Acórdão nº 230/21.1T8VPA-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-09

Data de Julgamento09 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão230/21.1T8VPA-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

AA e marido BB instauraram ação, na forma de processo comum, contra CC.

Invocaram que:
São proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art. ...86 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...09, por o terem comprado, por escritura pública de compra e venda, a DD, e terem adquirido o respetivo direito de propriedade por usucapião.
A R. ocupa, parcialmente, tal prédio.
Pediram que:
Se condenasse a R. a reconhecer que são proprietários do imóvel identificado no art. 1º, da p.i.
Se condenasse a R. a restituir o imóvel desocupado, livre de pessoas e bens, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença;
Se condenasse a R. em € 5,00, por cada dia de atraso na entrega do imóvel.
A Ré contestou, impugnando parte da factualidade invocada pelos A.A., especialmente os atos de posse invocados, afirmando ser ela quem tem praticado atos de posse sobre o imóvel.
Deduziu reconvenção.

Invocou:
Ter realizado diversas obras no imóvel e ter pago algumas despesas de contribuição autárquica e de IMI do mesmo.
Pediu:
A condenação dos A.A. a indemnizarem-na no valor de € 51.600,00, correspondente ao valor das benfeitorias realizadas no imóvel e ainda, no pagamento dos IMI e contribuição autárquica que pagara desde 1997 e juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.
Replicaram os A.A.
Impugnaram a generalidade da factualidade reconvencional.
A reconvenção foi admitida.
*
Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador sentença, com conhecimento parcial do pedido, tendo sido julgada a ação parcialmente procedente e a reconvenção parcialmente improcedente e, em consequência:

a) Condenou a R. a reconhecer que, os A.A. são proprietários do imóvel identificado no art. 1º, da p.i.;
b) Condenou a R. a restituir o imóvel aos A.A., desocupado, livre de pessoas e bens, no prazo de 10 dias após trânsito em julgado da presente decisão;
c) Absolveu a R. do demais peticionado;
d) Absolveu os A.A., parcialmente, do pedido reconvencional, na parte relativa à pretendida condenação dos mesmos no pagamento do montante de € 50.210,00 relativo a benfeitorias e ainda, na parte relativa à pretendida condenação dos A.A. no pagamento das quantias que a R. possa ter pago de IMI e contribuição autárquica até 27-11-2019 e, respetivos juros.
*
Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

2- O presente Recurso é de Apelação, nos termos do disposto nos artigos 639.º n.º 2 a) e b) do C. P. C., por violação do disposto nos artigos 481.º n.º 1 e 612.º n.º 1, 2.ª parte do CC.
3- Vem o mesmo da absolvição dos Autores do pedido reconvencional, na parte relativa à condenação no pagamento no valor de € 50.210 (que deverá ser peticionado ao ante proprietário, porque anterior à compra pelos Autores, por não ser uma obrigação propter ou ob rem) relativos a benfeitorias e a pagamento das quantias pagas pela Ré a título de IMI e contribuição autárquica até 27/11/2019, abrigo do Instituto do Enriquecimento Sem Causa.
4- A fundamentação da absolvição é que a obrigação de indemnizar o benfeitor é do proprietário do prédio, à data da realização das benfeitorias, porque foi ele o enriquecido. Vem tal Decisão sustentada Jurisprudencialmente em Douto Acórdão do STJ de 05/05/2015, e de Douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 05/04/2022.
5- Em suma, refere que a obrigação de indemnização não é uma obrigação propter ou ob rem, pelo que o pedido da mesma deveria ser dirigido ao anterior proprietário.
6- Com todo o devido respeito, que é muito, a aqui Ré/ Recorrente discorda.
7- Argumenta com os seguintes elementos, específicos, do caso concreto:
8- É preciso ter em atenção que o valor patrimonial do urbano ...86, à data da compra e venda outorgada, era de € 10.270,00 – cfr. Certidão matricial, obtida via internet em 15/06/2021, com avaliação em 17/11/2019, junta com Douta PI;
9- Vejam Vossas Excelências que se trata de urbano com área total do terreno de 915m2, e área de implantação do edifício de 167m2;
10- Vejam Vossas Excelências facto provado 3, que confirma que, em 1996 (!) o anteproprietário DD terá pago pelo prédio 4.000.000$00;
11- Há ainda que ter em atenção que em facto provado 1.º, vem declarado que os aqui Autores compraram ao DD o prédio por € 3.000 (três mil euros).
12- Ou seja, o valor de compra é menos de metade do valor patrimonial do prédio, e menos de um quarto do valor que o anteproprietário DD pagou por ele.
13- Como se sabe, o valor patrimonial, em regra, é inferior ao valor real e de mercado.
14- O preço pago pelos Autores pela compra do urbano ...86, é significativamente inferior ao valor de mercado, e significativamente inferior ao valor de compra pelo anteproprietário.
15- Ou seja, os compradores, aqui Recorridos, enriqueceram com as benfeitorias (úteis e necessárias), sendo que não será justo nada pagarem por elas, quando não pagaram o preço que expressa o valor do prédio, acrescido das mais valias.
16- Aliás, é essa a justificação que subjaz ao disposto no artigo 612.º n.º 1, 2.ª parte do CC.: “se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.”
17- Ou seja, precede a lógica de que o beneficário de acto que lhe deu ganho, sem contrapartida, não deverá ser protegido dos credores que tinham o prédio como garantia.
18- O mesmo espírito está presente no disposto no artigo 481.º n.º 1 do C. C.
19- Também se encontra salvaguarda jurisprudencial para este entendimento, nomeadamente em Douto Acórdão 1202/18.9T8CBR.C2 de 05/04/2022, do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, onde se refere: “Depois porque o Réu adquirente do prédio benfeitorizado em nada beneficiou com a introdução dos melhoramentos em que se consubstanciaram as benfeitorias, uma vez que pagou o preço fixado judicialmente para a correspondente venda, com referência ao contemporâneo valor de mercado do mesmo prédio, sendo certo que, necessariamente, foram tidas em conta benfeitorias introduzidas no mesmo, pelos AA, ou por terceiros…” – cfr. Ultima página, parágrafo 2.º.
20- Esta questão assume também particular relevância no âmbito do artigo 755.º do C. C., ““Tendo direito a indemnização, o comodatário goza do direito de retenção que lhe é conferido, especialmente, pela alínea e) do nº1 do artigo 755º” (cfr. Pires de Lima-A. Varela, Código Civil Anotado. V ol II, 4ª ed., p. 758).
A iliquidez do crédito não constitui obstáculo ao direito de retenção, pois que, como prescreve o nº 2 do art. 757º CC, não depende da liquidez do crédito do respectivo titular.”.
21- A aqui Ré/ Recorrente, expressamente invoca o Direito de Retenção do prédio, enquanto não estiver devidamente ressarcida.
Pugna a Recorrente pela procedência do recurso com a revogação da decisão recorrida.
*
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo que:

1. Não foram efetuadas quaisquer benfeitorias no imóvel dos autos, como concluiu a perícia realizada;
2. O estado do imóvel é de absoluta degradação e ameaça de ruína, face aos desmazelos e falta de cuidado da recorrente;
3. Que viveu no imóvel por empréstimo do seu irmão.
4. Mas, mesmo que as mesmas existissem, não poderiam ser assacadas aos recorridos, pelo menos as anteriores a 27/11/2019, data em que adquiriram o imóvel.
5. Baseando-se a presente ação no Instituo de Enriquecimento sem Causa, teriam que ter “enriquecido” de alguma forma os recorridos para lhe poder ser assacada a obrigação de pagar.
6. Ora, no caso dos autos os recorridos adquiriram o imóvel no estado em que se encontra, degradado e em ruína.
7. A obrigação inerente não é uma obrigação propter rem.
8. Nada é alegado quanto ao carácter das alegadas benfeitorias.
Pugnam, assim, pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos Recorrentes, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, a única questão a decidir é a seguinte:
- Direito da ré a ser indemnizada pelos autores em razão das benfeitorias por si realizadas no imóvel antes do bem ser propriedade dos autores.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1.Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
A - CC instaurou ação, contra DD, BB e esposa EE, que viria a correr seus termos sob o n º 173/20.....
B - Pediu que:
a) Fosse declarada a nulidade da escritura de justificação;
b) Fosse declarada a nulidade da escritura de compra e venda;
c) Fossem declarados nulos e de nenhum efeito todos os atos de inscrição e registo a ela relativos.
C - Alegou que:
(i) Em 27 de Novembro de 2019, foi outorgada no Cartório Notarial ..., escritura pública de Justificação e Compra e Venda, em que o Réu DD é representado pela Ré AA, assumindo o papel de justificante e vendedor, e os Réus AA e BB assumem o papel de compradores;
(ii) O vertido em tal escritura de justificação não corresponde à verdade, pois nunca o Réu DD praticou qualquer ato de posse no referido prédio;
(iii) Na verdade, é a aqui Autora quem vive no prédio desde 1997, com animus de efetiva proprietária.
D - Por decisão, proferida em 22-04-2021, transitada em julgado, foram considerados provados os seguintes factos:
1 - No dia 27.11.2019, no Cartório Notarial ..., lavrou-se escritura pública com a epígrafe “Justificação e Compra e Venda”, subscrita por EE na qualidade de procuradora de DD, como primeira outorgante, FF, GG e HH, como segundos outorgantes, e BB, como terceiro outorgante, consignando-se, designadamente, que:
“Justificação
Pela primeira outorgante, na indicada qualidade em que intervém, foi dito:
Que o seu representado é dono e legítimo possuidor, com exclusão de...

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