Acórdão nº 231/21.0T8CLD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-28

Ano2023
Número Acordão231/21.0T8CLD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAÍNHA)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA, propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento respeitante ao imóvel sito na Rua ..., ..., ..., do qual é proprietário, condenando-se a Ré a despejar imediatamente o locado e entrega-lo livre de pessoas e bens.

Alegou, em síntese, que, adquiriu o prédio de uma tia, por partilha outorgada em 12/7/2013, sendo que a essa data o arrendamento com a Ré. já existia há mais de 40 anos, pagando esta a no valor de 5,00 €. Teve conhecimento que a Ré, pelo menos desde Setembro de 2019, não reside, com carácter de permanência, no imóvel em causa, apresentando o locado um aspecto de desprezo e abandono, sempre fechado, pelo que lhe assiste o direito de resolver o contrato, ao abrigo do disposto nos arts 1083º/2 al d) e 1084º, ambos do CC.

A Ré contestou, alegando que tomou de arrendamento o referido prédio misto há mais de 60 anos, pagando de renda 5,00 €, não tendo sido feitas nesse prédio quaisquer obras de conservação, tendo sido ela a faze-las, nomeadamente, na cozinha, quando lhe caiu a chaminé, mais referindo que desde que foi habitar o arrendado que este não tinha água canalizada, tendo ela, quando dela necessitava para consumo doméstico, que ir busca-la a um tanque, que, por sua vez, era abastecido por uma captação subterrânea propriedade de um vizinho . Refere ainda que esta situação se foi agravando, porquanto o tanque em causa passou a estar coberto de vermes e objectos, tornando-se imprópria para o seu uso mais básico, como lavar a roupa. Acresce que o Autor mandou construir um curral para animais, cujo estrume é armazenado a céu aberto, amontoando-se as fezes dos animais a curta distancia da porta de entrada da Ré, situação que levou a que um dos seus filhos denunciasse tal situação à Agência Portuguesa do Ambiente que, após vistoria, notificou o A. para dotar o arrendado com condições básicas de saneamento, consoante carta que juntou com a contestação. Refere ainda que foi apresentada uma Reclamação junto da ARST-OESTE Norte da Unidade de Saúde Pública das ..., cujo relatório de vistoria se pronunciou pela falta de condições de salubridade e habitabilidade, referindo existir perigo para a saúde dos seus habitantes por estarem a consumir água que, segundo as análises, está imprópria para consumo, juntando documento comprovativo. Alega ainda que, entretanto, foi vitima de atropelamento, tendo sido operada em 13/9/2019 e tido alta em 19/9/2019, conforme Relatório Médico do Centro Hospitalar ... que junta. Carecendo de recuperação e do apoio de terceira pessoa para a sua higienização, foi viver temporariamente com o filho, já que não podia transportar água do poço com baldes. Tem 76 anos, encontra-se lúcida e pretende regressar a sua casa, necessitando esta das condições mínimas higiénico-sanitárias, que tinha anteriormente, para poder regressar . Recebe uma pensão por velhice do CNP no valor de 344,44 €, conforme documento que junta, não tendo outros rendimentos, como comprova por declaração de IRS . Mais referiu que a falta de condições de habitabilidade do arrendado a levou a propor nos Julgados de Paz acção pedindo a condenação do ora Autor/senhorio, na realização das obras necessárias. Terminou a contestação referindo que o A., nos termos do art 1101º do CC, não pode denunciar o contrato.

Foi entendido que a acção pendente nos Julgados de Paz configurava causa prejudicial relativamente à dos presentes autos, tendo as partes sido convidadas a pronunciarem-se a esse respeito.

Fê-lo o A., opondo-se à suspensão da instância, referindo que, pese embora exista identidade de sujeitos nas duas acções, não há identidade do pedido nem da causa de pedir.

Por despacho de 1/6/2021, foi determinada a suspensão da instância nesta acção, até ser proferida decisão naquela, o que veio a suceder em 24/11/2021, mostrando-se a mesma transitada, consoante resulta de certidão junta aos autos.

Realizada audiência prévia, foi o Autor notificado para se pronunciar quanto à matéria de excepção invocada na contestação.

O que o mesmo fez, chamando a atenção, à cabeça, para a circunstância de a Ré subsumir os factos à matéria da denúncia do arrendamento e não à da resolução, como vem pedido, em função do que entende que se deve concluir pela falta de contestação, com todas as consequências legais. No entanto, e para o caso de assim não se entender, refere que a Ré não se defendeu com a invocação de qualquer das situações a que se reporta o nº 2 do art 1072º CC, fazendo notar que não demonstrou qual a sua doença, alegado apenas ter sido atropelada em 2019, mas na verdade encontra-se com excelente mobilidade. Refere ainda não ter qualquer forma de custear as obras, ter recebido de rendas desde a aquisição do imóvel 520,00 €, ter pago todos estes anos IMI de mais de 100 € por ano, e estimar o valor orçado das obras acima dos 30.000,00, constituindo abuso de direito a defesa da Ré. em função da execução das obras.

A R foi ouvida a respeito desta excepção, nada tendo invocado de novo.

Foi então entendido que, embora nem todos os factos em causa nos autos se mostrem provados, os que já o estão – em função da sua não impugnação pelas partes e, bem assim, da certidão junta aos autos e respeitante ao Processo que correu termos entre estas nos Julgados de Paz -.permitem que se conheça de imediato do pedido, o que se fez, julgando-se improcedente a acção e absolvendo-se a Ré do pedido.

II- Do assim decidido, apelou o Autor, que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:

A) Pelo que, o Tribunal a quo ao considerar como operante a excepção do caso julgado, absolvendo a Recorrida da instância, violou o mais elementar direito do Recorrente de garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 2.º do CPC, negando o único meio processual ao seu dispor para efectivar os seus direitos e ver reconhecido o seu pedido em juízo;

B) Tendo o processo transitado em julgado sem que exista identidade de pedido e causa de pedir com o actual processo, e concluindo este em sentença sem que tivessem sido apreciadas as pretensões das partes, é garantido ao Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do CPC, o direito de submeter à apreciação do Tribunal a quo a presente acção, de forma a que seja dirimido e reconhecido em juízo a sua pretensão sobre a Recorrida;

C) Assim e em face do exposto, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo que considerou verificada a excepção dilatória do caso julgado, ser revogada e substituída por Acórdão que considere como inexistente tal excepção do caso julgado, declarando a Recorrida como não absolvida da instância e, assim, admitindo ao Recorrente a possibilidade de ver peticionada em juízo a sua pretensão, sob pena de lhe ser negado o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva contido o artigo 2.º do CPC;

D) A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves- mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República.

E) A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo.

F) O Recorrente requereu a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na desocupação do imóvel;

G) Contestou a recorrida invocando a falta de requisitos para denúncia do contrato de arrendamento;

H) Não contestando o pedido do recorrente;

I) Assim e em face do exposto, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo que considerou verificada a contestação e a excepção de justificação de não ocupação do locado, ser revogada e substituída por Acórdão que considere como inexistente tal excepção, declarando a Recorrida como não absolvida da instância e, assim, admitindo ao Recorrente a possibilidade de ver peticionada em juízo a sua pretensão.

A Ré não ofereceu contra-alegações.

III – O Tribunal da 1ª instância - já se viu, que em função da não impugnação dos factos pelas partes e, bem assim, da certidão junta aos autos e respeitante ao Processo que correu termos entre estas nos Julgados de Paz - julgou provada, a seguinte matéria de facto:

A) A propriedade do prédio misto, sito na Rua ..., ..., ..., composto de terras de semeadura, morada de casas de rés do chão e cómodos, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº...71/... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art....96 e urbana ...98, da União de Freguesias ... - ... e ... encontra-se registada a favor do Autor, por sucessão hereditária de CC, por partilha efectuada em 12/7/2013;

B) Em data não apurada, mas há mais de 40 anos, CC deu de arrendamento à Ré, BB, que aceitou, o imóvel descrito em A);

C) A Ré paga renda mensal no valor de €5;

D) Desde 19/9/2019 que a Ré se encontra a residir em casa do filho;

E) Em 21 de Janeiro de 2020 a Ré propôs contra o ora Autor, junto dos Julgados de Paz, que aí correu termos com o nº19/2020-JPBBR, requerendo que este procedesse à realização de obras na casa sita na Rua ... – ..., ...;

F) Em 24/11/2021 foi proferida decisão no processo identificado em E), já transitada em julgado, que decidiu “condena-se o Demandado a proceder às obras de conservação ordinária e extraordinária necessárias, eliminando humidades e dotando o locado de abastecimento de água potável canalizada e de ligação das águas residuais domésticas à rede colectora”;

G) Na referida decisão foi dado como provado, entre...

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