Acórdão nº 2313/14.5T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-05-2023

Data de Julgamento02 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2313/14.5T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A intentou a presente acção declarativa comum contra Hospital dos Lusíadas S.A e B, pedindo que a condenação solidária dos RR. pagar-lhe €266.171,33, acrescidos de juros vincendos à taxa legal.
Para tanto, alega que o R. B é médico e exerce funções para a R. Hospital Lusíadas, S.A.; que no âmbito de tais funções, o primeiro efectuou uma cirurgia artroplástica no joelho direito da A.; que um mês após esta cirurgia, foram verificadas complicações em consequência da mesma, levando à amputação da perna direita da A., o que lhe provocou danos patrimoniais e não patrimoniais.
2. Contestando, a R. Lusíadas deduziu as excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade activa da A. relativamente ao pedido de indemnização por danos patrimoniais que envolvem os pagamentos realizados pelos Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos (“SSCGD”) e pelo marido da A., tendo ainda impugnado a factualidade alegada na petição inicial.
Mais requereu a intervenção principal provocada de Fidelidade-Companhia de Seguros, S.A..
3. Na sua contestação, o R. B alegou a inexistência de qualquer relação contratual com a A., já que os cuidados de saúde que foram prestados por si o foram na qualidade de médico colaborador do 1.º R., mais tendo impugnado a factualidade alegada na petição inicial.
Requereu ainda a intervenção provocada de AXA Portugal, Companhia de Seguros, S.A..
4. Admitidas ambas as intervenções, apresentaram as intervenientes contestação defendendo a improcedência da acção.
5. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando improcedentes as excepções deduzidas e fixado o objecto do litígio e os temas de prova.
6. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença julgando a acção improcedente.
7. Inconformada, a A. recorre desta decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1
O que está em causa no presente processo é o facto de a A ter sido submetida a uma cirurgia ao joelho direito para melhorar a sua locomoção em 11 de Julho de 2012 e, pouco mais de dois meses depois, sempre acompanhada, medicada, e aconselhada pela mesma equipe cirúrgica, ter-lhe sido amputada a perna para evitar a morte.
2
A cirurgia ao joelho foi feita pelo 2º R. – reputado ortopedista – nas instalações e com o apoio de pessoal e equipamento do Hospital dos Lusíadas – 1º R.
3
Ficaram assentes factos que a A reputa suficientes para concluir que tem de ser indemnizada por esta agressão física da sua integridade e, por isso, deve ser revogada a sentença da meritíssima Juíza a quo que absolveu os réus totalmente do pedido.
4
O indeferimento da ação está suportado no seguinte texto da sentença:
“É linear que os fatos concretos, geradores de responsabilidade civil que a A. imputa aos 1º e 2º RR. são:
“A amputação da perna direita da A. deveu-se a negligência dos 1º e 2º Réus, quer porque não realizaram atempadamente os exames e tratamentos devidos à autora, logo após a primeira cirurgia de 10-7-2012, por reporte aos sintomas que aquela apresentou, quer porque na primeira cirurgia feita pelo 2º R. este lesionou a artéria polítea direita, ficando a perna sem ser irrigada pelo fluxo sanguíneo, e nada fez posteriormente para tratamento desta lesão.”
“Nenhum destes fatos resultou provado, sendo certo que impendia sobre a A. o ónus da prova dos fatos constitutivos do seu direito, nos termos gerais do artigo 487º, n.º 1 do CC”.
5
Ora, a afirmação: “a amputação da perna deveu-se a negligência dos réus” é uma conclusão de direito que resultará de factos dados como provados.
A douta sentença, neste aspeto, está contra o art.º 607º, nº 3 do CPC que obriga a distinguir os factos das conclusões de direito.
6
Também, na parte em que julga que impende sobre a A o ónus da prova da negligência dos réus, está a sentença contra a jurisprudência maioritária do STJ, nomeadamente Revista nº 136/12.5TVLSB.L1.S1 e Revista nº 359/10.1TVLSB, que entende que a responsabilidade civil por ato médico assume a natureza de responsabilidade contratual aplicando-se o ónus da prova da não culpa ao médico, nos termos do art.º 799º, nº 1 do Cód. Civil
7
Ora, os réus não só não alegaram nem provaram nenhum facto que explique que não foi por sua ação que resultou a amputação da perna da A, como ficaram provados factos que levam a concluir que essa amputação foi consequência da ação deficiente e ilícita dos réus, sendo certo que a operação ao joelho era acompanhada do dever por parte dos RR de não afetar qualquer outro bem da A. 8
De facto, o Hospital – 1º R – apresenta, na sua contestação, uma descrição de todas as ocorrências e falhas, sob o ponto de vista médico e científico, que conduziram à amputação.
9
Nos art.ºs 54º e 55º da sua Contestação diz que a doença da A obrigava a que a operação ao joelho fosse precedida de avaliação que incluísse pesquiza de lesões neuro vasculares e deveria ter sido consultada a especialidade de cirurgia vascular, o que não foi feito.
10
E nos art.ºs 61º e 62º do seu articulado, diz o Hospital que a operação ao joelho deveria ter sido feita com intervenção da cirurgia vascular, o que não foi feito.
11
Diz ainda, nos art.ºs 73º a 76º da Contestação, que, dois dias após a operação ao joelho, a A se queixou à enfermagem do Hospital de ausência de sensibilidade e de mobilidade do pé e foi verificada bolha no osso do calcanhar e no dia 17.07.2012 o médico observou falta de sensibilidade e mobilidade do membro operado e, mesmo assim, a A foi mandada para casa.
12
E nos art.ºs 94º, 97º, 98º, 100º, 109º e 101º da Contestação, diz o Hospital que só no dia 27.07.2012 é que o Dr. B pediu a intervenção da cirurgia vascular, mas que nessa data (duas semanas e meia depois da operação) já era tarde e já não foi possível evitar a amputação da perna, devido a infeção generalizada.
13
Diz ainda nos art.ºs 101º a 104º da contestação do Hospital, que os exames realizados à A em 2.08.2012, revelaram uma lesão segmentar (=cortada) da artéria, aliada a trombose venosa profunda, que não é comum mesmo em doentes como a A., o que leva a concluir que durante a cirurgia ao joelho houve uma lesão iatrogénica (=grego: iatros – médico), ou seja, a artéria foi cortada pelo médico e este não registou este facto.
14
E, em seguida, - Art.ºs 100º, 103º e 105ª da Contestação – diz o Hospital que uma lesão destas ou é diagnosticada nas primeiras horas do pós-operatório ou o prognóstico é muito reservado.
15
O Hospital refere todas estas falhas para fazer ressaltar que foram todas da única responsabilidade do Sr. Dr. B – 2º R – que teve a direção da cirurgia ao joelho e que este nunca pediu a intervenção da cirurgia vascular do Hospital, como deveria e que a partir do seu pedido de intervenção da cirurgia vascular, o Hospital fez tudo para evitar a amputação, mas já era tarde.
16
Ora, o Hospital teve intervenção direta em todos estes acontecimentos, já que a cirurgia ao joelho dirigida pelo 2º réu, foi realizada com assistência de pessoas, equipamento e instalações do Hospital (facto provado nº 15 da Sentença), pessoal igualmente competente e credenciado para esse ato médico, que também tinha obrigação de ir verificando as falhas e, portanto, tinha a mesma obrigação de cumprir e fazer cumprir tudo quanto fosse indispensável ao bom êxito da operação ao joelho. Nesse sentido, todas estas alegações do Hospital têm de ser consideradas confissão, nos termos art.ºs 352º e 356º, nº 1 do Cód. Civil, normativos violados pela sentença sub judice.
17
Também o 2º R., Sr. Dr. B, confessa, no art.º 58º da sua Contestação, que não detém os conhecimentos próprios da especialidade de cirurgia vascular necessários para um correto e adequado acompanhamento da A e que só em 27.07.2012 (data que o Hospital considera tarde de mais) é que pediu ajuda a esta especialidade. Alegação que confirma o que descreve o Hospital para a essencialidade da intervenção da cirurgia vascular.
18
Também alega, no art.º 81º da sua Contestação, que sabia que a cirurgia que realizou ao joelho comportava riscos de oclusão da artéria poplítea por trombose venosa profunda, como ocorreu, o que constitui confissão de que não cumpriu o dever de pedir a intervenção da especialidade de cirurgia vascular.
Também aqui a meritíssima juíza, ao não considerar estas confissões do 2º R., violou os art.ºs 352º e 356º, nº 1 do C.C.
19
Segundo o citado Ac. STJ Revista 359/10.1TVLSB, “O nexo de causalidade entre o facto e o dano não exige a demonstração de uma certeza científica ou naturalística, mas apenas um juízo de probabilidade de que o facto foi a causa adequada, em sentido normativo, da produção do dano”. Ora, os factos dados como provados pela sentença sub judice, são suficientes para fazer o juízo de probabilidade de que a falta de intervenção da cirurgia vascular atempadamente na intervenção cirúrgica ao joelho da autora e no pós-operatório, foi a causa adequada da produção do dano, a amputação da perna.
20
De facto, ficou dado como provado – facto nº 56 - pela sentença, que a equipa cirúrgica teve acesso a toda a informação e ficou conhecedora de todos os aspetos da saúde e doença da A.
21
Ficou provado – facto 14 da sentença – que a operação ao joelho proposta pelo 2º R se destinava a afastar as dores e melhorar a locomoção da A., assegurando a probabilidade de obtenção dos mesmos resultados da operação ao joelho esquerdo, que tinha sido realizada anos antes e que tinha resolvido todos os problemas daquele joelho.
22
Ficou provado – factos 16, 17, 18, 19 e 51 da sentença – que, após esta operação ao joelho, realizada pelo 2º R, desde o primeiro momento e nos dias seguintes, a autora se queixou de ausência de sensibilidade e falta de mobilidade do pé e foi constatado pelos réus, bolha no osso do calcanhar,
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