Acórdão nº 2315/23.0T8CLD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-02-2024
Data de Julgamento | 06 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 2315/23.0T8CLD.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR (artº 663, nº7 do C.P.C.)
(…).
***
Proc. Nº 2315/23.0T8CLD.C1- Apelação
Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria-Juízo de Competência Genérica de ...
Recorrente: AA
Recorridos: BB
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: António Marques Silva
Luís Manuel Carvalho Ricardo
*
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de COIMBRA:
RELATÓRIO
AA, intentou procedimento cautelar para restituição provisória da posse contra BB, peticionando que seja ordenada a restituição provisória à sua posse do Armazém de Aprestos n.º...3, sito no Porto de Pesca de ..., nomeadamente ordenando à Requerida a entrega à Requerente da chave do cadeado do portão ou, se necessário for, com arrombamento do novo cadeado colocado no portão e sua substituição e da respetiva fechadura.
Alegou, para tanto que lhe foi concedida autorização e emitida Licença para a utilização privada do bem do domínio público marítimo, referente a uma infraestrutura portuária de apoio à atividade de pesca, constituída pelo Armazém de Aprestos n.º...3, com a área de 70 m2, sito no Porto de Pesca de ..., por si utilizado desde a data da autorização inicial de alteração da titularidade da Licença (01/10/2011) até 22/11/2023, data em que a requerida procedeu ao arrombamento das correntes e dos cadeados desse armazém, substituindo-os por outros e impedindo-a de entrar no referido armazém.
***
Foi proferido despacho que ordenou a notificação da requerente para se pronunciar quanto à incompetência material do Juízo de Competência Genérica para conhecer deste procedimento cautelar, pronunciando-se a requerente no sentido de que o pedido e causa de pedir, tal como por si configuradas, não têm conexão com as matérias integradoras da competência dos tribunais marítimos.
Após, foi proferida decisão indeferiu “liminarmente a petição inicial, por verificação da exceção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, para a tramitação e julgamento dos presentes autos.”
***
Não se conformando com a decisão, dela apelou a A. ora recorrente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
(…).
*
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, a única questão a decidir consiste em saber
a) Se a competência para o pedido de restituição provisória da posse de um armazém de pesca sito na capitania de ..., cabe aos tribunais comuns, ou aos tribunais marítimos, conforme defendido pela decisão recorrida.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
“1º. A Requerente é armadora de pesca cuja atividade desenvolve junto do Porto de Pescas de ..., encontrando-se inscrita na Cat. B - Rendimentos Empresariais, CAE: 03111 - Pesca Marítima, com início de atividade junto do Serviço de Finanças de ... desde 07-01-2008 (…).
2º. Nessa qualidade, a Requerente é proprietária da embarcação de pesca-local denominada “...”, Registada na Capitania do Porto de Pesca de ... sob o n.º PTPEN-...2-l, com o Registo Comunitário n.º PRT00...21.
3º. No desenvolvimento desta atividade piscatória, a Requerente é diretamente coadjuvada pelo seu filho, CC, atualmente na qualidade de trabalhador em Terra / “Velho Terra”, por a mesma ser pessoa de avançada idade (86 anos) e estar confinada a uma cadeira de rodas para se poder deslocar.
4º. No âmbito da exploração da atividade económica privada da Requerente, foi-lhe em devido tempo concedida autorização e emitida a respetiva Licença para a utilização de uma infraestrutura portuária de apoio à atividade de pesca, constituída pelo Armazém de Aprestos n.º...3, com a área de 70 m2, sito no Porto de Pesca de ....
5º. Efetivamente, por Requerimento com entrada no IPTM - Delegação do Porto de ... sob o n.º 984 em 20-09-2011, a A..., C.R.L., com sede em ..., NIPC ...44, na qualidade de titular do Alvará de Licença n.º ...9-PE, relativo à ocupação do Armazém de Aprestos n.º...3, edificado em regime de autoconstrução, concedido para guarda de aprestos marítimos no Porto de Pesca de ..., veio requerer autorização para a alteração de titularidade do citado armazém, transmitindo-se o citado Alvará para a ora Requerente, com efeitos a partir de 01 de outubro de 2011.
6º. Pedido este que mereceu proposta de deferimento datada de 04-10-2011, emitida pela Delegação do Centro do Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I.P., com vista à autorização de alteração da titularidade com a emissão do Averbamento ao respetivo Alvará de Licença, com efeitos a partir de 01 de outubro de 2011, prorrogada no tempo, ficando a Requerente investida na qualidade de nova titular, sujeita ao cumprimento de todo o seu clausulado e sub-rogada em todos os direitos e deveres do cedente, proposta esta que mereceu despacho de autorização, nos termos e nas condições propostas, do Exm.º Sr. Presidente do Conselho Diretivo do IPTM.
(…)
11º. Mediante o pagamento de uma taxa cujo valor é a Requerente quem paga anualmente.
12º. O Armazém de Aprestos em causa constitui, desde 1 de outubro de 2011, um equipamento para apoio da atividade da Requerente, como armadora de pesca, destinado à guarda de aprestos e utensílios de pesca exclusivamente relacionados com a embarcação utente “...” e que visa dar apoio e melhorar as condições de trabalho em terra.
13º. É, pois, a Requerente quem ocupa, explora e utiliza, desde 1 de outubro de 2011, sem qualquer solução de continuidade, o Armazém de Aprestos n.º...3, situado no Porto de Pesca de ...,
(…)
15º. O que já sucede há mais de 12 (doze) anos,
16º. De forma continuada e ininterrupta, na convicção de estar a usar de direito próprio,
17º. De forma pacífica e sem qualquer oposição, de quem quer que seja,
18º. À vista de todas as pessoas, incluindo da Requerida,
19º. Circulando nele, livremente, fazendo dele coisa sua e certa de que não lesava interesses alheios.
20º. É, pois, neste Armazém de Aprestos que a Requerente, com conhecimento de todos, inclusive da própria Requerida e da própria Administração Portuária, e à vista de todos, ali guarda todas as artes de pesca,
21º. Tais como: anzóis, linhas, redes, joeiras, cabos, cordas, cintas, fios, ganchos, diferenciais, cadernais, moitões, boias, balões, coletes, esteiras, material de salvamento, sinalização e navegação, capas de oleado, tulhas, correntes, escadas, cortiça, fateixas e âncoras, instrumentos de precisão, cartas e mapas, meios de transmissão e comunicação, candeeiros, prateleiras, armários e cacifos para arrumação, cadeiras, mesas, entre outros,
22º. Transportando quotidianamente estas artes do Armazém n.º 73 para a embarcação “...”, aí a colocando a bordo para lançamento ao mar, e
23º. Trazendo-as de volta depois da faina e depositando-as novamente no Armazém de Aprestos,
24º. É no Armazém de Aprestos que a Requerente, juntamente com os seus colaboradores de pesca, desenvolve a sua atividade diária e quotidiana,
25º. Mantendo sempre o portão aberto e à vista de todos,
26º. Ali faz reparar as redes danificadas, cozendo-as,
27º. É ali que os seus colaboradores desempatam os anzóis e desenrolam as linhas,
28º. É ali que armazenam o engodo,
29º. Ali fazem o manuseamento de cargas e de materiais,
30º. Assim como fazem a separação de resíduos e reciclagem,
31º. Este Armazém funciona também como oficina e escritório,
32º. Ali se contratando o pessoal necessário às lides,
33º. E ali se arquivam os documentos tanto do pessoal como da faina,
34º. Serve também de dormitório à tripulação que mora longe, que não tem onde ficar até à próxima faina e que dentro deste armazém satisfaz as suas necessidades básicas e essenciais, tais como,
35º. Ali dormem, nas camas e esteiras ali existentes para este efeito,
36º. Ali fazem as suas refeições, para o que existe uma cozinha para o uso de todos, mestres, tripulantes e demais colaboradores,
37º. Ali utilizam, para o efeito, o fogão, onde confecionam as suas refeições,
38º. Utilizam o frigorífico ali existente para guardar os seus alimentos,
39º. Ali se sentam para comer, para o que existe uma mesa e várias cadeiras,
40º. Lavam a loiça suja recorrendo ao lava-louças que ali existe,
41º. Ali guardam as panelas, os tachos, os pratos, os copos, os talheres, no armário
disponibilizado para esse efeito,
42º. Ali fazem a sua higiene pessoal e tomam duche,
43º. Servindo-se da casa de banho existente no interior do Armazém,
44º. Utilizando para o efeito a água quente proporcionada pelo uso do esquentador instalado nesse local,
45º. Circulando nele, livremente,
46º. Tanto a embarcação de pesca “...” como o Armazém de Aprestos n.º...3 situado no Porto de pesca de ..., constituem investimentos que representam bens inseparáveis, ambos imprescindíveis ao exercício da atividade privada da Requerente, constituindo este último um equipamento indispensável de suporte e de apoio à sua atividade, (…)
48º. Sem a disposição do qual (armazém de Aprestos) se torna praticamente impossível o exercício da atividade piscatória da Requerente, ou seja,
49º. Sem a disponibilidade do armazém em...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO