Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 2317/15.0T8SLV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-02)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023





Processo n.º 2317/15.0T8SLV-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]

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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:
I – Relatório
1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., exequente nos autos acima identificados, notificada da sentença proferida em 29 de setembro de 2022, e não se conformando com a mesma, interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«1. Julgou o Tribunal a quo procedente à oposição à execução, apresentada pelo Embargante AA e, em consequência, declarou prescrito o direito de crédito que a Exequente/ Embargada peticionou na execução, com a legal consequência de extinção da ação executiva contra aquele Embargante.
2. Atento o previsto no artigo 781º do Código Civil, a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento antecipado das restantes.
3. A falta de pagamento de uma prestação tem por efeito a perda do benefício do prazo para o devedor, sendo para tal suficiente, que o credor interpele o devedor para o cumprimento da obrigação ainda não paga, o que fez a ora Recorrente através do envio de missiva com interpelação do Embargante para liquidação dos valores em dívida, em 15 de Julho de 2015.
4. Verificado o incumprimento do plano de amortização da dívida inicialmente acordado, aplicável ao presente caso, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros.
5. Desde a interrupção do pagamento das prestações, considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, conforme defendido pela ora Recorrente em sede de contestação de embargos.
6. Senão vejamos, o prazo de prescrição é aplicável ao montante total e, não a cada uma das prestações de amortização de capital e juros.
7. Pelo contrário, o defendido no douto acórdão uniformizador reporta-se à prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
8. Considerando o incumprimento contratual e, o vencimento da dívida, não poder-se-á considerar a previsão legal invocada no douto acórdão, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir.
9. Acresce, em virtude do incumprimento verificado, que os valores em dívida retomam novamente a natureza original, de acordo de pagamento de capital e juros, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, e por conseguinte fica o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos.
10. Entende a Recorrente, que a situação enquadra-se nos termos previstos nos artigos 309º e 311º do Código Civil.
11. Não se conformando a Recorrente com a douta decisão.
12. A interpretação conjugada dos artigos 777º, 779º, 781º, 804º,817º do Código Civil, com a aplicação ao presente caso da prescrição prevista no artigo 310º al. e) do mesmo normativo, introduz riscos sérios e potencialmente graves de aplicação do direito pelos Tribunais em violação de princípios basilares do ordenamento jurídico.
13. São esses princípios os da certeza e segurança jurídicas.
14. Bem como potenciais geradores da frustração de expectativas, nomeada e especialmente dos credores hipotecários criadas no momento da celebração dos negócios garantidos por hipoteca.
15. Assim colocando em crise os princípios da confiança e da estabilidade dos contratos, da boa-fé e do acesso ao direito e tutela efetiva.
16. Violação geradora de inconstitucionalidade.
17. Ora, o Princípio da Segurança Jurídica supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas por forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados.
18. A violação deste princípio, pode levar a que uma norma possa ser declarada inconstitucional a fim de serem preservados os direitos das pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham de boa-fé, presumido a validade da norma, e construído relações jurídicas e praticado atos à sua sombra.
19. Na mesma senda, o princípio da proteção da confiança, censura alterações súbitas, arbitrárias e altamente gravosas de normas em cuja continuidade os cidadãos tenham depositado expectativas legítimas que tenham sido alimentadas pelos poderes públicos.
20. Tudo isto sucede no caso sub judice, pois a aplicação arbitrária e retroativa deste AUJ é geradora da frustração das expectativas dos credores hipotecários.
21. O entendimento fixado no AUJ é potenciador do surgimento de situações concretas em que os devedores incumpridores, dos créditos à habitação, são beneficiados, em detrimento dos credores hipotecários, porquanto aos credores são vedadas as prerrogativas legais de acionamento e ressarcimento dos seus créditos, designadamente o próprio capital mutuado, por aplicação do disposto na al. e) do artigo 310º do Código Civil.
22. Com efeito, a aplicação do AUJ nº 6/2022 aos factos objetos da douta decisão é manifestamente geradora da frustração das expectativas dos credores hipotecários, que até aqui tinham a possibilidade de ver ressarcidos os seus créditos, pelo acionamento da garantia prestada aquando da celebração do negócio. Era assim que vinha sendo decidido, e era esta a expectativa jurídica criada.
23. A aplicação retroativa desta lei atenta contra as expectativas dos credores criadas aquando da celebração do negócio.
24. A ora Recorrente intentou a ação executiva no ano de 2015, pelo que à data, fundou a sua decisão na premissa de, que na qualidade de credora hipotecária, ver-se-ia ressarcida dos seus créditos, através de venda do imóvel com hipoteca constituída a seu favor, ou da penhora de outros bens que poderiam responder pelos valores em divida.
25. Com a decisão do Tribunal a quo nos termos em que foi proferida, fica totalmente prejudicado o acionamento das garantias, constituídas a favor da credora/exequente, e o pagamento dos valores remanescentes em divida.
26. Não obstante, sempre o Douto Despacho merece censura, devendo ser Revogado e substituído por outro que se pronuncie no sentido da não prescrição do crédito da Recorrente, julgando por conseguinte improcedente a oposição à execução, deduzida pelo Recorrido/Embargante AA, prosseguindo os autos os ulteriores termos até final, para liquidação dos valores em divida junto da Recorrente.».

2. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim sendo, o recurso interposto convoca duas questões: a primeira, é a de saber se, ocorrendo o vencimento antecipado das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, nos termos do art.º 781.º do Código Civil[3], continua a aplicar-se ao valor de capital e juros antecipadamente vencidos o prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º, alínea e), do CC, ou se, nessa circunstância, tal prazo prescricional é de vinte anos, como sustenta a recorrente, sob pena de violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, geradora de inconstitucionalidade; e a segunda, concerne em determinar se o artigo 781.º do CC funciona automaticamente ou se o mesmo não dispensa a interpelação do credor ao devedor, ou seja, qual o dies a quo da contagem do prazo de prescrição.
Em caso de procedência, ainda que parcial, da apelação, em cumprimento do disposto no artigo 665.º, n.º 2, do CPC, haverá ainda que conhecer, pela ordem lógica e de prejudicialidade, das questões suscitadas pelo embargante, a saber: i) da inexistência ou insuficiência do título executivo, por inconstitucionalidade da norma com fundamento na qual a exequente apresentou unicamente o contrato de mútuo; ii) da iliquidez da dívida; iii) da inexigibilidade da obrigação manutenção do benefício do prazo por nunca ter sido interpelado para cumprir nem ter renunciado ao benefício da excussão prévia.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são as que foram consideradas em primeira instância, nos seguintes termos:
«1. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, veio propor acção executiva, em 24 de Julho de 2015, contra BB e AA, todos com os devidos sinais nos autos, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 67.480,27.
2. Fundamentou a sua pretensão no contrato de empréstimo e fiança, datado de 26 de Outubro de 2006, subscrito pelo Embargante AA na qualidade de fiador, no valor de € 40.000,00.
3. O valor emprestado seria pagável em prestações mensais.
4. A prestação mensal vencida a 25 de Maio de 2008 não foi paga, nem as subsequentes.
5. Por carta de 15 de Julho de 2015, o Embargante foi informado do valor total da dívida vencida, concedendo-lhe ainda dez dias para liquidar o valor».
Para além destes factos, para a decisão do recurso de acordo com todas as soluções plausíveis da questão de direito, nos termos prevenidos no artigo 607.º, n.º 4, aplicável aos acórdãos ex vi artigo 662.º, n.º 3, ambos do CPC, mostra-se ainda provado por documentos (cfr. fls. 17v.º, 19v.º e 20v.º a 23), cuja veracidade e genuinidade não foi impugnada, que:
6. A missiva referida em 5., por via da qual a Embargada referiu que “os mutuários…incumpriram as obrigações contratuais e nos termos da lei V. Excia responde solidariamente pelo pagamento”, informando que “a dívida
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