegando, os autores, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, defendendo que a mesma não padece da invocada nulidade, porquanto na sentença foi proferida “pronúncia expressa” acerca da declaração de propriedade; que a prova foi bem apreciada, devendo permanecer imutável o elenco dos factos dados como provados e não provados, e em face do que se impõe concluir que HH não aceitou o legado em apreço, nem tácita nem expressamente, o que, tudo, impõe, a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a sentença recorrida padece da nulidade referida no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;

B. Incorrecta análise e apreciação da prova, nos seguintes termos:

1 – Se devem dar-se como provados os factos constantes dos artigos 21.º a 23.º da p.i., excepto quanto à convicção de exercer um direito exclusivo de plena propriedade;

2 – Devem dar-se como provados os factos constantes do artigo 85.º da p.i;

3 – Relativamente ao artigo 58.º da p.i., apenas se deve dar como provado que “nunca em vida de HH, os RR requereram inventário por óbito do falecido II”;

4 – Deve dar-se por provado o que consta do artigo 27.º da contestação;

5 – Devem dar-se como provados os factos que constam dos artigos 30.º a 33.º da contestação;

6 – Devem dar-se como provados os factos descritos no artigo 40.º da contestação e;

7 – Devem dar-se como provados os factos constantes dos artigos 70.º e 72.º da contestação.

C- Se, por não se estar em presença de uma acção de reivindicação, os AA não podem obter a condenação dos RR a reconhecer o direito de propriedade daqueles, sobre os bens em causa e;

D – Se, analisando o testamento outorgado por II a favor de HH, se deve concluir que este quis que os bens que compunham a sua herança não passassem para a titularidade do seu cônjuge e se esta, ao assumir o usufruto da herança, aceitou o legado nele referido.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

petição

1

Em 15 de novembro de 1970, na freguesia e concelho ..., II contraiu casamento católico, sem convenção antenupcial, com JJ, em primeiras núpcias de ambos, tendo esta última assumido o apelido “de EE”.

2

Em .../.../2003, na freguesia ..., concelho ..., faleceu o referido II.

3

No estado de casado com sua esposa HH, sem deixar descendentes ou ascendentes sobrevivos.

4

Em 15 de julho de 2003 a viúva, HH, compareceu no serviço de Finanças ... e aí disse que: “…na qualidade de herdeira, pretendia declarar que no dia .../.../2003, faleceu no Instituto de Oncologia do ..., onde se encontrava acidentalmente em tratamento, mas com domicílio em ..., ..., deste concelho, seu marido II com quem era casada em primeiras e únicas núpcias, no regime geral de bens, sem ter feito testamento ou outra qualquer disposição de sua última vontade, deixando a suceder-lhe na herança: 1) A declarante cônjuge. Mais declarou que a seu favor não se operou qualquer outra transmissão, a título gratuito, provinda do mesmo autor da herança”.

5

Com base nesta declaração o serviço de Finanças ... instaurou processo de liquidação de imposto sucessório registado sob o n.º ...39.

6

No âmbito desse mesmo processo de Imposto sucessório e a 15 de setembro de 2003 a mesma viúva compareceu novamente no serviço de Finanças ... e na qualidade de Cabeça de Casal, declarou que a transmissão aí em causa se compunha dos bens que constavam “… da relação junta, escrita em quatro folhas, devidamente autenticadas, compreendendo dezanove verbas de ativo e uma de passivo e da qual consta que não se procede a...

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